Blog do Escritor Seguir blog

blog Jackie Inkspired Blogger Era uma vez... mas nem toda história começa assim. Lá estava ele: o computador, aberto no tear de vidas. E a personagem. Estava tudo certo, mas, então, ela viu o autor. Curiosa, seu dedo quase o alcançou, e a roda do tear girou. Foi assim que as coisas se tornaram tênues: um toque e tudo daria errado, outro diferente e daria muito certo! A Bela Adormecida representa a fragilidade dos elementos construtivos da história. Uma história não vem pronta, ela é construída com enredo, sinopse, capítulos... O tear representa essa construção, enquanto que a agulha é o perigo de tudo desandar com sua Bela Adormecida. Nós queremos, neste blog, mostrar a vocês dicas para que consigam tear histórias cada vez mais harmônicas.

#tecendo-historias #construçao-de-historia #sinopse #conteudo #narrativa #embaixadaBrasil
Doar para este autor
AA Compartilhar

Ambientação

Olá, pessoas! Tudo certo?


Antes de qualquer coisa, você sabe o que é ambientação?


Aí você diz: “Ah, Karimy, essa é fácil! Ambientação é onde a história se passa!”


Estou rindo! Sério! Mas você está bem próximo da resposta, então, pode ficar relaxado! A ambientação não é apenas sobre o lugar físico onde sua história se passa; ambientar uma história envolve mais do que apenas geografia, é também sobre costumes, religião, política, biologia e tudo o que envolve uma sociedade e mundo.

Não se desespere. Não é tão complicado como parece! Mas devo lembrá-lo de que muitos escritores (profissionais inclusive), se prendem tanto ao mundo geográfico de sua história que acabam se esquecendo de que política, religião e outros aspectos também são de extrema importância, além de influenciarem muito os personagens.


Como?


Pense no seguinte: seu personagem é um religioso que evita intrigas, talvez pelo fato de a religião dele ser mais pacífica ou até pela visão dele quanto à sua crença, e, politicamente falando, socialista. Ele nasceu em um lar assim, porém em um país capitalista. Imagine que beleza! Se ele é um religioso pacifista, logo existem coisas que ele não aprova, como atitudes morais, e sempre procurará se afastar dessas tais atitudes; se ele é um socialista, enxerga a divisão capitalista como injusta e tem vários julgamentos com relação a isso, mas, não se esqueça, ele ainda é muito religioso e conservador. Sendo assim, por mais desconfortável que ele se sinta por conta da política governamental capitalista, ele tenta não ser inconveniente em relação ao pensamento de quem não é socialista como ele, porque seu personagem é moral, ele quer ser aceito no reino dos céus, ele quer igualdade. Então, aí está uma pequenina prova do quão importante a ambientação pode ser: ela será o molde principal para o pensamento do seu personagem. Agora, digamos que o seu personagem tenha nascido em uma família socialista e que seja ateu. Acha mesmo que ele pensará da mesma maneira? Óbvio que não!


Então, não se esqueça: a ambientação vai muito além da questão geográfica e ela pode deixar sua história muito mais interessante. Principalmente se seu personagem nasceu em uma seita muito louca, mas cresceu em um mundo com ideias completamente diferentes da religião dele. Imagine que conflito psicológico não sairia daí?!


Perceba: cenário não é ambientação. O cenário está ligado às informações visuais da sua história, enquanto que a ambientação capta elementos além dessa percepção. Se sua história é curta, apenas o cenário poderá ser o suficiente para suprir as necessidades narrativas; se sua história for longa, com mais de três capítulos, uma ambientação bem elaborada fará toda a diferença na experiência do leitor.


