Ninguém sabe como a coisa começou e nem de onde ela surgiu. Dizem que os gatos à volta dela não buscam apenas o alimento que ela lhes dá. Porém, sempre que a velhinha desponta na rua, portas são fechadas e cortinas cerradas. Não é algo que se prove, contudo, quando a dita cuja bota os olhos em uma casa e a miação começa, pode esperar que uma alma será ceifada e um novo gato surgirá.

Chegou com seu carro. Entrou na garagem, saindo em instantes com o cenho franzido ao mirar o vizinho: "Vc está dando um mau exemplo" - informou com a voz carregada. "É mesmo? - respondeu o vizinho, curioso" "Sim. Se a mulher sair e ver o que está fazendo, a coisa vai ficar feia, já que vai me obrigar a fazer o mesmo" . O vizinho gargalhou ao continuar a tirar, varrer e ensacar os matinhos da calçada.

Era fim de tarde de um verão que há muito se foi. Preparava-me para deixar a praia que, no momento, começava a ficar deserta. Enquanto erguia a toalha para bater a areia fina, a moça chegou caminhando devagar. Passou por mim parecendo não me enxergar. Não fosse pelo vestido de noiva, não teria achado estranho. Seguiu, perdida, em direção ao mar e, antes que eu pudesse impedi-la, desapareceu diante de meus olhos.

Ele surgiu enquanto eu caminhava. Tocou meu braço. Esquivei-me. Apertei o passo e quando dei por mim, o maldito havia retornado. Feroz! Sedento! Trouxe outro consigo. Tocou os braços novamente. Ergui-os, defendendo-me. Senti-me cercada em meio à mata que se descortinava à frente. Estaquei, depois de tentar correr. Eles se aproximaram com uma velocidade faminta. Então veio o tapa. Sonoro e vingativo. Sorri ao ver alguns deles mortos na palma da mão. Odeio pernilongos e borrachudos.

Ela atendeu ao primeiro toque. Marcamos de nos encontrar no shopping. Era lá que estava o objeto de meu desejo. Dono de olhos cativantes e sorriso traiçoeiro. Certa feita ele se aproximou. Contudo não foi a mim que se dirigiu. Minha melhor amiga o incentivou. Marcaram um encontro como se eu não estivesse presente. Contudo ela não pôde ir. Fui em seu lugar. Consolei-o. Estamos juntos. Creio que a alma podre de Aninha, de onde estiver, deve lamentar ter me traído sem compaixão.

— Não sabia que tínhamos uma nova paciente. — franziu o cenho, olhando o prontuário, intrigada. — A senhora chegou hoje? Qual o seu nome? — Maria Amélia — respondeu a paciente num sussurro. A jovem se virou para ir ter com a enfermeira chefe. Dona Angelina a interpela na saída: — Enfermeira, com quem estava conversando? — Com sua vizinha. Não me falaram que teria mais uma hoje. — Enfermeira, não há ninguém ali. Por favor, quero trocar de quarto.

Era a troca de turno. Ela acabara de receber o prontuário das mãos de sua antecessora. Após entradas e saídas dos quartos que lhe foram reservados naquela noite, encaminhou-se para o 312. Foi recebida por um sorriso cândido. Dona Angelina se recuperava de uma cirurgia do quadril. Ainda ficaria ali mais alguns dias. A jovem medicou-a e seguiu para a cama ao lado. Continua...

Era fim de tarde de um verão que há muito se foi. Preparava-me para deixar a praia que, no momento, começava a ficar deserta. Enquanto erguia a toalha para bater a areia fina, a moça chegou caminhando devagar. Passou por mim parecendo não me enxergar. Não fosse pelo vestido de noiva, não teria achado estranho. Seguiu, perdida, em direção ao mar e, antes que eu pudesse impedi-la, desapareceu diante de meus olhos.

Ele chegou de mansinho pela fresta da porta que deixei aberta à sua espera. Sua voz era cálida e seu rosto um convite à perdição. Aproximou-se, sussurrando meu nome. Deixei-o me envolver em seus braços, entretanto não queria ser seduzida. Estava ali para cravar uma estaca em seu coração negro.

A noite prometia. Combinamos de nos encontrar sob a marquise de um supermercado. Teríamos apenas alguns minutos. Caminhando por ruas mal iluminadas, sonhando com seus beijos, mal notei os portões do cemitério. Assim que me aproximei, ouvi uma voz nas sombras: “Venha”. Estaquei. Um vulto com vestes brancas flutuava estendendo a mão num convite cego. Encaramo-nos por um segundo. Senti-me propensa a segui-lo. Já, com a mão na maçaneta, um gato preto miou aos meus pés. Gritei, libertando-me.

Ele me persegue por onde quer que eu vá. Seus olhos me ferem. Não me arrependo de tê-lo envenenado.

Era um, eram dois, eram três. Os gritos reinavam no caos e eu não tinha por onde escapar.

Alho amassado, cebola ralada e lágrimas nos olhos traziam a lembrança da mãe que se fora. Ela mesma estava partindo...

Ainda sinto arrepio, mesmo após tanto tempo, ao ver minha fotografia estampada em sua retina.

Fiz-me bela. A mesa disposta no canto do restaurante jazia à espera da ceia em vinho e flor. A espera angustiava, ao imaginá-lo à porta. Um reencontro na prece da saudade. Casais enamorados encobriam sua chegada. Ele viria. Um murmúrio na entrada, coração acelerado. Cabeça mirando a porta. É ele! O amor ainda é o mesmo. É ele? Caminha em minha direção, trôpego e maltrapilho, assustando a todos. Creio ter errado algo no ritual. Aquela palavra soou estranha. Não importa. Ele voltou.

Era tarde da noite quando ela deixou o trabalho. Odiava prazos apertados. Parecia aborrecida por estar perdendo o encontro com as amigas. Pegou a bolsa, mirou-se no espelho e saiu. O salto alto batia metódico no chão, um tanto alto no silêncio. Acelerou o passo, sentindo olhos a lhe espreitar. Meus olhos. Olhou por sobre o ombro. Nada. Antes que pudesse alcançar o carro, surgi. Encarou-me. Talvez o medo a tenha calado. É disso que gosto: sentir o medo enquanto a vida se esvai em minha boca.

Seus olhos estavam vendados. A noite escura sobre ela caía. Respiração, ofegante. Um arrepio a percorreu quando dedos frios passearam por seu braço. Mordeu o lábio inferior em êxtase. A boca se apossou do pescoço. Ela soltou a respiração sentindo o corpo tremer. Aquele estava sendo o melhor encontro às cegas de sua vida. Um estampido e bolhas borbulhantes desceriam por sua garganta adocicando-a. Novo estampido. — Acorda, menina! — ralhou a mãe, acendendo a luz do quarto — Vai perder a hora.