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Renara Rocha


Coloquei nas redes sociais para que me sugerissem o tema de um conto. Uma das pessoas falou pra eu fazer em cima da seguinte frase "a aventura é um privilégio dos ricos e não profissão dos desempregados". Este conto é o resultado final.


Histoire courte Interdit aux moins de 18 ans.

#baribha-rocc #contos #slice-of-life
Histoire courte
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Capítulo único

Quando eu era criança, eu adorava brincar de polícia e ladrão. Na época eu não entendia bem o que hoje eu uso a meu favor, mas por mais que eu quisesse ser bandido só me deixavam ser policial. É engraçado. Isso vai dizer muito sobre mim daqui pra frente. Dá pra perceber que desde criança eu nunca quis prestar muito. Esse negoço de andar dentro da lei e ficar correndo atrás dos moleques das ruas para tentar arrastar até uma parede sem pintura, que era a nossa "prisão"... pra quê? Emoção mesmo eu só sentia quando corria pelas ruas vendo todos correndo atrás de mim, querendo me pegar, querendo me ter, querendo fazer justiça, porquê eu, eu não prestava...

Mas como é que eu sei disso se nunca me deixavam ser bandido? É algo que eu só percebi agora, mas parece que eu sempre quis ser assim, meio torto. Minha casa tinha três cômodos: Um banheiro coletivo em que o chuveiro era tão imprensado pra perto da privada que eu meti várias vezes o joelho na privada; Um puxadinho apertado como o banheiro mas que era a nossa cozinha e um quarto em que espalhávamos uns colchões velhos no chão e dormíamos todos juntos, exceto quando meu pai chegava bêbado e tinhamos que todos ficar fora de casa não importando a hora, mesmo que fosse de madrugada, os cinco irmãos na rua.

Eu sempre via na televisão, o único bem valioso que a gente tinha, a vida sendo mostrada de uma forma que eu não entendia. E eu queria aquilo. Eu queria acordar num quarto bonito e tomar café da manhã numa mesa toda arrumada cheia de comidas... eu queria ir pra escola de carro e ter vários brinquedos. A televisão mostrava um mundo de plástico que a minha mãe dizia que era mentira, que aquilo não existia. E sabe que algumas vezes eu fui inocente o suficiente pra acreditar nela, como na vez que meu pai bateu nela e ela falou que foi um acidente, ou como na vez que meu pai me espancou me chamando de desgraça e quase quebra meu braço acusando minha mãe de com certeza ter traído ele, eu era bonito demais pra ser filho dele que das duas uma: ou havia sido roubado ou ela tinha feito programa com gringo. E ela me disse que eu era filho dela, mesmo eu sendo loiro e ela sendo negra.

Peraí, esse ponto é importante. Perceba a minha lógica infantil naquele momento:Ele disse pra mim que eu era bonito. As pessoas da televisão eram bonitas. Se eu não era filho dele, ou deles, o que me prendia naquela desgraça afinal?

Era a madrugada de uma segunda de chuvosa... Meu pai havia chegado gritando desde a esquina, nos empurrou do pequeno cômodo e nos deixou na rua, como sempre, mas naquele dia chovia forte. Eu ainda lembro de meus irmãos, abraçados em seus lençóis. Os olhos vermelhos. A chuva abaixando o cabelo de marcela, o pedro com o nariz escorrendo, os pés cobertos de lama, o frio que fazia nossa respiração virar fumaça. E o brilho dos prédios da cidade lá longe...

Ninguém veio atrás de mim, nem um irmão, nem um cachorro, e eu duvido que meus pais tenham feito busca de mim. Eu segui na chuva em direção às luzes, até que elas sumissem porquê o dia já havia chegado e a chuva tinha ido embora. Eu estava exausto e com fome. Mas eu não tinha sono, sentia que se eu dormisse só um segundo eu perderia alguma coisa, talvez a própria vida.

Homens e mulheres passavam por mim. Não me olhavam nos olhos. Seguiam frenéticos. Eu via os Carros, motos, ônibus, as luzes do semáforo... as lanchonetes, os vendedores ambulantes, algumas crianças fardadas, os prédios altos... E eu tinha fome. Foi então que me deu uma tontura e eu desmaiei.

