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Luna Conti


Em tempos insólitos, com a sociedade de quarentena, numa pandemia global devido ao surto do coronavírus (Covid-19), Milton tem que lutar contra si e os seus demônios para não surtar, sozinho em casa, sem família e namorada, encontrando no isolamento social uma oportunidade para repensar os seus valores e reencontrar a si mesmo.


Drame Déconseillé aux moins de 13 ans.

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Procrastinando, ansioso e culpado

Milton passara a tarde inteira procrastinando os estudos. Isso o deixou ansioso e culpado. Via o tempo passar lentamente, como a areia escoando na ampulheta. Estava imerso naquela atividade estranha, e psiquicamente torturante, embora não deixasse de ser igualmente fascinante. Em seu íntimo estava comprometido com a improdutividade. Era assim que ele escolhera passar o tempo de quarentena.

Antes do isolamento social imposto pela pandemia, havia alugado uma cabine particular numa sala de estudos, onde ele podia ser encontrado com facilidade, voltando para a casa só à noitinha, próximo da madrugada. Monitorava o seu desempenho diário e alegrava-se interiormente com os resultados que alcançava. Tinha para si que em poucos meses atingiria um estado de preparação altamente competitivo, o qual lhe permitiria sonhar livremente com um cobiçado cargo no Poder Judiciário, sem medo de estar negando a realidade. Mas os imprevistos estão aí para provar que devemos estar sempre alertas, disponíveis para a mudança de planos e a readaptação das circunstâncias, sob o risco de sermos superados pelas adversidades banais da existência.

“Não tem nem uma semana que eu estou trancafiado em casa... Desse jeito não é possível continuar...”, levantou-se da cadeira ergonômica abruptamente, com certa impaciência, o homem beirando aos trinta e que morava sozinho em seu apartamento. Dirigiu-se ao banheiro, e tirando a roupa do corpo, que ficou jogada no chão, meteu-se para dentro do box, a fim de tomar mais um banho. Já era o terceiro, se contarmos aquele antes de deitar-se e adormecer, logo pela manhã.

Os banhos quentes e demorados eram uma boa tática, sempre que ele se via sem saber o que fazer. O rapaz de altura mediana e sobrepeso, de cabelo fino e ralo, rapado nas laterais, estava saturado de pornografia. Resolveu fiar-se em sua imaginação, pura e simplesmente, sem auxílios tecnológicos. Como ele bem gostava de dizer para si mesmo, a forma mais eficaz de excitar-se era relembrar suas próprias experiências, em vez de fantasiar com quem jamais aceitaria foder com você gratuita e generosamente. Símbolos sexuais são particularmente frustrantes, pois eles maquiam a realidade de um jeito inaceitável para os padrões razoáveis de sanidade mental. Esse imbróglio fazia-o sentir-se impotente, sexualmente falando. O cacete só dava sinal de vida quando a outra revelava-se expressamente interessada em sua pessoa, o que, no entender de Milton, comprometia-o sensivelmente.

Chegou a comentar com o seu psicoterapeuta, mais ou menos a duas semanas atrás, que ele tinha a intenção de trabalhar a questão “um caralho foda, descolado da necessidade de que a moça se mostre com tesão”, disse, no seu peculiar estilo de encaixar um vocábulo licencioso no meio de um palavreado empolado. “Hum, você acha que isso o tem atrapalhado em suas relações? ”, redarguiu o profissional com outra pergunta, sem expressar uma reação gestual clara, se julgava bom ou ruim aquilo que ouvia.

A terapia é inesperadamente interrompida, mas o que irritou Milton é que o seu terapeuta se mostrou avesso ao atendimento online, devido a inabilidade patente com o moderno formato de consulta.

A ducha com centenas de gotículas mornas caia continuamente contra os ombros de Milton, quebrando as tensões da carne e relaxando os músculos das preocupações da cabeça, como numa massagem com mãos hábeis e macias. Enquanto mantinha os olhos cerrados, para visualizar melhor as imagens da mente, o seu último encontro com Tônia alimentava a sua libido. Em suas carícias e fricções, murmurava, maldizendo o surto pestilento, que o colocara numa disciplina monástica, contra a sua vontade. Tentou contata-la pelo WhatsApp no dia de ontem, mas ela recusou-se terminantemente em romper a quarentena para ir vê-lo em sua casa. “Por que elas são tão histéricas? ”, pensava Milton, embora ele mesmo não concordasse consigo próprio. Sabia que ela estava com a razão, e por isso mesmo irritava-se ainda mais. Por aqueles dias o seu raciocínio vinha sendo prejudicado pela cabeça “de baixo”, de forma que o “onanismo compulsório” era a mais forte evidência a esse respeito. “Aff, seu tarado nojento! Medo de vc”, foi a mensagem que ele leu dela na tela do celular. “Ah, eu devia ter caprichado um pouquinho melhor daquela vez... Se eu soubesse que não ia ter uma outra vez tão cedo... Não fica bem para a imagem da gente ter dado uma metida meia boca logo da última vez... A lembrança que ela vai te... Aaahhgrgrahh”, gemia alto, escandalosamente, imaginando que talvez alguma vizinha o ouvisse pelo basculante, o qual dava para um vão interno, assim como todos os outros banheiros dos apartamentos do prédio. No banheiro enfumaçado, pelo corpo inteiro movimentos espasmódicos, e uma careta contorcia e desfigurava de prazer o semblante saciado, descarregado.

