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Sueli Salles


Ela já estava no internato há meses e, numa das raras visitas da mãe, ganhara um vestido verde. Um mimo incomum, já que aquela mulher sofrida não tinha dinheiro nem tempo para lhe dar quase nada. Certo dia, porém, quase entrou em choque ao ver uma das meninas do seu quarto desfilando ao sol com o seu vestido novo! Ela mesma ainda nem tinha usado, como aquela chifruda tinha feito aquilo? Ignorando as freiras por perto, Jerusa voou pra cima daquela loirinha imbecil e começou a arrancar-lhe a roupa ali mesmo, no meio do pátio. Isso não pode terminar bem... Ou pode?


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Repartir o pão

Ela já estava no internato há meses e, numa das raras visitas da mãe, ganhara um vestido verde. Um mimo incomum, já que aquela mulher sofrida não tinha dinheiro nem tempo para lhe dar quase nada. Certo dia, porém, quase entrou em choque ao ver uma das meninas do seu quarto desfilando ao sol com o seu vestido novo! Ela mesma ainda nem tinha usado, como aquela chifruda tinha feito aquilo? Ignorando as freiras por perto, Jerusa voou pra cima daquela loirinha imbecil e começou a arrancar-lhe a roupa ali mesmo, no meio do pátio.

“Para com isso, menina! Você está louca?” uma freira repreendia, tentando segurar aquela tranqueirinha apimentada.

Não adiantou alegar que o vestido era dela, que era novo, que era presente da mãe, que não podia ir pegando assim. Lá não tinha dessas coisas, foi dizendo a irmã, tudo era de todas, onde já se viu tanto apego! Um pecado! “Você precisa aprender a repartir o pão!” E botou a encrenqueira de castigo, na capela, diante de Santa Rita de Cássia. Que ficasse lá, rezasse o terço, pensasse na vida, essas coisas.

Então, com uma raiva danada, a menina se sujeitou ao castigo. Sozinha, suportou uma eternidade, ignorando tudo ao redor, cantarolando mentalmente uma música de palavrão. Mas o tempo foi passando, aquilo foi ficando chato, ninguém ia lá para acabar a penitência... Procurou algo interessante pela capela e de repente percebeu que a santa estava olhando para ela. Engraçado aquilo! Devia ser impressão. Cobriu o rosto um instante e, quando descobriu, lá estava a santa insistindo... Era um risinho mesmo? Parece até que piscou! O que ela estava querendo lhe dizer?

“Ah! Já sei!” Arregalou os olhos ao enxergar o prêmio que compensaria todo aquele injusto sofrimento: olhou para os dois lados, conferindo que estava mesmo sozinha, e, com uma habilidade de profissional, limpou a caixa de ofertas, aos pés da santa. Três notas de dez, duas de cinco e vinte moedas de valores diversos.

Já estava enfiando tudo na meia quando olhou de novo para a santa: ainda a encarava com aquele risinho. Seria mesmo de aprovação? Achou melhor deixar as moedas. E ainda sacou uma de cinco e fez sua doação, um ato de caridade para manter as boas relações com o além.

Repartir o pão, sim, fazia sentido. E ela, então, sentiu-se muito pura.

15 de Dezembro de 2020 às 16:43 1 Denunciar Insira Seguir história
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Fim

Conheça o autor

Sueli Salles Escrevo desde a adolescência, mas esta é minha primeira experiência em publicação pela internet. Sou professora e gosto de escrever contos sobre a difícil arte de conviver.

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Clau Terra Clau Terra
Adorei!!!
December 15, 2020, 19:32
~