A primeira vez que te vi, você tinha a camisa manchada de café e o rosto cheio de dor. Mas na minha pressa em atravessar a rua, acreditei que o café podia estar quente e que você estivesse reclamando da dor. Com certeza isso explicaria porque seus olhos estavam tão brilhantes.
Na segunda vez que te vi, seu cabelo escuro estava molhado e por isso pingava na gola da sua camisa. Estávamos numa fila para o caixa do supermercado. Você estava segurando uma caixa de band-aid e um maço de cigarro. Suas unhas estavam arroxeadas, mostrando o tanto de frio que sentia, me fazia ficar mais curioso sobre você, por que, quem sairia numa chuva como aquela sem nenhuma proteção?
Sabia que estava sem proteção porque na saída do supermercado, ao passar de carro, te via andando de cabeça baixa pelo meio-fio.
Mas você esbarrou em mim numa quinta-feira. Seu cabelo estava rosado e você parecia muito pequeno dentro daquela camisa escura, só que esbarrou em mim. Seu ombro se chocou contra o meu, forte o suficiente para que eu cambaleasse e deixasse meu celular cair no chão. E nos segundos que me abaixava para pegá-lo, você passou direto. Me ignorou, como se eu realmente não estivesse ali. Não gritou um pedido de desculpas ou qualquer coisa. Simplesmente passou direto, com os passos apressados e o vento jogando seu cabelo rosa para trás.
Parecia muito bonito pra mim.
No entanto, só me dei conta dessa beleza quando naquela sexta, de dentro de uma cafeteria, você me viu cair. De joelho no chão, o tornozelo torceu e o meu rosto estava tão vermelho de vergonha que achei que fosse explodir. Só que você apareceu, se ajoelhando na minha frente, estendendo a mão e perguntando se estava tudo bem.
Não estava. Mas assenti mesmo assim.
Descobri que se chamava Donghae e que tinha os olhos pintados de um rosa engraçado, que eu nunca tinha visto em outro lugar. Quis perguntar se usava lentes, mas achei que podia ser invasivo demais para um primeiro encontro. Mas no segundo, eu só quis saber porque seu cabelo era daquela cor enquanto no terceiro, me perguntei porque estava tão pálido. No quarto, te dei antibióticos para a tosse chata que sempre aparecia quando conversávamos e no quinto, fui até sua casa medir a sua febre.
Eu era médico. Pediatra, na verdade. Contudo, podia muito bem atender suas necessidades, quando era tão mimado e alegre quanto uma criança.
Sabe, esse deveria ter sido o primeiro sinal.
Era aí o grande momento que eu deveria ter percebido que havia algo de errado com você. Mas não, eu deixei passar porque estava com medo demais para querer seguir em frente. No entanto, não demorou muito até que tudo se tornasse demais para que conseguisse esconder e quando a verdade foi dita, tão clara e afiada, gritada no meu rosto, depois te questionei por mais tempo do que deveria... eu achei que podia muito bem ter me empurrado de um penhasco, porque teria dado no mesmo.
Você estava doente.
O rosa que parecia fazer parte de cada pequeno pedaço seu, era o sinal que eu deveria ter notado mais cedo. Isso me fazia sentir a pessoa mais burra do planeta. Deveria ter visto antes, mas, agora, eu via. E isso só me dava vontade de voltar para a minha velha vida ignorante.
Foi na sexta-feira que segurei seu cabelo para que pudesse vomitar na pia da cozinha todas as rosas que Eunhyuk tanto amava. Mas foi na segunda-feira que brigamos e ficamos sem nos ver até a quinta, quando você me ligou chorando, dizendo que não podia se livrar dos seus sentimentos assim como se fossem nada. Foi nessa mesma quinta, que corri até seu apartamento e gritei no seu rosto, com o coração cheio de raiva e o dedo em riste, como podia te dar outros sentimentos. Seus olhos se arregalaram, deixando que eu visse o rosa mais de perto na sua pupila e a boca se abriu, assustado com a verdade mais dolorida da sua vida: Eu estava apaixonado por você.
Deve ter acontecido naquela segunda, quando sua camisa se manchou de café e seu rosto doeu. Ou talvez, tenha sido no supermercado, quando meu coração se encheu de curiosidade... A verdade é que eu não conseguia precisar, só sabia que estava ali e que se por acaso você... se por um acaso você fosse embora, eu terminaria vomitando flores em um par de meses.
— Ocorreu um erro. — você disse e eu ri de incredulidade, porque não conseguia acreditar na forma como me dispensava.
— Sim, ocorreu. — te respondi, com raiva demais para disfarçar. — Eu cheguei tarde.
Eunhyuk era burro.
Ele sempre seria um burro por ter te abandonado dessa forma. Mas não seja burro também, te pedi. Eu me ajoelhei diante de ti, Donghae. Eu chorei sobre seu coração quebrado e implorei que não me deixasse assim.
Jogue fora esses sentimentos.
Derrame-os cano abaixo.
Vomite tudo.
Arranque tudo.
