— O sinal para o descanso é ativado, todos nos dirigimos a nossos postos, entramos em nossas cápsulas resistentes e nos preparamos para um novo dia. A rotina é a mesma para todos menos para mim, ela é entediante, cansativa, tenho sempre essa sensação estranha de que não deveria estar aqui, vivendo esta vida '' certinha'' demais, preparando o meu corpo para depois sacrificá-lo a um humano qualquer, embora eu exista por causa deles cansei de suas regras inúteis! Cansei de servi-los! Eu sei que sou um clone, que não fui concebido pelo milagre da vida da mesma forma que eles foram, mas isso não me impede de querer ter o meu próprio futuro, ter uma família, um lar e se possível envelhecer... E é por isso que tenho um plano: Fugir deste lugar.
— 439 AB, ainda está ativo?
— Desculpe Connor.
Fecho meu laptop e sigo para a minha capsula.
Doutor Connor me olha intrigado, eu sempre soube que ele é um humano inteligente, desde o momento que descobri que ele é o meu criador e também da maioria dos outros clones existentes na Nextel: o lugar onde vivemos nossas vidinhas padronizadas até que algum humano morra para que possamos ser mandados ao quarto ou mais claramente: a sala cirúrgica aonde nos preparam para retirar nossos órgãos.
— 439 AB, ainda está ai?
— Sim, só estava...
— Pensando. Ele me interrompe.
Quando Connor caminha em minha direção sinto a adrenalina disparar em meu corpo.
Ele descobriu, penso.
— Isso é meio que humano não acha?
— Desculpe senhor.
— Não precisa desculpar-se. Ele dá uns tapinhas em minha costa.
— Só espero que isso não se repita, afinal você é um dos nossos mais raros, um espécime bastante difícil de ser produzido...Não seria bom perdê-lo.
Eu confirmo e em seguida entro em minha capsula aliviado. Com sorte ele não desconfiou de nada, agora apenas alguns passos me separam do mundo humano.
***
O dia surge, o alarme soa novamente, eu me levanto, tomo meu banho rotineiro, demoro um tempo me olhando no espelho: meus olhos são azuis claros, meus cabelos castanhos, minha pele clara, parece perfeita. Observo meus braços, 8 horas de exercícios diários, são fortes e musculosos. Se eu fosse um humano diria que sou um homem de sorte mas no meu caso a qualquer momento toda essa'' espécime '' como Connor costuma chamar pode estar a sete palmos debaixo da terra. Se é que eles nos enterram.
Ao sair para a rotina encontro 221O me esperando, tento ignorá-lo.
— Ei cara, a comida vai ser ótima hoje! Soube que aumentaram os carboidratos...
— Não estou com fome.
Digo ríspido.
— Certo, mas ontem você não apareceu na seção de exercícios, você não perde uma, qual é o problema? O que está acontecendo?
221O é o tipo de clone mais intuitivo que conheço, fomos criados no mesmo dia então ele meio que acha que somos quase como irmãos.
— Não é nada.
— OK, pelo que eu te conheço, diria que estar agindo como um humano, e por falar nisso você soube que os índices de entrada caíram?
— E você acha isso péssimo?
Ele me olha como se eu tivesse feito a pergunta mais estúpida do mundo.
— Claro que sim, fomos criados com o propósito de salvá-los mas se não há humanos para salvar então qual o propósito?
Eu sabia que ele não fazia ideia do que estava falando. Ele não se sentia como eu me sentia, ninguém ali se sentia, ainda assim arrisco.
— E se pudéssemos ser livres, ter nossas próprias vidas assim como os humanos possuem?
Ele me olha sério, antes de dizer algo o som do alarme corta o silêncio.
—Por favor, todos os clones dirigir-se ao salão principal.
—Porfavor ,todos os clones dirigir-se ao salão principal''
Connor passa apressado por nós, uma enfermeira o barra.
— Doutor Connor o que houve?
— Trauma abdominal, sala três, prepare os clones.
Sinto meu coração disparar, eu sabia qual seria sua próxima pergunta e se dependesse da resposta todo meu plano de fuga poderia vir por água abaixo.
— Senhor, o tipo sanguíneo?
Connor olha estático para os clones que começam a se enfileirar na sala.
— O positivo.
Uma onda de alívio percorre meu corpo só que por pouco tempo, quando me dou conta de que 221O é O.
A voz no interfone soa novamente.
— Todos os clones identificados como O positivo, por favor dirigir-se a sala três para o início dos procedimentos o restantes estão dispensados.
Seguro o braço de 221O antes que ele possa se mover.
— Qual o problema cara?
— Você não precisa ir agora, têm muitos outros O.
— O que há de errado com você? Acaso não parou de tomar os remédios parou?
Olho para Connor, ele me observa de longe, desconfiado. Salto os braços de 221O lentamente.
— Foi bom conhecê-lo irmão.
Ele diz com um sorriso nos lábios antes de seguir para a sala três.
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