jacianasuzy Jaciana Suzy

A versão em inglês dessa história recebeu menção honrosa na competição internacional Last Summer 2020. | Anna está finalmente em seu primeiro encontro com a crush, quando uma mensagem anônima chama sua atenção: **Eu sei o que você fez verão passado. ** O que Anna fez verão passado e como isso irá afetar seu encontro?


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Capítulo único

Recife é uma cidade particularmente quente, mas nesse dia, estava mais quente do que o normal. Não pela temperatura em si, mas porque Anna finalmente iria ao seu primeiro encontro, o que deixava suas mãos suando de tanto nervoso.

— Alexia, eu não sei se estou pronta. — Ela diz enquanto passa as mãos pelo rosto repetidamente.

— Para com isso. — Alexia a repreende sem fazer contato visual.

— Mas e se der tudo errado? E se a conversa não for boa? E se eu derramar comida nela? Sei lá, são tantas possibilidades.

— É, são inúmeras possibilidades, mas você não vai desistir de ir, né?

— Não, eu acho que não. Eu gosto dela demais para isso.

— Então você está pronta. — Alexia dá um sorriso forçado e espera que Anna não perceba.

Após se despedirem, Anna vai até sua livraria-café preferida, que achava o melhor lugar do mundo porque poderia ser ela mesma. Era só sentar, pegar um livro, pedir um milkshake e o seu dia estava completo. Mas esse lugar também era o seu preferido porque era discreto, ficava em uma cidade vizinha, então dificilmente encontraria com pessoas que não queria ver.

— Oi, desculpa a demora!

Anna fecha o livro que estava lendo e foca na figura feminina que aparece em sua frente. Ela era alta, tinha longos e lisos cabelos castanhos, olhos cor de mel e um sorriso que derreteria mil geleiras e seu coração, tudo ao mesmo tempo.

— Oi, Carina. — Anna sorri timidamente, se levanta para lhe dar um beijo na bochecha, mas fica confusa se deveria dar um beijo em um lado da bochecha ou nos dois. Por via das dúvidas, dá um beijo em uma das bochechas e a puxa para um abraço.

Carina lhe aperta um pouco mais do que o esperado e ela gosta disso. Quando se desvencilha de seu abraço, Anna não sabe o que fazer ou o que dizer. Afinal, era seu primeiro encontro. Ela só queria um manual que lhe ajudasse a não estregar tudo.

— Então, isso é bom? — Carina pergunta enquanto se senta.

— Ahn? — Anna a olha sem entender.

— O milkshake – Ela aponta para o copo grande e rosa que aparentava ter um milkshake de morango.

— Ah, sim, é ótimo! Quer experimentar? — Anna sugere sem pensar duas vezes.

Carina levanta uma sobrancelha para ela e sorri.

— Merda, eu não deveria ter oferecido o meu, fiz algo errado. — pensa Anna.

Ao contrário do que ela pensa, Carina aceita o milkshake e puxa o canudo para mais perto, sugando um pouco do líquido que estava ali. — É realmente muito bom. — diz se aproximando de Anna.

— E- e- eu acho que vou pedir outro. — Anna gagueja nervosamente.

— Tudo bem então. — Carina vai um pouco para trás, alinhando suas costas à cadeira.

Depois de um tempo sem falarem nada e de Anna esquecer de pedir outro milkshake, o silêncio estava incômodo, até que Carina resolve falar.

— Esse negócio de primeiro encontro é meio difícil, né? Quer dizer, a gente se vê na escola, mas quase não nos falamos.

— Você se incomoda com isso? — Anna pergunta querendo se certificar.

— Com um primeiro encontro estranho ou com a gente não se falar direito?

— Os dois, eu acho. — Anna sorri.

— Não, de jeito nenhum. — Ela morde o lábio inferior. — Eu sempre quis ter mais tempo sozinha com você, mas respeito suas escolhas.

— Obrigada por isso. Não é fácil esconder de todos, mas eu achei que seria melhor não ter a interferência de outras pessoas.

— Tudo bem, eu entendo. Você precisa ir no seu próprio ritmo e não é como se não passássemos tempo juntas.