A ambientação é capaz de dar credibilidade a histórias que se passam em mundos completamente diferentes do nosso. Veja, como exemplo, “O Hobbit” e “O Senhor dos anéis”. Ao ler esses livros você não vê apenas a geografia, como também toda a cultura que envolve os personagens. Inclusive, o nosso querido Bilbo fica apreensivo na hora de tomar várias atitudes justamente por conta da criação que ele teve, da visão de mundo dele. Como outro exemplo, veja “As crônicas de gelo e fogo”; esse livro também se passa em um mundo muito diferente do nosso, mas toda a ambientação é capaz de nos colocar dentro dele, de nos fazer crer que aquilo tudo realmente aconteceu, que dragões existem, que gigantes não são lendas, que uma pessoa morrerá e se levantará para ir atrás de você. Isso só é possível porque compreendemos o modo de pensar dos personagens, porque a história está muito bem ambientada. O negócio aqui é ter tato para não deixar sua história maçante. Exageros devem ser cortados.


Para quem gosta de escrever ficção científica e/ou histórias medievais, é muito comum o desejo de criar um mundo novo, do zero. É algo complicado de se fazer, posso dizer por experiência própria. Quando resolvi que escreveria “A era dos Talamaurs”, que é uma fanfiction de Naruto, mas que se passa no nosso mundo depois de um cataclismo global que devastou quase toda a humanidade, mudou a geografia do mundo inteiro e ainda varreu a maioria das bases de crenças existentes, além de ter inserido quatro novas espécies pensantes na história, tive um trabalho imenso. Precisei recriar todo o mapa-múndi, literalmente, readaptar as espécies de animais na nova geografia da Terra, modificar as religiões, modo de pensar, política, criar novos passados para os personagens e muitas outras coisas. Isso me rendeu dois meses de intensas pesquisas antes de começar a história, além de mais seis meses de estudo enquanto a desenvolvia. Foi um grande trabalhão! Mas o mais interessante de arregaçar as mangas e ter feito tudo isso, foi perceber que a história se tornou tão possível na mente dos leitores que recebi muitas mensagens de pessoas dizendo que acreditavam em coisas que estavam escritas ali, na história. Por quê? Porque a ambientação permitiu isso, a verossimilhança dos acontecimentos e do novo mundo criado a partir de outro já existente deu base para isso.


Lembre-se: verossimilhança é a verdade possível, é a harmonia entre os fatos que faz com que sua história se torne verídica na mente do leitor.


Observe este trecho tirado da história:


“O bispo Hidan, que era a escolha mais provável para o papado, agora que o titular do cargo estava preso, conversava com seu fiel amigo e padre Kakuzu. O primeiro era alto, forte, com cabelos de comprimento médio, grisalhos e penteados para trás. Era um homem charmoso, possuidor de uma persuasão quase que arrebatadora. Temari costumava a pensar, quando mais nova, que as freiras escolhiam se confessar com ele por puro interesse sexual...”

– A era dos Talamaurs


Descontextualizado, esse parágrafo parece sem nexo. Perceba bem, Hidan é um bispo católico, mas as freiras o escolhiam para confessar seus pecados por puro interesse sexual. Como isso é possível se ele é um religioso que jurou celibato? Aí é que está! Inúmeras coisas mudaram no mundo depois do cataclismo, já estavam, inclusive, passando por mudanças antes mesmo da tragédia que acometeu a Terra. Mas isso não saiu do nada. Antigamente, não existia voto celibatário. O papa São Pedro e outros seis papas foram casados. O celibato só foi imposto em 1073 por Gregório VII, depois de dez séculos de uma vida cristã que admitia união matrimonial.


Você pode fazer tudo na sua história, mas será sua ambientação que tornará aquilo que você fez plausível ou não. Quanto mais complexa sua história for, mais atenção deverá dar ao ambiente dela. Dê motivos ao seu leitor para querer viver no seu mundo, mostre para ele por que um personagem pensa de certa forma, e o motivo do outro que está do lado deste pensar completamente diferente. Não basta apenas pensar que seres humanos são complexos e que cada um tem uma forma de enxergar as situações, mostrar o motivo de seu personagem acreditar ou não em certas coisas é fundamental para que seu leitor entenda mais sobre o mundo que você criou.