Se limpe.
Renasça como alguém melhor.
— É melhor você ir embora. — foi tudo o que disse depois do meu show.
Assenti, meio sorrindo de toda a catástrofe que era nós dois. Mas quando a porta se fechou, te escutei chorar.
***
Há um buraco no meu peito, um vazio amedrontador que me mostra que, talvez, nunca vá ser preenchido. Tenho medo que essa seja a sensação... a primeira sensação de se estar morrendo de amor. Seria possível que você, com tão pouco, tenha acertado meu coração em cheio? Espero que não. Alguém lá em cima deve ter piedade desse médico pediatra. Alguém lá em cima precisa me segurar pelos ombros e dizer que você ainda está bem.
Faz algum tempo que não te vejo. Desde a desastrosa quinta-feira, tudo que tenho recebido é silêncio. E isso só torna o buraco em meu peito maior. Você está morto? As flores finalmente se espalharam por todo seu corpo? Isso me enche de medo.
Donghae, estou transbordando de medo.
***
Sehun sentou-se no mesmo lugar de praxe no café ao lado do hospital onde trabalhava. Estava cheirando a álcool e látex, devido a cirurgia de uma hora trás. Havia sido relativamente fácil, mas ainda o deixara preocupado. Sempre seria preocupado com as suas crianças, seus pequenos pacientes, tão doces para o mundo. Às vezes, se pegava pensando em como aquelas crianças sobreviveriam ao mundo turbulento, ainda mais depois do modo como a cada dia surgia uma doença nova.
Mas para o bem da verdade, o que o preocupava mais era o modo como vomitara a primeira pétala naquela manhã. Tinha deslizado com sofreguidão por sua garganta, cairá contra sua palma e roubara-lhe qualquer esperança de sobreviver.
Estava doente.
Havia pensado em fazer a operação, podia limpar tudo aquilo enquanto estava no começo. Mas só a ideia de esquecer qualquer coisa de Donghae, já lhe doía o peito e fazia outra pétala querer descer por seus lábios. Parecia que o feitiço tinha voltado-se contra o feiticeiro. Engoliu em seco e resolveu se concentrar no café a sua frente. Tinha no máximo 3 meses para decidir o que fazer consigo mesmo, eram 3 meses antes que tudo se agravasse e ele explodisse em flores de cerejeira.
Segurou a xícara de café e deu um gole longo. Queimou a língua no processo e praguejou baixinho antes de colocar a xícara novamente sobre a mesa e pegar um guardanapo, colocou-o sobre a língua e suspirou. Aquele não parecia um bom fim de dia. Fitou o marrom da mesa e pensou que uma fatia de torta podia anima-lo, havia decidido sair de vez da dieta. Já que ia morrer, então comeria tudo que gostava.
Estava decidido!
Afastou a cadeira e pôs-se em pé ao mesmo tempo que retirava o guardanapo da língua e virou-se para ir até o balcão, mas foi surpreendido por alguém. Esbarrou na pessoa e acabou por derramar café em si mesmo.
— Ah, céus! — exclamou apressado, sacudindo a própria camisa. Era sua predileta. — Eu não quis... — levantou o rosto para se desculpar, mas a pessoa já tinha virado de costas para si, se inclinado sobre sua mesa e pegado guardanapos.
— A culpa é minha. — virando-se para ele. — Eu cheguei perto demais. — confessou, fazendo Sehun arregalar os olhos.
— Donghae... — balbuciou e o outro sorriu antes de começar a limpar a camisa suja do Oh.
O café não estava quente. Era cappuccino gelado com muito chantilly, doce o suficiente para fazer o tecido colar-se contra sua pele, enquanto o Lee limpava-o. Sehun observou a cena, chocado com o modo como os cabelos de Donghae não estavam mais rosados e que mesmo o pálido havia sumido da sua pele.
Ele parecia saudável.
— O que... que está fazendo? — gaguejou pro outro quando recuperou-se do choque.
Donghae levantou o rosto, meio sorrindo e com guardanapos sujos nas mãos.
— Consertando as coisas.
Sehun o fitou, mordeu o lábio quando ele se afastou. As pupilas não estavam mais rosadas. Não havia nenhuma marca em si, que denunciasse que ele estivera a beira da morte, que tinha se segurado tão firmemente em um sentimento unilateral.
Donghae havia escolhido seguir em frente.
— Quer tomar um café? — o Oh se viu perguntando, mesmo depois de meses não era capaz de se manter indiferente.
— Eu os trouxe, mas... — levou a mão até a nuca e sorriu de novo, envergonhado.
Sehun quis pedir desculpas, mas acabou olhando para o balcão.
— Quer tentar de novo? Há tortas ótimas aqui. — então era ele que estava envergonhado agora.
Donghae enfiou as mãos nos bolsos e assentiu. Então Sehun não pôde evitar sorrir ao passo que seu coração se aquecia.
Parecia que alguém lá em cima tinha escutado suas preces e mantido os pés daquele garoto no chão, apenas para fazê-lo flutuar até seus braços.
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