— Inúmeras horas no telefone contam como tempo juntas?

— Claro que sim! Eu te conheço mais do que as outras meninas que eu converso todo dia na escola.

— Bom saber. — Anna faz beicinho. — Mas eu estou realmente nervosa em poder conversar contigo pessoalmente.

Carina sorri. — Por que? Sou só eu.

— Exatamente, é só você. — Anna suspira — Você é linda e inteligente, fica ridiculamente fofa quando sorri, me desmonta inteira com o teu sotaque italiano e eu sou o que?

— Você é tudo que eu tenho esperado. — Carina a encara. — Eu sou apaixonada pelo seu tom de voz rouco quando você atende minha ligação pela manhã, pelo seu cabelo cor de rosa desbotado, seus olhos cor de avelã e sua tendência em falar excessivamente sobre livros de romance.

Anna sorri sem acreditar. Esse é o primeiro e melhor encontro de todos! (ou ela achava que era).

O celular de Anna toca e ela tenta continuar focada na declaração de Carina, mas como estava fora da cidade e seus pais não sabiam, temeu que fossem eles. Então, ela lê a mensagem e seu coração automaticamente começa a bater mais forte.

— Você está bem? — Carina pergunta preocupada.

— Aham, eu só...eu...eu preciso fazer uma ligação. — Ela responde desnorteada.

Anna vai até a frente da loja e lê novamente a mensagem: “eu sei o que você fez verão passado.” Seu coração gela mais uma vez.

Não é possível, só uma pessoa sabe disso. — Ela pensa tentando recapitular a história em sua cabeça. — Não faz sentido que no dia do meu primeiro encontro eu receba essa mensagem. Foi intencional, alguém quer acabar com meu relacionamento.

Então, ela liga para a única pessoa que sabia o que ela tinha feito. — Alexia?

Após alguns toques, ela atende — Oi, Anna, como está o encontro?

— Não é sobre isso que eu quero falar. — Anna suspira em agonia. — Você contou para alguém sobre a gente?

— Ahn? Por que eu contaria? — Alexia questiona.

— Não sei, caramba! Eu recebi uma mensagem e tenho certeza que foi sobre isso. Eu não fiz mais nada que fosse digno de uma mensagem dessas.

— Não sei o que te dizer. — Alexia fala visivelmente chateada.

— Tá bom, que seja. Eu preciso resolver isso. — Anna desliga o telefone e entra para encarar o seu destino, seja ele bom ou ruim.

— Seus pais? — Carina pergunta sobre a ligação.

Anna pensa por alguns segundos se deveria mentir e fingir que aquele texto nunca aconteceu ou se deveria falar a verdade e correr o risco de perder a confiança da pessoa que ela gostava.

— Aconteceu uma coisa.

— Foi algo sério? Você precisa ir? — Carina pergunta preocupada.

— Eu preciso te contar algo e você não vai gostar. — Ela diz enquanto seus olhos se enchem de lágrima.

Carina espera pacientemente Anna ter coragem de contar e pega em sua mão para demonstrar apoio.

— Eu não mereço seu apoio. Eu menti para você. — Anna olha para baixo, não conseguindo lhe encarar. — Há alguns meses você me perguntou se eu tinha tido alguma experiência sexual e eu disse que não, você também me perguntou se eu já tinha beijado alguma menina e eu também disse que não. — Anna respira fundo. — Eu beijei minha melhor amiga e tive minha primeira experiência sexual com ela no verão passado.

Carina solta as mãos de Anna e a encara.

— Desculpa, eu deveria ter lhe dito. — As lágrimas que ela tentava segurar escapam.

— É, deveria. — Carina responde chateada. — Eu confiei em você e agora não confio mais. — Ela morde o lábio inferior para prevenir de chorar. — Eu não me importo quantas bocas você beijou ou com quais pessoas você transou, eu só queria que você fosse sincera comigo e você não foi. — Carina se levanta e vai até a saída da loja.

— Carina, espera! — Anna grita enquanto se levanta da cadeira. Mas Carina já tinha desaparecido porta a fora e Anna ainda precisava pagar pelo milkshake e devolver o livro.