Vamos a outro exemplo para que tudo fique mais claro para você. Em Madame Bovary, de Gustave Flaubert, Emma é uma mulher forte, mas também cheia de defeitos. No começo da história você quase não a vê, em vez disso a visão dos acontecimentos é mostrada através do querido Charles, inclusive a conquista, o casamento e o jeito meigo e vergonhoso que retrata Emma como uma mulher tímida, amável, perfeita. Depois disso, começamos a ver o ponto de vista da Emma, primeiro de uma forma mais distante, e descobrimos que ela é uma ávida leitora de romances que vivia a suspirar por causa dos acontecimentos e sempre fantasiava com as inúmeras aventuras dos personagens dos livros que já leu. Quando se casa, porém, ela começa a se sentir… digamos, entediada. Isso porque ela vê que toda aquela forma gloriosa de amor se dissipou depois que a conquista ficou no passado, só que, depois de ir a uma festa com seu marido, todas aquelas esperanças e sonhos voltaram para ela. Veja um trecho e depois voltaremos a falar sobre o assunto:


“Assinou a La Corbeille, revista feminina, e Le Sylphe des Salons. Devorava, sem perder nada, todas as notícias das primeiras representações, das corridas e das recepções, interessando-se pela estreia de uma cantora, pela abertura de uma loja. Conhecia as modas novas, os endereços dos bons costureiros, os dias de Bosque ou de ópera. Estudou, em Eugène Sue, descrições de mobiliário, leu Balzac e George Sand, procurando neles uma maneira de saciar imaginariamente os seus apetites pessoais. Até para a mesa levava o seu livro e ia voltando as páginas enquanto Charles comia e falava com ela. A lembrança do Visconde reaparecia sempre nas suas leituras. Estabelecia comparações entre ele e as personagens inventadas.

Mas o círculo cujo centro era ele foi-se alargando pouco a pouco à sua volta e aquela auréola que ele tinha, afastando-se da sua pessoa, estendeu-se para mais longe, iluminando outros sonhos.”

– Madame Bovary, p. 58-59


Talvez você ainda não tenha conseguido entender como é que a ambientação entra aqui, mas vou lhe mostrar: Emma Bovary foi educada por freiras em um convento. Como uma boa estudante religiosa, ela sabia bem que o adultério era pecado, só que a vontade de viver coisas diferentes, de sentir, de viver amores extraordinários como os mostrados nos livros era tão grande que levou toda a crença dela para um cantinho escuro de si. Afinal, como algo tão lindo e arrebatador como uma paixão pode ser pecado? Mas isso não aconteceu do nada! Você pode observar que Emma tentou afastar esses pensamentos dela: assinou uma revista feminina, leu sobre modas, passeios, óperas, arquitetura, então ela leu Balzac. Acredito, levando a época em conta, que ela deve ter lido “A mulher de trinta anos”, que é uma leitura que retrata uma mulher forte, uma triste heroína com um casamento fracassado (lembra alguém?), tanto que Balzac é considerado o precursor do feminismo. Como se isso já não fosse suficiente, Emma, tentando mandar o tédio para longe, leu romances de George Sand. Para quem não sabe, George Sand era, na verdade, Amandine Aurore Lucile Dupin, uma mulher, baronesa de Dudevant, considerada a maior escritora francesa, mas que tinha de usar nome de homem para poder ser aceita no meio literário. Com tudo isso, Emma, em vez de cumprir seu objetivo de manter a mente ocupada e longe de qualquer pensamento que ofendesse seu marido, começou a embarcar em suas fantasias outra vez, só que agora de um jeito mais forte, misturando realidade com invenção, até porque ela já estava “craque” na arte de inventar histórias para si mesma. Isso tudo pode ser observado em apenas dois parágrafos pequenos, maravilhoso, não é?


Quando seu personagem se apaixona por aquele outro, ele não precisa se apaixonar por esbarrar com ele, deixar os livros caírem e manter um contato visual de dar choque no corpo todo! Seu personagem pode ser apaixonar por aquele outro simplesmente por causa das crenças que tem, por conta de sua visão de mundo. Até mesmo o gosto musical do personagem está atrelado ao ambiente em que ele vive. Às vezes, aquilo que é feio para você pode ser lindo para outra pessoa. E isso pode ser apresentado através de uma ambientação bem-construída.