Após ter se lavado, enxugou-se de qualquer jeito com a toalha, vestiu a cueca e foi para a cozinha comer o que ainda sobrara na geladeira quase vazia, apenas com algumas garrafas de cerveja. O dinheiro do mês estava esgotando-se, e, portanto, não queria fazer nenhum pedido de fast-food por aplicativo. Descobriu meio escondido no congelador um saco com nuggets de frango, e tratou logo de frita-los. Para variar, a sua imperícia habitual queimou levemente os nuggets. Com os dedos ia tirando as partes escuras da casca, para evitar o gosto de queimado. Pegava a garrafa gelada com os dedos lambuzados de gordura, e bebia no bico a breja. Estava alheio as reportagens do noticiário, todavia a tevê ligada fazia companhia a ele, impedindo que comesse a sós. Para fechar com a sobremesa, devorou em questão de minutos um pacote inteirinho de biscoitos recheados de chocolate, e aproveitou para esvaziar mais uma garrafa.

Devidamente empanturrado, retornou mecanicamente a sua cadeira ergonômica, não tanto porque fosse tomado pela firme resolução de imergir nos estudos, mas pretendia, de forma inconsciente, gastar irresponsavelmente as horas noturnas em vídeos inúteis do Youtube. Estava mais sossegado, após o “banho” e o jantar, pois se satisfizera momentaneamente, nos dois sentidos da palavra.

Conferiu uma vez mais o smartphone, crente de ter recebido uma notificação de Tônia. Tinha enviado a ela uma mensagem com assuntos amenos, buscando manter o contato, dando a entender que o desentendimento anterior não fora nada de mais. Bateu a dúvida “ainda não viu, ou desmarcou o sinal de visualização? ”. Não dava para saber com certeza, porque ela era imprevisível, sem um padrão claramente identificável na hora de responder virtualmente. Nessa margem estreita que Tônia deixava propositalmente, Milton ia se perdendo em conjecturas ocas, até que os acordes melodiosos o distraíram de si mesmo. Vinham do prédio em frente, e entravam pela fresta da sua janela entreaberta.

O isolamento social era como um remédio com efeitos colaterais: ao mesmo tempo que prevenia a propagação desenfreada do vírus nocivo, também podia causar prejuízos à saúde mental da coletividade. Todavia, é em momentos muitas vezes críticos que se aflora no íntimo das pessoas uma faceta mais humana, de solidariedade uns com os outros. É o que se podia ver e ouvir, quando o vizinho ao lado, diariamente, por volta das 20 horas, trazia a sua contribuição pessoal na intenção de facilitar, tanto quanto possível, a quarentena coletiva, ao cantar no microfone, acompanhado de um violão ligado a uma caixa amplificadora, propalando o som para os moradores ao redor, debruçados de modo displicentes sobre o parapeito das janelas.

“Certeza que é uma autoterapia”, pensou Milton, embora ele também apreciasse e aprovasse como louvável a iniciativa. As canções eram os clássicos da MPB, daquelas que harmonizam perfeitamente com um violão e um barzinho, mais uma companhia agradável ao lado, com quem se vara a madrugada papeando animadamente e de forma envolvente, numa sexta à noite, sem pensar em mais nada, nos problemas da família ou do trabalho, nem no dia seguinte. Boa parte de sua juventude havia sido passada em barezinhos, repleta de histórias de galanteios e descobertas, nostálgicos amores malsucedidos vieram visita-lo de súbito, evocações ternas, saudades tristes...

Juntamente com a soledade baixada no espírito de repente, pesou em sua consciência uma sonolência suave, a qual lhe convidava ao repouso, um bem-vindo sedativo as suas aflições momentâneas. Estirou-se no leito, e não tardou a dormitar.

25 Mars 2020 05:34 0 Rapport Incorporer Suivre l’histoire
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