Olhou-se novamente no espelho. Nele, a imagem que tanto a agradou. Havia escolhido suas melhores roupas. O perfume que usava era novo. Cabelo escovado. Tinha até feito as unhas, costume incomum a ela.
A morena estava cheia de expectativas para a noite. A semana inteira esperou para finalmente extravasar. Dançaria e riria com seus colegas de trabalho e os amigos mais chegados. A festa com temática anos 90 na boate LGBT era a sua favorita na cidade.
Logo na casa dos amigos, já foi fazendo um “esquenta”, bebendo sua vodca enquanto discutia a fraqueza humana, na sacada do prédio do amigo. O clima ameno e o vento forte despenteavam os cabelos negros, mas ela não ligava, pois sabia que ao final da festa estaria em uma situação lastimável, falando de estética. Mal sabia ela, que estava coberta de razão.
Uma curta viagem de Uber e 10 minutinhos de fila, eram o que separavam a jovem da pista de dança que ela tanto amava.
Dançou animada ao som de Shakira, Los Hermanos e Britney Spears, sempre com um sorriso no rosto. A garota era do tipo animada, positiva. Nem mesmo a lotação e os constantes tropeções em gente descoordenada atrapalhavam a beleza da experiência. Logo ela possuía uma garrafa de cerveja na mão, de modo a complementar a tríade: balada, bebida e diversão.
Oscilando entre passos calculados e alguns desengonçados, só pela graça de brincar mesmo, ela avistou mais de seus amigos chegando. Com abraços calorosos, ela dividiu sua atenção com eles, instintivamente criando entre eles uma pequena rodinha, na qual 8 pessoas dançavam, riam e bebiam em busca de aliviar o estresse cotidiano, descarregar energia e ser feliz.
Ela não lembrava quantas já havia bebido, porém isso não importava. E isso por que “É o Tchan” tocava bem alto. As luzes bruxuleantes dando um tom todo especial ao local, junto da fumaça constante na boate. Alguns amigos haviam saído para fumar. Outros se aventuravam em bocas desconhecidas. E ela? A dançar, como se a vida dependesse disso. Junto de Adriana e Carol, performava a coreografia característica do hit “Ali babá”, até que fez uma girada infeliz. De início, nada percebeu, exceto um som de “puff” e um estranho estalo.
A cena seguinte, foi o alerta de que algo estava muito errado. Ao apoiar a perna no chão, a mesma veio a ceder, fazendo a moça e sua garrafa de Brahma irem automaticamente ao chão. Atordoada e alcoolizada como estava, ela não sabia o que se passava, até descer os olhos até a perna, meio molenga, é verdade.
Com os olhos castanhos esbugalhados e o conteúdo da garrafa intacto, já que ela não derrubara nem uma gota na queda, ela fitou o joelho direito bem longe do lugar onde joelhos geralmente ficam.
“Caramba” pensou. “Quebrei a perna”.
Contudo, a falta da dor espontânea lançava-lhe certas dúvidas. Teria quebrado mesmo? Ou será que era a bebida? Não, não havia bebido ao ponto de alucinar.
“’Tá torcido” concluiu.
E como para dar veracidade ao relato mental, a amiga e chefe da garota se voltou a ela:
- Levanta amiga, ‘tá passando vergonha.
A tentativa de erguer a moça não logrou êxito. Ela meneava a cabeça, discordando.
- Desloquei o joelho – proferiu baixinho.
Adriana ria, tornando:
- Pára de graça – achava ser aquela uma justificativa de bêbada.
- É sério! Olha! – a morena apontava a protuberância nada discreta, na altura da coxa, muito grotesca e por sorte coberta pelo jeans de lavagem escura.
O desespero foi enorme para os amigos. Como baratas tontas buscavam socorro, enquanto a jovem, estranhamente calma instruía que não tocassem a perna.
A cena toda era deveras cômica. Carol a encorajando ao segurar forte seu punho, enquanto disparava:
- Não se preocupa, todos os seus amigos estão aqui... Chora, pode mijar de dor, grita... Eu te cubro com minha jaqueta se você mijar...
A garota a olhou de esguelha, tentando compreender o que aquilo significava.
“A Carol deve estar bêbada” pensou.
Mal sabia ela que o enfermeiro, Gabriel, altamente alterado alcoolicamente, e que parecia ter surgido do nada ali mesmo no meio da balada, dissera à sua amiga que ao colocarem seu joelho no lugar a pobre jovem experimentaria excruciante dor, capaz de fazê-la na pior das situações urinar.
Felipe afastava os curiosos:
- Ninguém toca nela! – dizia, enquanto protetoramente mantinha os braços cobrindo o perímetro ao redor da garota.
Débora acariciava a perna boa da amiga, sussurrando palavras de conforto, ao lado de Allison. Márcio apenas mantinha as mãos nas têmporas, muito chocado para algo dizer.
A dor chegou do nada, e junto dela as lágrimas. A dona da boate garantia que a garota ficaria bem, enquanto ela balbuciava entre ofêgos: - Eu só queria dançar “Rouge”. Como vou trabalhar segunda? Não vou poder dançar com as crianças.
E ela teve bastante tempo para lamentar-se de seu destino cruel, afinal a ambulância demorou cerca de 40 minutos para chegar até o local, e os socorristas abrirem caminho entre os corpos dançantes, a fim de chegar ao local próximo ao bar, no qual a pobre garota aguardava caída no chão e cercada de amigos.
Aquela professora experimentou um desespero momentâneo, ao segurar bem o colarinho do socorrista, que tentava a todo custo livrar-se do bêbado Gabriel, que dava a ele o prognóstico, sem ser convidado.
- O que vai fazer, moço? – disse ela em desespero. O rosto estava lavado pelas lágrimas, todo borrado.
- Pôr no lugar, mocinha.
- Vai doer?
- Não, fica tranquila.
Ela sabia que era mentira. Viu o osso ser posto no lugar ao som de Rouge que tanto queria dançar. Foi içada à maca ao som de “Lua de Cristal”, enquanto olhos curiosos seguiam sua desgraça.
Por sorte, o álcool foi um amigo, ajudando-a a manter o bom humor, tanto dentro do SAMU na selfie com o socorrista, quanto com a amizade que fizera com a enfermeira funkeira. Estava bem humorada até mesmo quando foi empurrada pelos amigos na cadeira de rodas, na discussão com o médico sobre rasgar ou não a calça jeans a fim de tirarem o raio X (por sorte essa ela ganhou). Porém, nada superava ser carregada tal como um cadáver pelos amigos no hall do prédio deles, sempre cantarolando “Lua de Cristal”, rindo e chorando ao mesmo tempo.
O prognóstico? Uma rótula deslocada.
A justificativa? Uma reuniãozinha de amigos ... Foi o que dissera à patroa e aos pais por telefone na segunda.
Ela queria uma noite fora do comum.
Pois é, conseguiu.
Merci pour la lecture!
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