Quando eu acordei, meio dia ardia à pino em minha pele. E uma mulher com uma criança na outra mão me oferecia um pouco de água e perguntou onde eu morava. Respondi que não sabia, que eu estava com fome. Ela perguntou, como um menino tão bonito como eu, havia se perdido naquela cidade, que ela iria chamar a polícia para encontrarem meus pais.

E vocês lembram do início dessa história não é mesmo?

Era um garoto franzino, recém alimentado, com a força de um touro, correndo pela cidade fugindo de dois policiais pançudos que não se esforçavam para conter aquele menor foragido. Foi a primeira vez que eu senti a adrenalina de ser procurado. Quando eu vi que já não precisava mais correr acabei esbarrando com outras crianças. E elas pareciam comigo. Eram meninas de 13-16 anos, olhos claros, maquiagem forte no rosto, roupas curtas, e curiosamente, pirulitos na boca. Uma inclusive fumava, parecia ser a mais jovem, talvez tivesse a minha idade, eu nunca soube, era a tal da Gabriela que foi um amor platônico por muitos anos que essa história ainda vai seguir e foi a única criatura que eu amei nessa vida.

Eu devia ter uns 12 anos. Eu não me lembro mais. Eu não sei quando eu nasci, eu digo que tenho 26 anos hoje, mas quem vai saber não é mesmo? Elas chegaram a meu redor cheirando a rosas e a talco de bebê, caminhavam em sandálias com saltos finos. Pegavam em meu cabelo, me chamavam de lindinho, se eu estava perdido, se eu queria beijar uma delas. Foi então que notando o movimento anormal o Maurício veio correndo espantando as meninas e dizendo o que eu nunca esqueci, ou pelo menos foi como eu consegui memorizar: Ora, ora, ora... se não é um pequeno garoto para o labo mau.

Não, ele não disse isso. Na verdade eu não lembro o que ele disse, mas sempre que eu conto essa história eu uso essa fala, ela combina com o jeito do Maurício. Bem, fato é que ele me levou pra um apartamento, onde tinham algumas meninas e alguns garotos, me deu uma muda de roupa, pude banhar, comer e me ofereceu o teto. Certa vez depois de alguns dias, acompanhando as meninas e já sacando o que elas faziam quando entravam nos carros, ouvi o maurício falando ao telefone "estou com carne nova, um garoto lindo, nem parece que é de rua, deve ter fugido de casa, ou os pais riquinhos estão procurando ele, mas agora ele é do mau-mau... se quiser é só duzentinhos. Eu sei que eu to te devendo porra, mas é esse o preço."

Confesso que na hora eu fiquei preocupado. Haviam garotos que iam com homens de 50 anos fazer a viagem... Eu era um garoto assustado e eu não queria entrar em um carro com um velho estranho. Já havia planejado tudo, antes de entrar no carro iria sair correndo o máximo que eu pudesse para que ninguém pudesse me pegar de novo.

Lá estava eu, banhado, bem vestido e alimentado. Calçava tênis emprestados. O carro parou e chamou "Você que é o Fernandinho?" Quando eu olhei pra dentro do carro, não havia nenhum apavorante homem velho, era uma mulher jovem e de aparência amigável. Resolvi entrar.

Ela me contou que agora eu teria um lar. Meu coração, minha mente estavam completamente desorientados. Como aquilo foi acontecer? Perguntei logo "você me comprou do maurício?" Ao que ela respondeu com bom humor algo como "eu não te comprei, eu te roubei, ele estava me devendo alguns favores e falou que tinha um menino lindo..."

Eu sei que isso é absurdo. Eu também acho. Mas a Fátima cuidou de mim como um filho. Eu sabia que ela vendia droga nas redondezas. Nessa época eu ainda morava numa favela, não era perto do lixão como com a minha família, e a casa era bem melhor e maior, eu frequentava a escola e a ajudava pela noite pesando a mercadoria. Acontece que a Fátima era negra, eu devia estar perto dos 16 anos quando um casal de gringos nacionalizados que procurava o seu filho desaparecido desde criança recebeu uma denúncia de uma mulher da favela com um filho adotivo que poderia ser o deles.

