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Após uma terrível tragédia na casa dos Blackwater, no século XIX, a propriedade ganhou uma má fama. Obcecada com a história por trás de tal reputação após receber o diário da antiga governanta da residência, Beatriz, uma bibliotecária aspirante a escritora, viaja para o interior do Rio de Janeiro a fim de desvendar os mistérios que cercam a infame Casa das Rosas. Ela só não espera que a verdade tenha a cor de sangue. "A morte também dorme nestes quartos."


Suspense/Mistério Impróprio para crianças menores de 13 anos.

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Prólogo - Rosas são vermelhas

São Tomé das Letras, 13 de agosto de 2020.


Minha sobrinha,

Escrevo a você porque sei que não vai parar de me fazer perguntas sobre o que aconteceu na Casa das Rosas. Sei disso porque já tive a sua idade e tudo o que me era desconhecido despertava-me a curiosidade. Entretanto, gostaria muito de manter os episódios que aconteceram naquela propriedade em segredo, pois, como corpos em decomposição, é melhor que os deixemos apodrecer sob sete palmos até que sejam esquecidos e apagados da existência.

Mas eu sei também que, enquanto eu não lhe contar algo, seus questionamentos persistirão, então relatarei um dos casos mais estranhos que vivi (e também o primeiro) na Casa das Rosas durante o tempo em que estive lá, para que saiba que não são apenas lendas as histórias que contam sobre aquele lugar.

Como bem sabe, querida Beatriz, trabalhei por 20 anos na propriedade como cuidadora do Lorde Blackwater. Ele era um senhor de setenta anos que parecia mais velho do que realmente era e não podia mais andar, devido a um acidente que sofrera anos antes. Mas ele falava, e falava demais para um homem inglês com português enrolado. Naquele tempo, seus assuntos eram, em grande parte, confusos para mim, relatos de situações que ele vivera ou presenciara. Hoje eu saberia diferenciar muitos deles como histórias passadas de geração em geração em sua família e casos que realmente aconteceram naquela casa.

Pela minha natureza introvertida, não sofria tanto vivendo sozinha com ele, mesmo tendo apenas vinte e poucos anos. Achava cansativo tentar compreender e situar no tempo e espaço as coisas que ele dizia, então quando não precisava lhe fazer companhia, eu sempre achava uma forma de me distrair, fosse escondendo o nariz em algum dos milhares de livros da biblioteca, fosse circulando pelo infinito jardim de rosas vermelhas ao norte da propriedade. Eu tinha toda a liberdade de fazer o que quisesse lá dentro desde que cumprisse três condições inegociáveis:

1- Dar toda e completa assistência requerida pelo Lorde Blackwater e à casa;

2- Não ir à ala leste;

3- E não sair do quarto após a décima-segunda badalada da meia-noite.

Sim, eu sei, é estranhíssima a precisão desta última regra, mas na época eu estava tão feliz com o tamanho do salário que nem me importei. Só queria finalizar o contrato e ir embora o mais rápido que pudesse para fora do país, onde eu acreditava estar o meu futuro. Tolo engano meu. Mas isso é uma conversa para outra hora.

Nas minhas duas primeiras semanas, tudo ocorreu bem. Eu seguia tudo aquilo que havia sido combinado, não de livre e espontânea vontade, mas porque ficava exausta de andar naquela mansão: perdia-me constantemente. No início, a robusta porta trancada que levava à ala leste era meu ponto de referência, mas até ela sumia de vista muitas das vezes, não sei se por um péssimo senso de direção ou porque às vezes aquele lugar me parecia maior do que ele realmente era.

Entretanto, no início da minha terceira semana na Casa das Rosas, a noite foi de tempestade. Os trovões iluminavam os meus aposentos através das cortinas fechadas e logo em seguida rugiam como leões. Como sua mãe, querida Beatriz, eu temia as tempestades e, não raramente, quando menina, ao amanhecer era encontrada adormecida dentro do armário. Mas naquela noite, eu era uma jovem mulher, responsável por um cadeirante idoso e uma mansão gigante. Não podia me acovardar. Por isso, acendi o abajur ao lado da cabeceira e me levantei.

Descalça, atravessei o quarto e procurei pela lanterna que eu guardava dentro de uma das gavetas da minha cômoda; nem toda a casa tinha eletricidade devido a sua idade e tamanho. Peguei a lanterna e saí porta a fora, tentando compreender os corredores em que me enfiava. Queria saber se o Lorde Blackwater estava bem.