Esses são casos em que um autor cria o mundo onde sua história se passa, mas e quando o autor quer escrever sobre um mundo que já existe? Precisa de ambientação? Sim. Com certeza!


Mesmo que sua história seja um romance que se passe no nosso mundo, isso não é razão suficiente para que você abra mão da ambientação e apenas descreva o cenário. Lembre-se de que temos culturas muito variadas no nosso mundo e de que, mesmo dentro de um país, a diferença de crença, religião, estilo de vida e até mesmo os animais do lugar podem ser completamente divergentes de um local a outro.


Por exemplo, quem vai a Salvador, capital da nossa linda Bahia, vê um lugar tecnológico, com carros para todos os lados, ruas calçadas (ao menos nos centros principais), casas elegantes, lojas com fachadas lindas, shoppings, enfim... Mas, agora, vamos mudar de cenário. Mas não mudemos tanto! Vamos para Teixeira de Freitas. Conhece? Ao passear por Teixeira de Freitas, interior da Bahia, você notará uma coisa muito importante: as pessoas perceberão que você não mora lá. Por quê? Porque agora você está em uma cidade pequena, onde a maioria dos habitantes conhecem um ao outro ao menos de ouvir falar. Existem, é claro, aquelas pessoas que são menos conhecidas, aquelas que moram ainda mais distantes ou que simplesmente não são tão sociáveis, ainda assim elas não passam despercebidas, principalmente se alguém quiser descobrir mais sobre elas. Aí, meu amigo, existe uma grande possibilidade de Teixeira inteira ficar sabendo sobre coisas que Fulano fez, mesmo que ele não conte a ninguém!


Também existe outra questão: em Salvador, você encontrará pessoas com nomes de todos os tipos, em Teixeira de Freitas também, mas, mesmo Salvador sendo maior, a probabilidade de você esbarrar em uma “Maria” é muito maior em Teixeira de Freitas do que na capital, isso porque você percebe que algumas crenças são mais enraizadas em Teixeira do que em Salvador. Além disso, é muito fácil você encontrar um burro puxando uma carroça nas ruas de Teixeira também.


Então, é muito importante que você conheça o lugar que sua história se passa, porque toda informação vale, tudo é importante. Viu como as coisas mudaram dentro de um mesmo Estado? Imagine, então, a diferença de um país para outro! Na Alemanha, por exemplo, as mulheres começam a ter filhos por volta dos 30 anos de idade, normalmente. É muito difícil ver uma jovem adulta grávida; uma adolescente, então, é mais difícil ainda. Quando isso acontece, as pessoas se aproximam para saber se ela é babá da criança, se ela foi vítima de abuso, ficam olhando torto, enfim… é diferente!


Não estou dizendo que você deve parar de ambientar suas história, sei lá, nos Estados Unidos ou na Inglaterra, o que quero te mostrar é que quanto melhor você conhecer o local onde sua história se passará, mais verídico o seu personagem se tornará, mais verdadeira a sua história será.


Ah, Karimy, mas as pessoas gostam de histórias que se passam em países estrangeiros!


Será mesmo?


Vamos analisar um caso para ver se isso é realmente verdade. Um caso apenas, porque eu, sinceramente, não acredito que precisemos de mais para contextualizar o que foi dito.


Você conhece os livros da trilogia “Os filhos do Éden” e o livro “A batalha do Apocalipse”? Não? Precisa conhecer! São fantásticos! Esses livros foram escritos por um autor brasileiro chamado Eduardo Spohr e em apenas três semanas do lançamento de “A batalha do apocalipse”, ele já era considerado o oitavo livro de ficção mais vendido, de acordo com “Prosa e Verso” d’O Globo do dia 24/07/2010, e continua fazendo sucesso ainda hoje!


No livro “Filhos do Éden — Herdeiros de Atlântida”, o prólogo já começa gloriosamente assim:


“Interior do Brasil, dias atuais”

Filhos do Éden — Herdeiros de Atlântida, p. 16


Talvez você esteja aí pensando: Cara, li essa trilogia, mas a ambientação não é feita apenas no Brasil.


