Acho que tô vivendo a crise dos vinte e poucos. Que é quando você não tem mais vinte, mas também não tem trinta, aí fica nesse dilema horrível da vida adulta. Quando você tem amigos casados e com filhos ao mesmo tempo que tem amigos jovens que ainda não passaram por um terço das dores e tristezas e aventuras de ser adulto. Aí você fica nesse misto do ser ou não ser, eis a questão.
Porque esse caminho parece longo e, ao mesmo tempo, curto, uma vez que você já viveu bastante coisa, mas sabe que ainda tem mais coisa, tipo, por exemplo, você ainda não foi no show de metade das bandas que você queria na adolescência, não se formou, não publicou um livro, não provou comidas exóticas, ainda planeja se tornar vegana, morar em essipê ou errejota, cursar uma faculdade de cinema, fazer um filme… essas coisas de jovem pseudoartista. Mas tudo isso você queria ter feito antes dos trinta, e agora você tem vinte e poucos, que é mais ou menos metade do caminho.
Às vezes eu tenho esses momentos reflexivos que me fazem pensar demais sobre a vida e tudo que eu tenho hoje. Minha mãe diz que eu tenho muito: saúde, um teto, comida, ela e meu irmão. Tenho dois gatos independentes e um cachorro carente. E, quando o psicólogo perguntava pra mim qual bicho eu gostaria de ser, sem dúvida alguma, eu dizia que um gato. Ok, ok, que clichê. Ser um gato. Pela independência, pelo desapego, pela facilidade de se adequar a qualquer situação, por ser super sério e cético. Mas é porque ele não conheceu os meus gatos superindependentes, que choram na minha janela todo dia pedindo atenção. Eu meio que sou esse tipo de gato. Independente, mas que precisa de doses de afeto. Que precisa de atenção, mas que gosta do próprio espaço. Que quer ter controle das coisas mesmo sabendo que não dá pra controlar nada.
Essa talvez seja a parte que eu menos gosto dessa crise dos vinte e poucos. A certeza de que a gente não controla nada. Porque, lá nos meus vinte, eu ainda me iludia pensando que eu poderia lidar com tudo só escrevendo. Que escrever seria a minha terapia não paga, o meu tarja preta, meu cigarro metafórico. Aí eu descobri que não. E precisei de uma terapia real e, porque não, um cigarro real também. E doses altas de cafeína. Porque primeiro eu perdi um pai, depois um avô, sem contar os inúmeros amigos, amores. Perdi uma cachorrinha que eu amei muito. e um chaveiro que eu ganhei de presente. Essa parte eu poderia ter evitado. Era só não usar o chaveiro. Mas ok, a vida tem dessas. A gente não controla tudo.
Quando eu era mais nova achei que conseguiria lidar com as coisas do meu jeito, até eu entender que o meu jeito não era certo, que fugir dos problemas, das dores, das questões não resolvidas não era um bom jeito de lidar com as minhas frustrações. Eu só me sentia pior, como se um elefante tivesse depositado a sua pata direita em cima do lado esquerdo do meu peito. E isso dificultasse não só a respiração como, também, os meus batimentos cardíacos. O que culminou nas várias crises, medos, culpas excessivas que nem mesmo o álcool mais barato que existe no mundo poderia curar. E olha que eu fugi muito dessa ideia de que eventualmente todo mundo vai precisar ir à terapia. Até que eu fui. Aí eu entendi o que tinha de errado comigo.
O cara me disse que nem todo mundo consegue ser bem-sucedido antes dos trinta, o que me parecia meio bobo. Porque, dizem por aí, que trinta é a idade do sucesso. Mas eu ainda tô na metade do caminho, e não sei se tive muito sucesso nessa jornada. Talvez seja essa angústia do meio-do-caminho que me assuste um pouco, porque ela não se parece com aquela que eu sentia quando tinha dezoito. Naquela época, eu tinha medo de me afastar das minhas amigas e pavor de não chegar a tempo naquele rolê na praça. Hoje é um medo diferente, aquele de ficar sozinha. Mesmo que eu goste muito de ser sozinha. É aquela sensação de que eu tô envelhecendo, não só eu, mas as pessoas ao meu redor também. O tempo realmente não para, cazuza. mas eu queria muito que parasse.
Pra eu poder descobrir o que eu sou de verdade, pra eu poder contar pras minhas avós, pra elas estarem aqui ainda quando eu finalmente entender o sentido da minha vida. Pra elas me aplaudirem. O tempo pode passar pros meus sobrinhos crescerem e eu poder ser a tia legal que empresta livros, fala de Suassuna e explica sobre Friends e How I Met Your Mother e o porquê das duas séries serem boas iguais. Pra eles lembrarem de mim quando eu for uma senhorinha de oitenta. Pra eu olhar pra trás e pensar que esse caminho entre os vinte e os trinta, depois entre os trinta e os quarenta, até ser entre os noventa e os cem, realmente valeu a pena. Que eu vivi, de verdade, e não só sobrevivi, como eu pensava que seria.
Acho que essa é a minha reflexão sobre os vinte e poucos. Daqui a pouco faço vinte e quatro, depois vinte e cinco. Quando eu piscar, penso, já terei trinta. E se o tal sucesso dos trinta não for, sei lá, um carro e uma casa própria, que seja pelo menos uma vida bem vivida. Ah, e muito, muito amor.
Merci pour la lecture!
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