Notas inicias
Escrita para o desafio de crossover do inkspired.
O filme o Sexto sentido e o livro Sete Minutos Depois Da Meia Noite (A monster Calls).
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"As pessoas não gostam do que elas não entendem."
Sete Minutos Depois da Meia-Noite.
Quando se é criança o tempo é um conceito difícil de se capturar. Mesmo quando aprendemos a contar os números nos ponteiros do relógio, sua passagem depende do que se espera no final da contagem. Uma hora pode se passar em um piscar de olhos ou vagarosamente, dependendo do que se espera.
Quando crescemos o tempo continua relativo, mas o conceito é mais fácil de se agarrar. Ou assim acreditamos. Aprendemos sobre 'não perder tempo', ou a importância de 'maximizar nosso tempo' para que tudo o que quisermos fazer possa caber em nosso dia. Nos dois quesitos, com frequência, falhamos miseravelmente.
Foi William Penn que disse que 'tempo é tudo o que mais queremos, mas é o que menos sabemos usar', e não há nenhuma verdade tão grande como essa. O tempo é algo precioso, algo que quando desperdiçado não tem retorno, e por isso é um crime tão grande quando fazemos isso. Mas o que é 'desperdiçar' tempo?
Conor não sabia dizer até sua mãe ficar doente.
Nos meses que se passaram do diagnóstico até o último suspiro dela na cama do hospital, Conor aprendeu a verdade sobre o tempo, que até então ele raramente tinha cogitado na vida: o tempo é finito, mesmo para as pessoas que mais amamos. A verdade é que nenhum de nós tem tempo ilimitado na terra, e nada que possamos fazer vai mudar essa realidade. Conor entendeu que cada segundo longe da sua mãe foi um desperdício quando viu que não podia recuperar esse tempo, que não teria mais esses momentos com ela para compensar.
A segunda verdade sobre o tempo veio logo depois e o acompanhou pelo resto da vida: o tempo não cura, ele apenas passa. Nós que temos que nos curar. O que é mais fácil falar do que fazer, mas não menos verdadeiro. Perder alguém que se ama, para a vida ou para a morte, é uma dor que nunca vai embora de verdade. É algo crônico, intrínseco e permanente, que alivia, mas nunca some de vez.
Ainda assim Conor viu o tempo passar para ele também, como areia escorrendo entre seus dedos. O rosto de frente ao espelho mudou sem que se desse conta, ao ponto de por vezes se perguntar – um tanto estupidamente, admitia – se sua mãe o reconheceria caso o visse naquele momento.
Apesar daquela ausência constante que era sua mãe, Conor tentou viver sua vida ao máximo que conseguia. Entre ligações de seu pai e visitas escarças e as tentativas de sua avó e dele de conviverem em harmonia, Conor tentou o máximo não 'desperdiçar o tempo' e aproveitar cada instante de todas as poucas pessoas que faziam parte de sua vida. A lista não era grande: sua avó, que por mais que sempre vivessem aos trancos e barrancos era a constante na sua vida, seu pai, mesmo que o abandono sempre pesasse entre os dois, e Lily, com quem havia conseguido estabelecer uma relação de amizade ao longo dos anos na escola. Depois do que havia acontecido entre Conor e Harry anos atrás nenhum dos seus colegas havia ficado muito entusiasmado em se aproximar dele. Não que algum deles tivesse tentado antes, mas ele ter espancado um aluno ao ponto de mandá-lo ao hospital zerou todas as suas chances. E crianças não esquecem, Conor já estava condenado a carregar o estigma para o resto da sua vida escolar. Ele não se incomodava, realmente. Ao menos o bullying havia cessado, sua necessidade de autopunição amenizado, e mesmo que Harry o fitasse de longe algumas vezes, eles não tiveram mais que interagir além do necessário. Lily era mais do que o suficiente para ele.
No último ano do Ensino Médio os dois haviam combinado de buscar um colégio próximo. Conor iria para uma escola de belas artes, continuar o sonho que sua mãe havia deixado em suspenso anos atrás, e Lily queria ser enfermeira. Os planos dela envolviam os dois se encontrando em cafés charmosos e pubs alternativos, e Conor apenas ouvia em silêncio, algo que Lily havia aprendido a entender.
— Podíamos ir para Londres!
Ela arfou de forma entusiasmada e sorriu levemente em resposta, o dedo passando ao redor do copo descartável fumegante. Os dois estavam sentados no banco com a vista para a colina, como sempre faziam na volta da escola. Dali ele podia ver a pequena igreja e o majestoso teixo que lhe trazia tantas lembranças e tantos ensinamentos.