Após virar em alguns corredores, reparei que minha ideia tinha tudo menos coerência, pois na maior parte do tempo não fazia a mínima ideia de onde estava sob a luz do dia. Não seria diferente com o limitado facho de luz de uma lanterna. Entretanto, ao seguir meu caminho às escuras, reconheci um dos meus pontos de referência: a porta da ala leste. Mas ela não estava trancada como sempre. Muito pelo contrário, estava escancarada. Eu era curiosa, devo admitir, como você o é hoje, minha sobrinha, curiosa demais para o próprio bem. E o primeiro badalar que ressoou do relógio antigo ali na entrada, bem próximo à porta, não foi o suficiente para me fazer virar as costas e ir embora.

Confusa, tentei imaginar o porquê daquela porta estar aberta. Algum funcionário da limpeza havia esquecido de trancá-la? Não, ninguém entrava ali nem para varrer. Um ladrão? Era uma opção plausível, mas como e por que teria entrado na única porta fechada da mansão? O Lorde Blackwater tampouco poderia ser. Ele não teria quebrado as próprias regras, teria?

Apenas no décimo-segundo badalar, que chegou acompanhado de um trovão e um forte clarão, eu me recompus e estiquei a mão para fechar a porta da ala leste, convencida de que ninguém poderia estar ali. Mas, para me contradizer, uma luz calorosa se acendeu em um dos corredores à frente e uma música suave chegou até mim, indicando a presença de uma orquestra. Confusa, chamei pelo Lorde Blackwater, crente que, se realmente alguém estivesse lá, esse alguém teria de ser ele, afinal, quem mais poderia ser?

Sem resposta para meu insistente chamado, indaguei-me se deveria adentrar aquela porta. Era uma das três condições que eu não poderia infringir, porém até ali já havia quebrado uma tentando cumprir a mais importante delas: cuidar do Lorde Blackwater. Hesitante, fui até o corredor com a lanterna na mão e chamei por ele outra vez. Espiei, ao final do longo corredor, uma porta de folha dupla recostada pela qual a luz alaranjada passava. A abri devagar e me deparei com uma linda festa. Sim, isso mesmo, querida Beatriz. Imagine minha surpresa naquela hora: não era uma surpresa de choque, nem de medo ou confusão. Diante de minha visão, eu estava inexplicavelmente… deleitada.

Ao menos trinta homens e mulheres valsavam ao som da orquestra num enorme salão iluminado pelas velas dos lustres que pairavam sobre suas cabeças e ornamentado com vasos de luxuosas rosas vermelhas. Suas roupas eram de outra época, feitas de seda, cetim, veludo, vermelhas, roxas, pretas, azuis... E luziam estranhamente.

De súbito, todos pararam e viraram-se para olhar em minha direção. Um rapaz de cabelos escuros, e cujas expressões lhe evidenciavam a beleza, surgiu de entre todas as pessoas e veio até mim, abrindo as portas e me oferecendo a mão enluvada.

— Finalmente você chegou — recordo-me dele dizer com uma voz suave e ecoante, assim como recordo-me claramente de seu sorriso amável.

Os anos afetaram muitas das minhas memórias, tenho consciência disso, mas eu me lembro claramente de em um momento estar parada na porta do salão, admirada, e de em outro valsar por horas ao som de uma música harmoniosa, rodopiando em meu lindo vestido carmesim, olhando para aquele rapaz tão belo que me encarava, olhos nos olhos. Então a música acabou para ser substituída por outra e paramos ao lado de um vaso de rosas vermelhas, de onde ele tirou uma enorme flor e ergueu-a para prendê-la em meus cabelos.

— O vermelho vos cai tão bem — ele elogiou, as palavras escorrendo de seus lábios de mel. — É, com certeza, a minha cor favorita.

Eu estava hipnotizada. Algo naquele rapaz me fazia sentir uma espécie de familiaridade perturbadora que eu não conseguia explicar. E acho que foi nesse instante em que minha mente juvenil e excitada saiu daquela névoa brilhante de êxtase. E quando o fez, Beatriz, não sei bem explicar bem o que se sucedeu… A luz desapareceu, o calor foi substituído por um frio de gelar os ossos e a música acabou, um trovão tomando o lugar dela, como um pesadelo tomando o lugar de um sonho. O salão já não era mais acolhedor, era apavorante, sujo e deteriorado pelas décadas, talvez séculos, assim como as pessoas que ali estavam: espectros de outro tempo, caveiras macabras cujas faces refletiam a morte.

O rosto do rapaz que me embalara instantes antes não era mais belo, era aterrorizante, uma caveira mórbida, apodrecida. Eu gritei, me desvencilhei de seu toque gélido e sinistro e corri para fora do salão, fugindo da ala leste da mansão e para a segurança do meu quarto. Não sei como o encontrei sem a lanterna, mas sei que fui dormir com a incômoda sensação de mãos acariciando meus cabelos.