Você tem razão, mas já ouviu o que o autor do livro fala sobre isso? Ao tratar sobre “Os três níveis de pesquisa Literária”, Eduardo Spohr diz fazer uma pesquisa na internet, depois passar para um nível mais profundo, assistindo documentários, lendo livros sobre aquele ambiente sobre o qual quer escrever e, depois, pesquisar In Loco. In Loco é uma expressão em Latim que significa local, ou seja, no terceiro nível de pesquisa, ele diz ir aos locais, mas também deixa claro que isso nem sempre pode ser feito, mas quando realizado faz muita diferença. Inclusive, ele conta que, quando estava escrevendo “Filhos do Éden — Anjos da morte”, viajou pela Europa e foi em uma espécie de bunker. Ele diz ter ficado surpreso ao descobrir que o lugar era frio, mesmo estando calor do lado de fora.


Entende agora como conhecer o local onde sua história se passa é importante para sua ambientação? Se você sabe sobre o local que está escrevendo, como é, a cultura, as crenças, como as pessoas falam e costumam agir, é muito mais fácil passar para seu leitor o que seu personagem pensa sobre tudo aquilo, por que ele toma atitude A em vez de B.


Talvez você seja um escritor que conta histórias que só se passam em países estrangeiros, mas você conhece esses países? Você já esteve lá? Conhece a cultura? As diferenças de sotaque, de crenças e outras coisas mais? Se sim, parabéns, tenho certeza de que você é capaz de passar toda aquela atmosfera para o seu leitor, mas, se não, o que torna sua história melhor do que a daquele carinha ali que conhece aquele país estrangeiro? O que torna a sua história verossímil como a dele?


Ah, então você quer dizer que não posso escrever uma história que se passa em Zanzibar?


Não. Não é isso que quero dizer, o que gostaria que percebesse é que você tem um material fantástico para escrever algo que realmente possa surpreender: o seu país, o seu Estado, seu conhecimento de mundo que está aí, enraizado em seu ser, em sua mente. Sabe o que é mais incrível quando você conta uma história em um local que você conhece e que, muito provavelmente, ao menos um leitor seu também conhecerá? Haverá identificação. O seu leitor vai compreender com clareza o seu personagem.


Quem conhece o sertão nordestino, por exemplo, se identifica com muita facilidade com o livro Vidas secas, de Graciliano Ramos. Na história, a família está tentando fugir da seca e acaba encontrando um lugar abandonado, até que o dono do lugar aparece e os contrata logo após a chuva ter aparecido enfim. A história mostra aspectos simples da vida cotidiana deles, coisas que a maioria dos brasileiros se identificaria ao ler. Existe a maravilhosa interação com a cachorra Baleia, figurinha cheia de personalidade, e a obra mostra também a exploração sofrida pela família pelo contratante deles. Então, a seca vem e tudo recomeça. O livro também é cheio de expressões regionais, o que acaba nos aproximando ainda mais da obra. Apesar de ter sido escrito em 1938, continua sendo um livro atual, pois ainda existe exploração, ainda existe seca, e ainda existe essa tentativa constante de migração, não só dentro do próprio nordeste como para outras cidades no nosso país mesmo. São Paulo, nessa época, recebeu muitos nordestinos, por exemplo.


Agora, não adianta muita coisa você criar uma atmosfera perfeita, posicionar seus personagens em um ponto estratégico do país, dar crédito a tudo o que compõe a ambientação e colocar um título assim: “The waters of the Tietê”. Está de brincadeira comigo, não é mesmo, colega?! Poxa, você fez tudo direitinho, colocou um ambiente que será um grande ponto de identificação de muitos brasileiros, fez a jogada de mestre de pôr o rio Tietê como cenário principal da história e me coloca um título em inglês?! O que o título em inglês tem a ver com sua história? Se você me disser que o título está em inglês porque, enquanto os mocinhos se beijavam, um gringo chegou perto deles e disse: “Look! The waters of the Tietê!”, quebrando completamente o clima de romance, tudo bem, vou entender a comédia que vem com o título, mas, fora isso, qual seria o motivo?