O silêncio repentino – e raro com Lily – o fez se virar e fitá-la com curiosidade. Ela o olhava com um sorriso leve no rosto. Lily havia mudado com o tempo, assim como ele mesmo, mas ao mesmo tempo havia muito nela da menina que havia conhecido quando criança. Principalmente aquele sorriso.
—O que foi?
Ela negou com a cabeça, o rosto avermelhado. Conor sabia que ela queria falar algo mais, mas não insistiu, terminando o café em silêncio.
Quando o sol se pôs os dois se despediram na esquina, ela acenando com uma expressão mais triste. Por alguns segundos pensou em voltar e perguntar o que havia de errado, mas mudou de ideia. Amanhã poderia fazer isso. Enrolado nos agasalhos e sentindo o frio, ele se adentrou nas ruas iluminadas pelas luzes dos postes do começo da noite, mirando o Teixo na colina entre as passadas com um estranho senso de trepidação.
Em uma decisão de última hora ele subiu a colina, desatento ao que estava à espreita.
Conor aprenderia mais uma lição naquela noite sobre o tempo: às vezes o amanhã nunca chega.
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Quando se é criança a morte é um conceito que não existe ao nosso redor. É algo que não cabe no dicionário, que não se consegue explicar, porque não se consegue entender. Apenas quando ela acontece ao redor se tem uma noção de sua existência. Há algo triste em uma criança que compreende a morte, porque na maioria das vezes essa compreensão vem com a experiência.
Isso muitas vezes não muda quando se cresce. É algo que sabemos que existe, mas não compreendemos. Algo abstrato e distante, que faz parte apenas das outras pessoas, até que aconteça ao nosso redor ou com alguém que nos lembra a nós mesmos, que nos faz perceber que somos mortais.
Cole compreendia a morte desde criança em um nível que muitas pessoas nunca poderiam alcançar. Ela estava sempre a espreita e ao redor dele, em todos os fantasmas que o seguiam por toda parte. A maioria das pessoas entendia a morte por meio daqueles que ficavam para trás, Cole a entendia por aqueles que iam embora, que ele mesmo guiava para o outro lado.
Isso não fazia que a temesse menos, mas o colocava em vantagem sobre seu entendimento. Sobre segredos que ninguém mais tinha ciência além dele.
E ainda assim havia coisas sobre a morte que ele não compreendia. Verdades que não havia alcançado até então.
Até Conor O'Malley.
Quando sua mãe e ele se mudaram para uma pacata cidade na Inglaterra, ele sabia que era uma tentativa dela de o ajudar. Quanto maior a cidade, maior a violência e, consequentemente, maior o número de mortos ao redor. Há anos Cole havia aprendido a lidar com sua mediunidade, mas ainda assim às vezes as coisas saiam do controle, e sua mãe temia o que ele podia fazer para tentar amenizar o peso que vinha com ver e ouvir os mortos todos os dias.
Ele sabia que ela também tinha esperanças que ele fizesse amizade com alguém vivo uma vez na vida, mas Cole sabia que as chances de isso acontecer eram mínimas. Todo o seu ser exalava estranheza e cautela nas pessoas. Como se fosse óbvio que havia algo não natural nele. Sua pele sempre fria e o fato de às vezes 'falar sozinho' não ajudava o seu caso. Então Cole não tinha esperanças de fazer amigos, mas apenas esperava que o deixassem em paz. Ele já tinha ansiedade demais sobre os mortos para ter que lidar com os vivos também.
Ele foi segregado rapidamente, como o esperado. Nem mesmo os valentões queriam chegar perto dele, o que também era um alívio. Ele tinha alguma conversa civil com algum ou outro aluno, mas em boa parte do tempo ele sumia na multidão, sua única companhia sendo o ocasional espírito que encontrava vagando na cidade, ou mesmo no cemitério.
E foi no cemitério, seis meses depois que havia chegado na cidade, que ele conversou com Conor O'Malley pela primeira vez.
Ele já havia o visto antes, sempre ao lado de uma garota ruiva pelos corredores. Havia boatos sobre um grande evento quatro anos atrás que o segregara quase tanto quando ele. Não que O'Malley parecesse se importar. Cole havia o visto algumas vezes no cemitério antes também, sempre debaixo do grande teixo desenhando, ou perto de uma lápide conversando em voz baixa ou rabiscando algo. Ele nunca notava Cole, mas a mulher sim.
Ela sempre estava com ele, o seguindo pelos corredores, sentada ao lado dele no teixo. O olhar triste, por vezes com um leve sorriso orgulhoso. A primeira vez ele quase não havia notado o que isso significava, até focar nos detalhes. No cabelo raspado e os olhos fundos, o rosto bonito magro e pálido. Ainda assim apenas quando ouviu os boatos ele pode confirmar quem ela era: a mãe dele, que havia morrido de câncer anos atrás.
