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O homem-pêndulo balança-se para lá e para cá entre as ramagens internas.

A corda que enlaça seu pescoço range menos monótona que de costume. Em contrapartida, carcome mais voraz e profundamente sua pele. Tritura parte do músculo que cobre a terceira vértebra cervical dilacerada pelo impacto antigo. Não que doesse. Há muito, já não doi! Nem ali, nem no restante de seu corpo dependurado. Por causa da imutável posição, entretanto, está bem mais difícil concentrar-se em mais de um foco ao mesmo tempo, balançando-se assim. Sua cabeça é jogada para os lados desajeitadamente, como uma bola de meia, prestes a se desfazer.

A ferida sangra. O volume do fluído espesso, no entanto, o incomoda. Havia escolhido a corda dentre uma infinidade de opções bem mais rápidas e menos trabalhosas, exatamente por não se dar bem com o sangue. Seu odor, viscosidade e coloração o enojava.

Indiferente a tudo isso, a gigante rasga o solo a um rítmo acelerado e ele se pergunta sobre o motivo. A árvore colossal que o abriga range fortemente suas imensas galhas, provocando um rufar de ar quente de dentro para fora.

A "Velha Senhora" bufa ruidosamente. Tem pressa. Assim, por breves momentos através de frestas que se abriam e se fechavam entre o corpo arbóreo de sua condutora, o homem-pêndulo tem um mínimo vislumbre do exterior. Esforça-se para reconhecer o caminho por onde passavam tão afoitamente. Uma região nada habitual, como constatou mais adiante. Na verdade, uma localidade evitada a todo custo por qualquer ser sob o brêu: os arredores da Cerca.

As poderosas raízes da árvore cessam seus movimentos no subsolo. Elas não ousam se aproximar mais, a partir dali. Aquela região irradia uma energia densa e faminta. Fosse à superfície ou subsolo. Mesmo as folhas da antiga e poderosa árvore murchavam e desprendiam-se amareladas e retorcidas, ressentindo a emanação sugadora da Cerca.

Seu caule colossal estremece. Range um lamento dolorido. Fissuras profundas rasgam sua madeira viva destilando seiva viscosa de odor adoecido.

A árvore recua. Eis o limite de aproximação. Uma breve definição de hierarquia sob as sombras do Vale. O enforcado é sacolejado. A corda o arremessa de encontro a um dos muitos galhos internos, quase provocando a queda de seu lampião. O objeto sacudiu-se. Bruxuleou sua luz mística.

Assusta e afugenta por alguns segundos, espectros entocados. Correm para onde a luz não os fere. Por sorte sua fonte de claridade não caiu, se perdendo no fôsso negro e entrelaçado de ramagens e galhos. O enforcado deixa escapar um suspiro. Não gostaria de portar-se ao pássaro para reavê-lo. Elevou o lampião até a altura onde outrora habitara seus olhos. A chama irreal do pesado objeto protestou dentro da prisāo de cristal e metal oxidado, aumentando sua luminosidade. Boa parte das espêssas lâminas que formam o desenho longo e pentagonal já está tomada por uma crescente camada de fuligem interna.

Porém, a claridade que irradia é suficiente para tornar visível quase tudo que seja necessário. Bastava que o enforcado o aproximasse de suas cavidades oculares e permitisse que a bruma espêssa que desprendia dele, como parasitas em aspirais, entrassem por ali.

Sua cabeça pende sob um dos ombros. Ainda cisma com o porquê da velha árvore se arriscar tanto. A Cerca não iria perdoar sua presença.

Porém, há um processo estranho aqui. A emanaçāo do lugar em questão vibra de maneira diferente, embora ainda inquestionavelmente ameaçadora. O enlaçado aproxima um pouco mais o lampião de seu rosto tombado. Uma estreita, mas estável cortina de ramagens se abre.A luz antinatural rompe a passagem. Desliza pelos galhos e folhas que gemem ao seu toque.

O organismo rejeita, mas tolera sua presença em suas entranhas. Porém, um fato faz-se evidente: a árvore deseja compartilhar o motivo pelo qual arrastara suas raízes até ai. Mantém-se muda até então... Outro motivo para questionar.