Certo, vamos para outra situação: você está escrevendo uma fanfiction de “Digimon”, ambientado no mundo original do anime, que seria Tókio e o Digimundo. Agora, o mais interessante desse anime é que o cenário onde a maioria dos acontecimentos se concretizam são lugares que realmente existem em Tóquio. Bacana, não é mesmo?! Acontece que você nunca foi a Tóquio e sequer tem grana para ir, então, qual a sua saída? Bom, você pode pesquisar, pesquisar e pesquisar. Vai ter de pesquisar muito e muitas coisa para conseguir fazer o ambiente da história se tornar verídico para seu leitor, para que, quando ele estiver lendo, se sinta dentro da história. Beleza, você já pesquisou, já conhece os costumes da região que pretende usar como cenário, crenças, culinária, estilo de roupa e música, clima, vegetação e outras coisas, além de conhecer muito bem o anime e saber como tudo funciona e de conhecer bastante o Digimundo, mundo digital onde os Digimons vivem, e já tem o roteiro preparado. Sua história falará sobre a paixão entre Angemon e Angewomon, então, você coloca o título: “Winged Consciousness”. Agora, coisa mais preciosa desse mundo, eu te pergunto: por que o título da sua história está em inglês? A história está sendo escrita em português, então por que o título não está de acordo com a língua que está sendo usada na narração? No máximo daria para colocar um título em japonês aí, considerando o fato de que a história se passa em Tóquio. Está entendendo onde quero chegar? Você construiu tudo de forma minuciosa e harmônica para aproximar seu leitor ao máximo da sua narrativa, não pode deixar o título te desfavorecer. O pior de tudo, o que pode realmente destruir sua história, é o seguinte: muitas vezes, aquele autor que escreveu o título em outra língua sequer a conhece. Não sabe como a gramática dela funciona, como posicionar certos elementos. Temos o Google Tradutor? Sim! Mas, muitas vezes, ele erra também, o que lhe deixa a um passo de pôr um título errado na sua história. E sabe aquele seu leitor? Aquele que sabe, realmente, falar aquela língua que você usou no título? Ele vai saber que você errou. Além de isso poder se tornar um empecilho para ele ler sua história, ele pode influenciar outros amigos dele a também passarem longe dela!


Entenda, isso não significa que o título da sua história, por estar em outra língua, está feio ou incorreto. O que quero mostrar aqui é o seguinte: você trabalhou suas ideias para encontrar um título harmônico, perfeito para sua história, mas o coloca em uma língua que seu leitor, brasileiro, pode não conhecer. Toda a magia que te levou à escolha do seu título perfeito foi quebrada só porque o seu leitor não sabe o que aquelas palavras significam!


Agora que você já sabe o que significa a ambientação de uma história e qual a implicação dela para todo o contexto, imagino que você tenha muito a trabalhar para tirar aquele roteiro da cabeça e passar para o papel, não é mesmo?


A melhor parte de uma leitura é se sentir dentro do texto, tomando as decisões junto dos personagens, sentindo os mesmos cheiros que eles sentem, a mesma euforia, tristeza, amor e toda a atmosfera do lugar que eles estão. Ler também é se transformar em outro alguém e você, autor, é quem proporciona essa experiência maravilhosa para os leitores. Deixe que eles sintam tudo! Por isso, crie uma boa ambientação para sua história!


Texto: Karimy

Revisão: Camy


Referências

SPOHR, Eduardo. Filhos do Éden: Herdeiros de Atlântida. Verus: São Paulo, 2011.

FLAUBERT, Gustave. Madame Bovary. 2. ed. Mem Martins: Publicações Europa-América, 2000. 

23 de Julho de 2018 às 11:50 1 Denunciar Insira 23

Comente algo

Publique!
Jhulle Marinho Jhulle Marinho
Aprendendo um pouco mais a cada dia!
July 31, 2023, 12:26
~

Histórias relacionadas