Era uma cena quase cômica, um relacionamento estava se dissipando enquanto a preocupação da garota era não sair sem pagar. Mas no fim das contas, ela pagou o que devia, mas não consertou o relacionamento...até um momento depois.

Anna saiu andando a pé pelo bairro procurando Carina. Ela tinha saído não fazia muito tempo, então não poderia ter ido tão longe. Porém, após alguns minutos procurando, ela não a encontrava e começou a chover muito forte. O seu celular estava com pouca bateria, não havia mais nenhuma mensagem como aquela que tinha recebido, mas também nenhuma de Carina. Ela tentou ligar o quanto pôde, mas Carina não a atendia.

Dessa forma, ela já estava ensopada e sem nenhuma perspectiva de encontrar Carina nessa chuva. Então, ela foi caminhando lentamente, sentindo a chuva em seu corpo, até chegar em um parque do bairro. Ele tinha um local coberto que aparentemente estava sem ninguém. Então, ela resolve ir até lá se abrigar até achar uma forma de chegar em casa segura.

Chegando nesse local, ela constata que era uma estufa para pequenas plantas, mas como estava escuro do lado de fora, não dava para ver o quão grande era. Assim, ela passeia pelo corredor principal que já era mais iluminado e percebe que há mudas da Rosa Negra, a preferida de Carina. Essa espécie é particularmente rara. Assim como Carina. — pensa Anna.

Ela passa os seus dedos pelas pétalas de rosa, até que algo chama sua atenção. Um choro desenfreado. Anna dá alguns passos e chega na fonte do som. Ela se abaixa e coloca a mão nas costas dessa pessoa.

A princípio, a outra se assusta, mas vendo quem é não tira as mãos dela. — O que você está fazendo aqui?

— Fugindo da chuva, eu acho. Ou da vida.

Carina a olha com os olhos e o nariz vermelhos de tanto chorar. — Por que você não me contou?

Anna senta no chão ao lado de Carina. — Eu tive medo. — Ela aperta seus dedos como uma forma de minimizar a ansiedade. — Há um ano, eu não sabia que era bissexual, eu só me questionava, mas nunca admitia. Então, você se transferiu para minha escola e eu tive certeza de quem eu era. Mas não conseguia conversar com você pessoalmente, por isso te mandei mensagem pela primeira vez.

— Você mandou aquela figurinha de Rupaul para me cumprimentar.

Anna sorri instantaneamente com a lembrança.

— Acho que eu só queria ser um pouco mais como você.

— Como assim? — Carina pergunta.

— Eu escondo quem eu sou por medo. Medo da reação dos meus pais, dos meus amigos, dos conhecidos deles, de todo mundo. E você nunca escondeu quem é, então me senti intimidada por isso.

— Eu nunca te pediria para se assumir. Essa escolha precisa partir de você.

— Eu sei, mas... — Anna suspira. — Eu queria, sabe? Só não consigo.

Após alguns segundos de silêncio, ela continua. — Antes de você, a única pessoa que consegui falar sobre isso foi Alexia. Ela é minha melhor amiga desde o jardim de infância. Então, no verão passado, ela foi dormir na minha casa e nós nos beijamos e rolou mais do que isso.

— E por que você não me contou quando aconteceu?

— Porque nós estávamos nos conhecendo e eu não queria te dar motivo para não me escolher.

— Não é assim que um relacionamento funciona, Anna. Você não escolhe o que o outro deve saber de você. Não se quiser que seja real. Você quer?

— É claro que eu quero. — Anna se segura novamente para não chorar. — Nós estamos construindo algo nosso e eu não quero deixar minhas inseguranças atrapalharem.

— Então converse comigo, não presuma as coisas. — Carina diz chateada. — Eu não me importo de te encontrar em outra cidade se for para que a gente esteja junto, mas eu preciso saber que você também vai fazer um esforço para isso dar certo.

Anna pega uma das mãos de Carina e aperta levemente. — Eu vou, eu prometo.

Carina sente o toque de Anna, mas se afasta. — Você precisa reconquistar minha confiança primeiro.

Assim, elas usam o que resta da bateria do celular de Carina para chamar um Uber para as duas e vão para suas respectivas casas sem falar uma palavra com a outra.

