I
– A CHEGADA –
A cidade mais próxima ficara para trás há pelo menos uma hora, desaparecendo ao longe, a mais de 96 quilômetros atrás, engolida pelas colinas e estradas de terra batida que se amontoavam no horizonte pelo pequeno e empoeirado espelho do retrovisor.
Apesar do ar-condicionado estar se esforçando admiravelmente, o carro continuava abafado como um forno. No painel, as saídas de ar emitiam um som continuo e alto, urrando loucamente em um esforço inútil. Para Camila, pareciam que explodiriam a qualquer momento, deixando-os a sós no meio do nada com a carcaça incandescente do carro brilhando sob o sol. Isso se eles sobrevivessem a explosão, é claro.
Ao seu lado esquerdo, ressonando com a cabeça apoiada em seu ombro, Daniela dormia. A amiga embarcara em uma viagem no expresso do sono nos dez primeiros minutos de viagem; continuara assim desde então.
Ótima companheira, pensou Camila, é sempre bom contar com você, amiga.
No banco da frente, André falou com uma voz ensaiada, sem retirar as mãos do volante – a estrada de terra era difícil, muitos buracos e relevos se escondiam por ali. E na noite anterior chovera muito, fazendo com que a estrada se transformasse em um longo rio marrom e pastoso:
— Ei, crianças, tá na hora de acordar! Chegamos na Disney! — Falou André em uma tosca imitação do que deveria ser a voz de um pai de família.
Sentada no meio dos bancos, Camila ajeitou-se – com o máximo de cuidado que poderia ter para não acordar Dani – e olhou pelo vidro do para-brisa: não havia castelo mágico algum, muito menos um Mickey Mouse acenando ao fundo, feliz por poder recebê-los em sua terra. A imagem, embora não tão animadora, era bonita e aconchegante. No fim da estrada, onde o caminho enrolava-se de repente em si mesmo como uma longa cobra adormecida, erguia-se uma solitária casa, onde passariam o resto do fim de semana juntos, provavelmente bebendo, jogando e se divertindo.
Ao lado do motorista – essa em um tom mais agudo. A mãe, provavelmente – Marcos respondeu André:
— Oh, amor! Não é incrível podermos proporcionar essa viagem para nossas filhas maravilhosas?! — Falou Marcos com uma risada, pousando teatralmente a mão sobre o braço de André.
— Há, há — respondeu Camila ironicamente, desencostando-se do banco e esticando as costas o máximo que podia naquele espaço apertado. Sem o apoio do ombro da amiga como travesseiro, a cabeça de Daniela afundou no vazio, fazendo-a acordar com um susto. Camila se virou para sua esquerda, onde, apoiada na janela, Leticia dormia o sono dos justos e a chacoalhou: — Ei, Bela Adormecida. Acorda. Chegamos.
A menina virou-se para ela com os olhos ainda cerrados de sono. Parecia perdida. Camila viu um fio de saliva seca brilhar sob o sol no canto da boca da garota:
— Que horas são? — Ela perguntou com a voz sonolenta, limpando a boca com as costas da mão.
André se curvou para olhar o relógio no painel do carro:
— Quatro da tarde. Cara, eu não aguento mais ficar nesse carro. Acho que vou pular na piscina direto. Vocês roncam, hein? Por um momento achei que a gente tava levando um trator no banco de trás.
Camila também não aguentava mais o carro. Passara as 4 horas da viagem imaginando que o veículo poderia tombar na estrada a qualquer momento, deslizar em algum barranco e matar todos eles. Durante todo o percurso ela foi esmagada pelas amigas que dormiam ao seu lado, sem poder mexer direito as pernas e derretendo de calor. Não sentia mais uma das pernas, que ficara apoiada o tempo todo em uma elevação no meio do chão do carro, até que começou a formigar como se borbulhasse e, de repente, ela não a sentia mais.
Sim, André, eu te entendo, mas acho que minha situação é um pouquinho pior que a sua. Estava mal humorada. Só queria sair logo dali e, quando respirasse o ar puro e pudesse se esticar um pouco, já estaria melhor. Com certeza estaria. À frente, a casa ficava cada vez maior, assomando-se lentamente sobre o para-brisa do carro.
Quando chegaram, André estacionou o velho Renault Sandero sujo de terra do pai em frente a um grande portão de madeira e saiu para abri-lo. Camila ficou observando enquanto ele retirava do bolso um molho de chaves e procurava entre elas a chave que os libertaria daquela fornalha que chamavam de carro. Em poucos minutos, André destrancou o portão, abriu as duas portas e começou a caminhar de volta para o carro.
Camila tirou os olhos do portão. Com o canto do olho direito, percebeu que Marcos estava olhando para ela do banco do passageiro da frente. Percebendo que ela o vira, desviou a cabeça e começou a mexer nos bolsos. Tirou algo de lá e perguntou para ela, apontando um pacotinho comprido em sua direção:
— Quer um Halls? — ele falou, já mastigando um.
— Não, valeu — ela respondeu, pensando na forma como vira pelo canto do olho Marcos encará-la.
Uma mão passou por cima de seu ombro esquerdo e agarrou o pacote da mão de Marcos.
— Eu quero — falou Dani, que estava afundada no banco, ainda parecendo querer dormir.
André abriu a porta do motorista e deslizou para dentro. Sorrindo orgulhoso, olhou para eles e perguntou:
— Prontos?
E acelerou, atravessando o arco que cercava o portão de madeira.
Obrigado pela leitura!
Capítulo tenso ! Me fez lembrar de um dos melhores livros de Stephen King, "Revival", já o leu ? Foi aquela parte do "Alguma coisa está vindo". Mano, se ainda não o leu, tenho ele em PDF (embora esteja disponível no LeLivros também). Trata-se de uma história incrível e que culmina na descoberta de coisa muito mais antigas que o mundo, bem do outro lado da cortina de nossa existência. Abraço !
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