Eu lembro que quando a polícia entrou derrubando a porta, nós achávamos que eles iriam colocar o nosso negócio todo a baixo e iam nos prender. Eu já estava juntando uma boa grana vendendo na escola uns pequenos furtos da mercadoria de Fátima enquanto ela dormia, eu nunca prestei, sempre deixei isso claro desde o início. Pensei logo "puta merda, alguém na escola me dedurou, filho da puta".

Me levaram, fizeram teste de DNA e eu não era o filho deles. Mas sabe... eu gostei de tudo que eu percebi que eles poderiam me dar e eu pedi pra por favor eles me cuidarem, menti dizendo que a Fátima me obrigava a fazer programa e a vender droga, eu realmente achei que o casal iria me acolher, as denúncias foram apuradas, a Fátima presa e eu fui pra um orfanato.

Mas eu era lindo não é mesmo? Mal passou um ano um casal me adotou, eles pareciam comigo. A mulher tinha dificuldade de ter filhos. Passou 10 anos tentando e já não queria mais um bebê, queria alguém pra dizer que teve a vida mudada graças à sua maravilhosa ajuda. Puro egoísmo. Fui estudar em colégio particular e aos fazer 18 anos me deram um dos dois carros que tinham.

Por curiosidade eu resolvi voltar no ponto de maurício... advinha só quem eu encontrei? Sim... A Gabriela. Ainda me chamava a atenção mas estava acabada, tinha algumas tatuagens pelo corpo, e ainda fumava. Seu cabelo estava tingido de loiro. Parei ao seu lado e disse "você que é a gabriela?" Ela não me reconheceu, olhou em meus olhos mas não sabia quem eu era, afinal nós nunca tínhamos conversado. Ela falou "cinquentinha". Eu nunca fui muito de fazer o emotivo, mas eu tive pena dela. Eu tive muita pena dela. Pensei naquele instante sobre o que poderia ter sido da vida dela, se ela pudesse ter tido outro futuro. Fui interrompido do meu olhar marejado por aquela garota que eu nunca tinha conversado mas que eu sempre observava quando morei com maurício do alto do apartamento entrando nos carros e indo com aqueles desconhecidos... com a sua indagação "então gatinho, é pra hoje ? " Ao que eu só consegui responder com o gesto de destravar a porta. Ela entrou.

Não cheirava mais a rosa e talco. Ela olhou pra mim e falava coisas sobre como estava feliz de não ter um cliente repugnante, e de eu ser tão lindo. Quando parei o carro na praia, conversei com ela... Perguntei o que ela achava da vida dela, de ser prostituta, se ela queria sair daquilo... Ela chorou, ela riu, ela me contou tantas coisas, horas se passaram, vimos o sol se por, fumei com ela.

Mas com a noite caindo e parece que dando conta de que precisava voltar ao ponto antes que Maurício desse falta, fala que a conversa foi e legal e tudo, mas que a vida não ia mudar, ela precisava do dinheiro, olhou em seu celular e disse: 5 horas, são 250 reais.

Eu não tinha 250 reais, eu não tinha sequer os 50 reais que ela havia pedido. Mas fui deixá-la até o ponto novamente de carro. Ao descer, ela olhou pra mim com deboche e disse "A menos que seja rico, não adianta ser encantador meu bem, um rosto bonito não paga minhas contas, da próxima vez traga dinheiro, seja pra conversar ou pra o que for ". Fiquei observando ela ir embora até sumir quando entrou no prédio para o apartamento do Maurício.

Passaram-se alguns anos, arrumei um emprego num escritório administrativo. Meus pais me ajudaram a pagar um apartamento. Parecia que eu estava tomando jeito, mas eu nunca fui de prestar. Os anos foram me trazendo silêncio, aquela vida monótona em que eu não estava cercado de perigos e lugares impróprios e sendo salvo diversas vezes, não estava ajudando. Eu queria me aventurar, sair por aí... foi aí que eu tive uma brilhante ideia... Se a questão era dinheiro, iria roubar a firma, pegar Gabriela no ponto e levar ela pro chile comigo.

