A cada vez que limpava o suor de minha testa, novas manchas se faziam presentes em meu rosto. Tentava levar o corpo de meu irmão para longe de tudo e todos, mas ignorar o que estava acontecendo ao meu redor estava se tornando uma tarefa quase que impossível.
Rezo a Deus para que estejamos no lado certo.
Os fantasmas de meus antigos companheiros parecem vir me dar forças para me ajudar a deixar o já frio cadáver de Robert sob uma árvore e, fechando meus olhos em uma prece muda, me levanto e olho para atrás. O caminho que percorri minutos atrás estava completamente iluminado pelo fogo, o choro de crianças e grito de seus pais ecoavam... não tardaram a serem abafados por mais um eco de fuzilamento.
O sol novamente estava sendo coberto por aviões. Explosões aconteciam por toda parte. Eu pensava, incansavelmente, em minha esposa e filhos. Saber que agora estariam longe dessa cidade me trazia certa paz ao peito.
Não podia continuar parado, deixando meus pensamentos vagarem em dias claros se o hoje já não passa de um filtro sépia escuro.
Mirei o rosto cabisbaixo de Robert e seu corpo já quase inexistente... não, eu não quero isso para mais ninguém.
Deixei meu medo ali com ele, naquele terreno abandonado, e peguei o que restava de sua munição enquanto me despedia.
Corri o mais rápido que pude até a escola mais próxima. Sabia que estava sendo usada como esconderijo, mas não poderia imaginar que tantas pessoas estivessem abrigadas ali.
Os rostos assustados, carregados de medo e dor, se mantiveram imóveis quando finalmente adentrei o refeitório. O teto exibia velas acesas, iluminando os bancos e mesas que eram usados como camas de uma enfermaria.
Perdão, Capitão, mas é o certo.
— Meu nome é Yvan, Sargento Yvan Fons. — Aproveitei que tinha toda a atenção para me apresentar. — Conheço uma saída segura, pelo subterrâneo. Quero ajudar vocês, por favor, me deixem tirar vocês daqui!
Não havia uma opção melhor e ninguém tinha algum plano, sequer faziam ideia do que poderia acontecer se as tropas inimigas chegassem. Estão por toda parte, vasculhando tudo, não irá demorar muito para que cheguem.
— Por favor... — Minhas pernas cederam ao cansaço, fazendo-me ficar de joelhos no chão. — Eu não quero que sintam a mesma coisa...
Então elas vieram.
Memórias de meu primeiro dia na guerra.
Homens lutando, lado a lado, por algo que acreditavam ser o certo. A sensação de tirar uma vida pela primeira vez me trouxe apenas o nojo que senti naquele mesmo dia. Quando encontramos o líder de um batalhão, o vimos torturar um de nossos amigos por informações... a sala estava bem iluminada, o branco do chão e paredes recebia marcas de sangue a cada vez que ele limpava um de seus instrumentos no ar...
Balancei a cabeça e abri os olhos.
Estava preso. Na mesma sala cuja lembrança havia me levado, mas dessa vez... não, não poderia ser apenas um devaneio!
A dor que senti, o grito ao ter uma de minhas unhas arrancada para fora de meu dedo com um alicate... era real.
— Finalmente acordou, Herr Fons. Me questionava sobre seu sonho. Etwas Schönes? Vielleicht deine Frau?
— Fick dich nazi. — Cuspi, acertando seu rosto.
A irritação com minha resposta foi tão visível que sequer pôde se conter e me acertou com um forte soco no rosto. Ri com sua reação, mas logo me arrependi de tê-lo feito.
Seu avental de plástico moveu-se no ar rapidamente enquanto suas mãos buscavam por algo na mesa prateada ao lado. Após ter encontrado, voltou sua atenção a mim e se aproximou. Seu rosto estava tão perto que ser nariz tocava o meu.
— Jetzt wrist du lernen, mich nicht auszulachen.
Sua fala carregava um tom sério e ameaçador. Assim que terminou segurou a lateral de meu rosto com força, forçando-me a abrir a boca e com sua mão livre exibiu suas novas ferramentas. Um alicate de pressão em tamanho grande, algo como uma fina estaca de metal e um potinho com pequenos insetos.
Com o alicate retirou um de meus dentes... aquela estaca foi inserida no buraco que ficou em minha boca e o pote com os insetos foi aberto.
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