A estrada empoeirada parecia levar a lugar nenhum, e mesmo com a visão já mais que turva e os lábios ressecados, Edward continuava a caminhar e procurar por um abrigo. Ainda se passaram mais alguns demorados minutos até seus olhos avistarem um antigo imóvel naquele lugar inóspito, quase coberto por todas as árvores e arbustos que constituíam o que era a espécie de um jardim.
A grande mansão aparentava ser feita do mais puro ébano, com a construção contendo uma elevada torre e janelas com vidros embaçados. O portão de entrada estava destrancado, com a aparência dos cadeados enferrujados e o material das correntes consumido pelo tempo. O pequeno caminho que levava à porta era de pedras grandes e redondas, com os musgos lutando por espaço entre as fendas das rochas, dando um aspecto cada vez mais sombrio e úmido para o local, e estando na sacada, tocou a campainha.
— Quem está aí? — A voz era macia e portava um tom baixo, mas seu dono não havia se mostrado através da porta ainda.
— Me chamo Edward O'Brien. Procuro um lugar para passar a noite. Ah, e tenho dinheiro. — Não era uma quantia grande, é verdade. Mas desde que decidiu seguir nessa viagem, poupou o máximo de moedas que pode, dormindo muitas vezes ao relento até chegar a um lugar melhor. Porém no momento o nosso peregrino não poderia contar com tantos luxos.
— O'Brien. Espere um pouco, já vou abrir. — O rangido foi alto, indicando que a porta era mais uma velharia a combinar com o resto da casa. Mas não todo o resto. A face alva que agora estava à frente de Edward tinha cabelos tão escuros quanto à madeira que revestia a propriedade, os olhos eram expressivos, com olheiras como havia notado, e o corpo era magro e miúdo vestido com uma camisa preta de mangas longas e calças da mesma cor.
— Sou Colin Greenwood. Proprietário da casa e único herdeiro de Susan e Archie Greenwood. É um prazer recebe-lo, O'Brien. Vamos, entre. Eu estava fazendo chá.
Assim que Ed passou pela porta, os olhos de Colin o seguiram, e era nítida a cautela do proprietário com o interior da mansão. A parede era revestida de uma grossa camada de tinta, com uns poucos quadros que davam mais cor para os lados da casa. Os móveis acompanhavam a primeira impressão que Edward recebeu desde que pisou os pés no terreno, com formas barrocas e claramente do século passado.
— Sinta-se a vontade. A casa... é sua. — Os olhos miúdos do anfitrião estavam vidrados no corpo de Edward como se o viajante fosse um tipo de cálice sagrado pronto a matar sua sede.
— Eu prefiro ficar por aqui mesmo, na sala. É mais confortável para mim, Sr. Greenwood. — Disse com um tom de voz mais sério agora que percebia o olhar do moreno para si.
— Gostaria de saber mais sobre o que lhe é ou não confortável então. — Disse Colin enquanto colocava lentamente dois cubos de açúcar em sua xícara de chá. — Temos a noite toda para conversar. A sós.
Engoliu seco ao ouvir a proposta do anfitrião. Já não era assustador o bastante uma casa que parecia mais um cemitério, ainda tinha que lhe comprovar que estavam a sós naquele mausoléu? Edward estava sentado na poltrona de veludo bordô, mas sentiu uma vontade enorme de apenas sair correndo dali. Mas para onde iria? Teria de ficar. E oras, era apenas uma noite, que mal poderia lhe acontecer?
— É uma bela casa. — Tentando desconversar e evitando olhar diretamente para Colin. — Você tem um jardim bonito. É bem... exótico.
— Obrigado. Eu posso leva-lo até lá se quiser, irá se surpreender. Há uma história que envolve nosso jardim, como um conto de fadas. — A voz do moço continuava macia e tenra, como se não estivesse em uma conversa comum, de forma coloquial, mas sim recitando uma poesia.