Foi a coisa mais idiota que eu poderia ter pensado, mas a minha vida sempre foi desses altos e baixos insanos, preferi arriscar do que viver sem saber o que é sentir o gosto de uma aventura tão maluca, voltando a ser o bandido e perseguido da história.

Três horas da tarde, tanque cheio, uma mala de dinheiro, gabriela do meu lado ouvindo música de olhos fechados sentindo o vento da janela aberta a refrescar. Passamos por muitos estados e cidades, foram algumas semanas, não tinha presa, não tinha um lugar pra ir, nem sei pra que eu queria ir pro Chile, o destino já não importava. Ela passou a gostar de mim, a gente até já havia oficializado um namoro numa festa junina de uma cidade do interior, como sempre... eu era tao lindo que dava pra um belo noivo, e eu só me casava se fosse com ela, e foi o que o que teve pra aquela noite.

Foi então que chegou ao pior momento da minha vida. Era noite, estávamos deitados na areia da praia, o som do mar hipnotizava, o céu estava estralado como eu nunca vi outra vez. Ela me disse : "Sabe... eu estava enganada... adianta ser encantador, o seu dinheiro poderia acabar que eu continuaria com você. Eu acho que você me salvou Fernando. Eu acho que você não existe. Diz pra mim que isso tudo é real" Eu não pude dizer nada, pensei em dizer que eu a amava, mas silenciei.

Foi então que guardas vindo do calçadão e correndo em nossa direção gritaram " mãos ao alto" eu só pude dizer "corre gabriela, corre o máximo que você puder" E fomos correndo, o máximo que a gente podia, eu olhei pro lado e vi ela sorrindo, gargalhando enquanto corria, ela olhou pra mim, eu ouvi um tiro e ela caiu ao chão. Eu parei, ainda segurei seu corpo morto junto ao meu enquanto os policiais chegavam.

Me tiraram puxando do corpo dela, me colocaram algemas, me levaram pra prisão. Eu nunca esqueci de como ela me olhava, da felicidade em seu rosto, e de como ela havia ficado imóvel quando o salvador virou o carrasco... Os donos da firma haviam mandado investigar meu paradeiro, e então me encontraram. Os policiais, com presa, sem discernimento algum sobre o valor da vida, apenas para parar aquela pobre meliante atiraram em seu corpo frágil sem pena alguma.

O juíz acabou me dando apenas 4 anos de prisão, por roubo, e o policial que matou gabriela, saiu impune. Meus então pais se envergonharam de mim, me impediram de vê-los por muitos anos. Eu arrumei um emprego no porto, braçal, ajudando no transporte de mercadorias. Ninguém dizia mais como eu era bonito. Acho que o brilho do meu olhar foi embora. Ou finalmente eu estava envelhecendo...

Na semana em que fiz 26 anos, o chefe me chamou, perguntou se havia algo que podia fazer por mim, eu disse que se pudesse me adiantar o salário do mês seguinte pra eu fazer uma viagem seria muito bom, eu queria ver se encontrava meus irmãos, saber como eles estavam e levar alguns presentes... ao que rindo jogou meu salário do mês na mesa e disse "Filho... a aventura é um privilégio dos ricos e não profissão dos desempregados."

O desgraçado me demitiu naquele dia, havia me chamado apenas pra acertar as contas. Me senti um idiota. Peguei minhas tralhas do quartinho que não conseguiria pagar mais o aluguel. Era dia, chovia... Caminhei por muito tempo, não senti cansaço, a chuva esfriava meu corpo, anoiteceu.

No céu não tinha estrelas.

Reconheci aquele caminho, demorei muito para me situar estava tudo muito diferente das minhas vagas lembranças, mas acabei achando o muro que era a prisão na minha infância e adormeci aos seus pés.

Acordei com a Marcela gritando, mãe, mãe, corre aqui, com certeza é o fernando! Quando eu olhei, minha mãe que já era uma senhora veio de braços abertos me abraçar ao chão, "meu filho por onde você esteve? " ....

23 Juin 2019 20:53 0 Rapport Incorporer Suivre l’histoire
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La fin

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