Já fazia alguns dias e elas não mantiveram contato. Porém, a saudade aumentava e Anna lembrava constantemente dela. Desde a primeira vez que se viram na escola, as longas conversas pelo celular, o primeiro encontro, e por fim, a briga que fez elas se afastarem.

Mas o que Anna também lembrava era de Alexia. Ela era sua melhor amiga e a única que sabia que elas tinham tido algo, além de Carina que ficou sabendo recentemente. Por isso, depois de muito pensar, Anna convida Alexia para conversar e esclarecer algumas coisas.

Após falar sobre suas suspeitas de que Alexia teria mandado aquela mensagem para sabotar seu relacionamento com Carina, ela nem tenta negar, já que estava visivelmente chateada pelo seu plano ter ido por água abaixo.

— Eu não acredito que você realmente fez isso.

— Você nem está namorando, Anna!

— Eu não preciso pedi-la em namoro para ter uma relação com ela, Alexia. A gente se gosta e isso deveria ser o suficiente para você entender.

— Mas eu estava aqui o tempo todo, por que você não quis a mim?

— Nós ficamos por uma noite e resolvemos esquecer isso. Você que sugeriu, caramba! Porque não me contou que não estava bem com isso?

— Eu não achei que precisava, achava que você me amaria mais. — Ela diz quase em um sussurro.

— Eu amo você, Alexia. E achava que você também me amava. Mas parte de amar é ficar feliz pelo outro, mesmo que essa felicidade não tenha a ver com você. — Anna abre a porta de sua casa. — Sinto muito, mas eu não posso continuar uma amizade com alguém que não me quer bem.

Alexia a olha uma última vez e vai embora sem ao menos tentar uma reconciliação porque sabia que dessa vez tinha passado dos limites.

Com a história Alexia-Anna resolvida, ela vai atrás da pessoa que fazia seu coração pulsar de felicidade, seus olhos brilharem e suas mãos tremerem de nervoso.

Ela manda uma mensagem e diz que está do lado de fora da sua casa.

— O que você está fazendo aqui? — Carina pergunta com a cabeça para fora da janela.

— Você poderia descer? — Anna sugere, sem querer que os vizinhos escutem a conversa.

Minutos depois, Carina aparece do lado de fora da casa, com o cabelo preso em um coque e uma camisa grande que ia até seus joelhos.

— Como ela consegue ser tão linda até com roupas comuns? — pensa Anna.

— Estou aqui, o que quer falar? — Carina pergunta indo direto ao ponto.

— Quando nós estávamos no nosso primeiro encontro, eu recebi uma mensagem que dizia “eu sei o que você fez verão passado”. Eu entrei em pânico porque sabia que era sobre Alexia e eu.

— E porque você escondeu de mim.

Anna abaixa a cabeça envergonhada. — ...É.

— E o que isso tem a ver comigo agora? — Carina diz rispidamente.

— Eu descobri que foi Alexia que mandou a mensagem como um tipo de ameaça. Mas a questão não é essa. — Ela se aproxima de Carina. — Ter escondido tudo isso de você não foi ela, fui eu. Desculpa.

Carina sorri ao sentir a sinceridade do pedido de desculpas e naquele momento, toda a raiva vai embora. Ela trilha um caminho com seus dedos pelo rosto de Anna e fixa o seu olhar no dela. — Obrigada por me contar toda a verdade.

Anna sente o calor dos dedos dela em seu rosto e fecha os olhos em apreciação. — Eu nunca pensei que senti seu toque fosse tão bom.

— Tem mais de onde esse veio.

— Você me perdoa?

— Eu já perdoei você, mas falei sério quando disse que você precisa me mostrar que quer que esse relacionamento funcione.

Anna sorri travessa — Que tal um segundo encontro então?

— Eu adoraria.

As duas sorriem alegremente e Anna a puxa para um abraço forte como se o mundo dela estivesse ali dentro. E de certa forma, estava.

4 de Novembro de 2020 às 23:51 0 Denunciar Insira Seguir história
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Fim

Conheça o autor

Jaciana Suzy 25 anos, cristã, nordestina e formada em Psicologia.

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