— Acha que tenho em mim espaço para pensar sobre mortos? - a oni, pousando teatralmente a mão no peito. - Pobre cachorro. Minha figura e modos angelicais o tapearam a esse ponto? Ele desviou a face para o céu. — Sim. E algo pareceu rachar no peito do demônio. Ela fitou a região. Nada. O bater do coração soando sob a palma da mão. ´´Quase``. Por um momento a possibilidade de se arrepender do modo como vivia esteve perto de nascer.

— Não se arrependa. Siga em frente. Ninguém se importa com suas razões, dilemas, dores. Dê passos e passos adiante, aceite que fez o que fez. Aceite quem te culpe, aceite quem te perdoe. Aceite que qualquer um pode ver como bem quiser. E não se importe.

Frederico era filho de um capitão do próprio barco de transporte. Depois de uma década como pescador comprara um maior com financiamento. Dos irmãos Hans, anões filantropos. E pouco pacientes para a falta de empregadores de seu cliente. ´´Vinham homens enormes com espadas enormes. Uma vez a cada sete dias``. Então, numa manhã com nuvens cinzentas e escassas aparições do sol, o pai saíra com o barco. ´´Nunca mais voltou… e mamãe…`` Ele não falou. Mas ouvira da governanta. ´´Pulou no mar"

´´Que merda…!`` com punhos cerrados. ´´Que merda…!`` acertou o solo. Frio. Estupidamente frio. Frio o suficiente para queimar a vida corpo a fora. ´´Quem essa vadia pensa que é?`` Começou a por-se de pé. ´´O que acha que sabe sobre mim?`` arfando. Sangue escapando por entre os lábios. "Merda!" Bateu o pé. Caiu de volta ao chão.

Estiveram juntas por vinte dias. E ela esperava por vinte mais. Por levá-la a cidade élfica. A terra dos anões, a dos licantropos. Por apresentá-la Laís e Patricio. Mas a amava? ´´Quem se importa com isso?``. ´´Não amo… talvez ame, que doentia divagação``. ´´Quero sua companhia, que a profundidade do motivo fique profundamente perdida``. — A mesma que mostrei na cama da pousada - respondeu, desistiu. Abriu mão e permitiu que acabasse. Um malicioso sorriso forçado na boca. - Geme tão bem.

Maria Francisca morava junto ao pai. Homem desempregado de quarenta e três anos vivendo de sonegar aluguel. De recolher restos da feira. Do que sobrava da casa de amigos de bar. Até ele passar tempo demais no mesmo cômodo alugado. Não pagou o senhorio quatorze vezes, na décima quinta perdeu a cabeça para uma espada enferrujada. ´´Sete golpes`` Maria Francisca dissera. ´´Plack, plack, splish, plack`` com olhos arregalados fitando algo que não os órfãos ao redor. Ou qualquer coisa no quarto.