Na manhã seguinte, amada Beatriz, ao acordar em minha cama, lhe juro que pensei com profundo alívio que tudo não passou de um pesadelo terrível, pois meus cabelos não sustentavam nenhuma rosa vermelha, tampouco eu usava um vestido carmesim, apenas portava uma camisola de algodão. Mas, durante à tarde, quando deixei o Lorde Blackwater sozinho para desfrutar de sua sesta e me enfurnei na biblioteca, quase tive um mal súbito. Compreendi o porque havia achado o rapaz — a coisa — dos meus sonhos familiar: eu olhava para seu rosto quase todos os dias. Em uma das paredes da biblioteca estava lá ele em um quadro pintado à óleo, observando-me com um sorriso discreto e olhos penetrantes de outro século.

“Foi um sonho”, eu havia dito a mim mesma naquela hora, porém, perdida na mão do belo rapaz se encontrava, ligeiramente despedaçada, uma enorme rosa vermelha como a que ele havia tentando pôr em meus cabelos durante o baile, e cujas pétalas soltas e aveludadas se encontravam não desaparecidas na pintura perante a limitante captura de imagem, mas ao chão de madeira da própria biblioteca. Elas me provavam que eu estava errada: não fora só um sonho. Nada que acontecesse de estranho naquela casa o foi ou haveria de ser.

O que acabei de lhe contar não é nada mais do que um pequeno exemplo do que afirmo. Por isso, querida sobrinha, deixe o nome e as histórias sobre a Casa das Rosas morrerem e serem enterrados com as pessoas que lá nasceram, cresceram e partiram. É um favor que faz a mim, a si própria e às pessoas que lhe querem bem.

Cuide-se,

Sua tia Laura.



Olá, pessoal! Essa é a primeira história que posto aqui no Inkspired! Eu a postei no Wattpad também, mas sei que o público leitor de lá é diferente do público leitor daqui. Estou curiosa para saber a opinião de quem frequenta o Ink. Espero que tenham gostado desse prólogo. Por favor, não deixem de me dar feedback para saber como melhorar ou direcionar a história. Muito obrigada por lerem!
14 de Maio de 2020 às 14:05 3 Denunciar Insira Seguir história
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Leia o próximo capítulo Capítulo 1 - Feliz aniversário

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Maria Franciele Maria Franciele
Parabéns, o prólogo ficou impecável!
October 07, 2021, 00:11
Evanora Caligari Evanora Caligari
Que bom encontrar a sua história! Sou apaixonada por temas que envolvem casas mal-assombradas, e a sua ainda se passa no Rio ♥ Acompanhando =)
November 30, 2020, 14:12
Amanda Luna De Carvalho Amanda Luna De Carvalho
Olá, tudo bem? Faço parte do Sistema de Verificação e venho lhe parabenizar pela Verificação da sua história. Primeiro de tudo, confesso que sua história é deveras interessante e me senti dentro do ambiente que está sendo passado. Os sentimentos lúgubres e de saudades parecem estar impregnados em suas velhas paredes. Eu adoro rosas de todos os tipos. Amo rosas brancas, lilases e vermelhas, além de toda variedade de cores infinitas. A coerência está simplesmente excelente. A estrutura está primorosa e pude entender bem o recado que a história quer passar, com seus fantasmas e impressões tão particulares do que vivenciaram. E sim, adoro histórias espirituais nesse sentido. Aliás, tenho diversos livros escritos com essa temática. Quanto aos personagens, são simplesmente adoráveis. O mistério que ronda a história é fascinante mesmo e todas as situações estranhas me fizeram querer descobrir bem mais do que poderia parecer em cada linha lida. Fiquei bem surpresa de ver aquela cena testemunhada pela personagem mencionada do primeiro capítulo com aquele baile tão movimentado e lindo. Consigo imaginar até as roupas de época usadas pelas pessoas no salão de bailes. O medo sentido por aquela moça em ver todos se tornarem em caveiras frias e horrendas, daria susto em qualquer pessoa que estivesse vivenciando algo como aquilo no meio da madrugada. Qual não seria sua surpresa na manhã seguinte quando notou de onde achou que conhecia de algum lugar o homem que lhe tirou para dançar: De um quadro que olhava todos os dias na biblioteca. A gramática está impecável e devo lhe dar as congratulações por isso realmente. E seu intuito de querer mostrar o suspense que a história apresenta está bem detalhado e senti isso em todos os capítulos escritos. Continue escrevendo histórias assim porque sua obra está escrita divinamente e quase mergulhei dentro daquele local peculiar de sonhos e passados. Até mais!
May 16, 2020, 02:06
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