Ele queria se aproximar e ajudar, mas ela nunca se afastava dele. Ainda assim quando o via ela acenava, um sorriso leve, mas os olhos sempre tristes. Era como sua avó, sempre perto da sua mãe e dele, e Cole apenas sabia que ela não iria embora até ter absoluta certeza que o filho ficaria bem.
Naquela manhã, no entanto, ela não estava lá. Era a primeira vez que o via sozinho debaixo do teixo. A surpresa fez Cole parar de onde saia da igreja, algo que sempre fazia todas as manhãs antes de ir para escola. O rosto dele estava pálido, os olhos verdes fitando as próprias mãos de forma estranhamente confusa. Cole olhou ao redor, esperando ver a garota que sempre estava com ele, mas não havia sinal de ninguém além dos dois.
Como se sentindo o escrutínio, os olhos verdes o fitaram de longe. Os dois se olharam e Cole sentiu algo estranhamente familiar na situação toda.
O viu acenar e acenou de volta de forma incerta, pronto para se virar e descer até o portão.
Até perceber que o outro garoto vinha até ele, as mãos no bolso do casaco, um sorriso leve no rosto que parecia estranhamente aliviado.
— Hey.
Cole piscou aturdido, mas assentiu em resposta, murmurando um cumprimento em retorno. O outro parou a alguns passos de onde estava, ainda no último degrau da igreja.
— Cole Sear, certo? Um ano antes de mim na escola.
Cole não esperava que ele soubesse seu nome, mas pensando bem não era uma grande surpresa. Os dois eram igualmente infames, mesmo que por razões diferentes.
— Sabe me dizer que horas são?
— Quase sete e meia.
Os olhos verdes se estreitaram, olhando para o chão em concentração.
— Não devia estar indo para a escola?
Ofereceu hesitante em questionamento, ainda tentando ver a mulher ao redor. O outro o fitou, o rosto curioso.
— Você também.
— Eu estou indo agora, na verdade. Você vai...?
Para sua surpresa O'Malley sorriu, os olhos verdes brilhando na luz da manhã. O sorriso dele era triste como o da mãe.
— Pode ir na frente, Cole Sear.
Deu de ombros em resposta, mas tentou sorrir também. Deve ter saído algo estranho, porque o outro pareceu estranhamente divertido.
— Certo...
Acelerou o passo com isso, quase tropeçando ao descer, mas se equilibrando em última hora. Ouviu uma risada e focou em um espírito caminhando entre as lápides fitando os dois. Cole o ignorou, se preparando para descer.
— A propósito... – olhou para trás e O'Malley estava com uma mão estendida em sua direção. — Sou Conor O'Malley.
— Eu sei.
Cole desceu até o portão sem olhar para trás. Se O'Malley queria se atrasar, problema dele.
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O'Malley não se atrasou. No decorrer do dia o viu pelos corredores da escola, atrás da menina com que ele sempre andava. Os dois não pareciam estar se falando e notou várias vezes o rosto confuso dele nela.
A mulher ainda não estava lá e Cole pensou que talvez ela tivesse encontrado a paz dela.
Ele só se deu conta do que estava errado quando chamaram uma reunião no final do período no ginásio do colégio. Do último lugar na fileira da sua sala ele viu O'Malley ainda tentando conversar com a amiga, parecendo frustrado. Ele nunca havia visto os dois brigados antes. A expressão dela estava tão ruim quanto a dele, e desviou os olhos dos dois, inquieto.
No palanque o diretor tinha uma expressão sombria e notou, assim como a maioria dos alunos, os policiais estacionados ao redor. Algo havia acontecido. Algo grave.
— Boa tarde a todos. Alguns de vocês já devem estar cientes dos rumores que se espalharam, então a direção resolveu esclarecer os fatos. Um dos nossos alunos, Conor O'Malley do último ano, está desaparecido e qualquer informação sobre ele sobre ele deve ser entregue a policia que está fazendo a busca. Ele foi visto pela última vez...
Cole não ouviu o restante, a voz um pano de fundo distante enquanto seus olhos focavam em O'Malley, que olhava ao redor confuso, tentando falar com a amiga que não o respondia. Que nunca iria o responder. Ele gritou no corredor de pessoas, surdas ao lamento que apenas Cole poderia ouvir.
Os olhos verdes focaram nos seus, tragados, e ele finalmente conseguia entender a razão.
Eles não estavam procurando mais Conor O'Malley.
Eles estavam procurando seu corpo.
Merci pour la lecture!
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