Era um tanto hipnótico o ritmo com que Colin falava, e ele falou bastante. Falou dos quadros, falou dos móveis, falou de como os pais se conheceram e de como eles eram uma família feliz até algo terrível, que ele não especificou, aconteceu aos Greenwood. E por mais que Ed fosse um grande fã de histórias familiares, tudo aquilo somado a atmosfera tediosa do lugar estava o matando pouco a pouco por dentro.
Bebericou mais um pouco do chá antes de interromper o monólogo de Colin.
— Então, quando posso conhecer o jardim? É que já está escurecendo e achei a vegetação local bem interessante. — Qualquer coisa para sair daquele morno assunto que Colin havia mergulhado.
— Oh! Desculpe, eu devo ter me empolgado. É que sou muito sozinho, e bem, não há muita companhia por aqui. Na verdade não há nenhuma. — Ed preferiu ignorar a princípio, mas era um tanto estranho um rapaz morar naquele lugar, e pior, sozinho.
— É uma vida meio solitária, não acha? Digo não querendo me intrometer, mas... — Coçava nervosamente a nuca, algo que fazia sempre que estava nervoso. — É que... É...Bom...O jardim. Vamos ver o jardim? Eu sou um grande fã de jardins.
Colin lhe respondeu com apenas um sorriso tímido, pegou um grosso casaco que repousava em um gancho da parede e pediu para Ed o acompanhar. Saíram pela porta da frente, sendo surpreendidos por uma forte rajada de vento frio e cortante.
— Nossa! É como estar na Antártida! — O tom cômico usado por Edward enquanto caminhavam não pareceu abalar a postura serena de Greenwood.
— É bastante frio aqui, o tempo todo. É como uma... maldição. — O rapaz abraçava a si mesmo numa tentativa de se esquentar. O caminho percorrido em volta da mansão revelava que as árvores eram pinheiros e que os arbustos na verdade eram aglomerados de espinhosas, enormes e que o mesmo musgo impertinente tomava conta do chão.
— Pelo menos as árvores sobrevivem. E árvores são sempre bons sinais.
— Ah não, não as minhas árvores. Elas são árvores falsas, de plástico. — Repentinamente Colin parou frente a um pinheiro que possuía umas inscrições indecifráveis em seu caule. Pareceu estar relembrando de algo que o deixou claramente incomodado, pois assim que fitou o caule do pinheiro seu rosto corou e seu cenho agora estava franzido.
— Vamos. Já está anoitecendo, é melhor você comer alguma coisa.
Voltaram para a mansão sem que trocassem uma palavra, e o jantar preparado por Colin era simples, mas qualquer refeição lhe bastava. O quarto ofertado por Greenwood era simples, mas estaria dormindo em uma cama pela primeira vez em dias, era um belo descanso. Porém o sono não durou muito, o frio lhe causava arrepios o tempo todo e nem mesmo o grosso cobertor parecia dar jeito. Sua natureza bisbilhoteira lhe fez pegar a lanterna da mochila e ir desvendar as entranhas da casa, que parecia ainda mais assombrada do que nas horas anteriores.
Perambulando nas pontas dos pés, visitou a cozinha, mas as outras portas estavam todas trancadas. Não todas exatamente. Uma das portas era mais velha que as outras e usando um pouco mais de força o nosso viajor a destrancou. O breu estava à frente de seus olhos, mas assim que direcionou a lanterna, visualizou degraus. Era uma escada. E era um caminho arriscado, afinal, estava invadindo a privacidade de alguém.
Cada degrau foi cuidadosamente pisado, e eram muitos e muitos degraus, e assim que seus pés se fixaram em um terreno plano Ed sabia que era o fim da escada.
Estava no sótão da mansão Greenwood, uma grande porta se destacava no cubículo que havia se enfiado, porém a dar um passo a frente à madeira soltou um rangido um tanto alto que assim que o fez sua primeira reação foi olhar para trás, mas graças ao silêncio o som que se seguiu foi o de correntes que se arrastaram atrás daquela porta. Aproximou-se da porta vagarosamente e bateu com dois toques.
— Colin? Colin é você? — Os olhos de Ed se arregalaram mais que ele poderia descrever a voz que perguntava por Colin não era a dele, era a de alguém que estava atrás da porta.
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