"Eu não lembro o dia e nem a hora em que eu me deitei naquele lindo campo de flores pela primeira vez. Faz muito tempo. Era um dos poucos lugares em que sentia-me livre de verdade, fora das ordens da casa, fora de um mundo que nunca considerei meu. Foi ali, deitada naquele lindo campo que conheci-me, que aceitei-me e que decidi o que queria ser. Foi onde aprendi a desenhar, lugar em que treinei canto, dança e leitura... É o meu lugar no mundo.
Ali não tinha nada além de mim... e das tão belas flores, que sempre completavam aquele mesmo ciclo: Nasciam, cresciam, desabrochavam, murchavam e morriam, mas sempre retornavam das cinzas no ano seguinte. Aprendi com as flores. Senti seus perfumes e leves carícias. A terra coberta pela grama molhada sujava meus pés e mãos, uma sensação única e que nunca tive igual fora daquele campo.
Sob a sombra da árvore conheci o grande amor de minha vida, dando-me uma daquelas flores e cobrindo-me com centenas de pétalas ouvi o primeiro "Amo-te, minha dama!" em minha vida. Ali tive meus momentos mais felizes, aqueles que jamais sumirão de minhas lembranças.
Mas... descansando sob aquela mesma sombra, daquela mesma árvore, naquele mesmo lindo campo, recebi a pior das notícias de minha vida, conheci o homem que selaria minha vida para todo o sempre, aquele para quem fui prometida, entregue sem minha permissão. E sob aquela fresca sombra, naquele campo de flores, durante a primavera, casei-me com este homem que odiei ali, no meu lugar no mundo.
Anos se passaram e proibida fui de ir até aquele campo, visitar minhas amadas flores e repousar sob a frescura da árvore de teixo que dançava no jardim. Não mais toquei a grama fresca com minhas mãos e pés desnudos, não mais deitei-me naquele chão durante a primavera, não mais li, cantei e dancei com as brisas do verão e os ventos gélidos do inverno... não mais...
Um dia de solidão chegou, finalmente... neste dia de primavera, no mesmo dia de meu casamento e porventura o mesmo dia que despedi-me daquele meu amado campo, era a chance que eu aguardei durante anos e anos de infelicidade. As crianças dormiam e o marido não residia em casa. Andei para a cozinha e tomei em mãos um frasco pequeno, barrigudo e com um líquido transparente.
Caminhei para aquele meu campo, límpido e resistente, que alegremente me aguardava para aquele meu maravilhoso último dia. Acalentei minha árvore preferida, o Teixo mais belo em que já pus os olhos, deitei-me sob sua sombra pela última vez. Acariciei a terra com os pés e as mãos com todo o meu afinco. Fechei meus olhos e senti a brisa doce que caminhava de mãos dadas com a primavera.
Pela última vez cantei, recitei minha poesia preferida e segurei a última flor que teria em mãos. Ali, naquele lindo campo de flores, o meu lugar no mundo, sob aquela árvore, aproveitando a sombra e o frescor do dia, naquele mesmo lugar em que repousei e dormi tantas vezes, no lugar em que conheci o amor e também a saudade... ali, abri o frasco e ingeri o veneno nele contido. A morte que me aguardava.
Aquele campo de flores, assim como foi a primeira lembrança feliz que tive, também foi a última."
Merci pour la lecture!
Nous pouvons garder Inkspired gratuitement en affichant des annonces à nos visiteurs. S’il vous plaît, soutenez-nous en ajoutant ou en désactivant AdBlocker.
Après l’avoir fait, veuillez recharger le site Web pour continuer à utiliser Inkspired normalement.