- A Velha Senhora está cheia de surpresas hoje, provoca o enforcado.

Direciona sua voz rouca, pronunciando palavras trituradas num sopro impreciso de vogais e consoantes até uma forma abrigada nas sombras.

Sua traqueia rompida dificulta a articulação. Ainda assim, consegue ser ouvido por um pássaro negro que observa em silêncio. Grasna irritado de volta. Sobe até um dos galhos mais altos e pousa furioso em seu ninho cobrindo um par de olhos. Arranca com seu bico algumas penas de seu corpo. Envolve-os. Grasna novamente. Uma advertência possessiva. Quase histérica. Não seria daquela vez.

- Por enquanto... faminto hoopoe.

A árvore range alto e demoradamente. Toda sua colossal estrutura vibra.

O pássaro se encolhe submisso em seu ninho. O enforcado abaixa um pouco o lampião. Reduz a luminosidade. Permite que as sombras o envolvam como um manto pesado. A ordem de silêncio havia sido acatada.

A Velha Senhora aguarda imóvel. O pendular mantém seus instintos focados. Não arrastara suas raízes até ali por nada. Nem tampouco afrontava a Cerca com sua presença apenas por fazê-lo.

Não! Havia um motivo especial e ele estava prestes a descobrir, podia sentir. Os galhos internos exerciam o movimento de comprimirem-se e afastarem-se de forma rítmica. As milhares de densas folhas expeliam um odor sufocante. Estavam cobertas por um líquido frio. A criatura arfa ainda mais. Sua frio. O tempo estagnara. A corda já não rangia mais. O pássaro mantém-se quieto em seu ninho dentro da escuridão, mas seus miúdos olhos amarelos parecem não piscar. Duas esferas diminutas quase imóveis em alerta, observam e acompanham o movimento pendular da corda e seu ocupante. Ele já está prestes a desistir de descobrir o que se passava, quando seu pescoço vibra na altura do laço. A corda range baixinho e sutilmente o empurrou para frente. Seu corpo inicia um leve movimento rotatório quando um rígido galho acorda e desenrola-se como uma serpente preguiçosa, envolvendo sua cintura.

Desprende uma suave pressão, o suficiente para posicioná-lo. Sente que outra ramagem desliza por seu antebraço alcançando sua mão que prendia o lampião. Rasteja-se por ela roçando sua pele, comprimindo seus dedos na alça morna, garantindo que ele não escaparia. Feito uma serpente que se ergue para o bote, leva o objeto à meia altura um pouco à frente. Outra ramagem desenlaça-se em sua direção vinda da parte superior. Passa pelo ninho do pássaro arrancando um amedrontado grasnar de protesto. Para por um momento. Os olhos do pássaro perderam o brilho amarelado confundindo-se com o tom escuro de suas plumas.

A ramagem espera um pouco mais até ter certeza da submissão da ave e prossegue sua descida. Alcança a nuca do enforcado, abrindo caminho por entre seu cabelo, descendo até seu pescoço. Conta suas vértebras até atingir o local exato da ruptura. Num movimento lento e circular, envolve-o, volta após volta.

O enforcado teme o pior.

A pressão aumenta a cada ciclo completado. Até que, já no limite entre a base e acima da epiglote, o movimento cessa. Há um puxão à meia força e sua cabeça está erguida. Verticalmente como antes.

O homêm-pêndulo tenta falar, mas, a vértebra destroçada o impediu. Pressiona a parede interna da laringe. Impede a passagem do ar. Tem que se esforçar para controlar o espasmo que brota. Seu corpo sacode-se como um boneco de pinhata grotesco. Não iria morrer. Não outra vez, visto que esse direito já lhe fora tomado. Apenas sofrer a angústia extrema da ausência de oxigenação. Isso, seu corpo não poderia evitar.

A ramagem da cintura potencializa a pressão. Suas narinas dilatam-se em busca da quantidade emergencial de ar. Seus pulmões buscam oxigênio descompassadamente. Esganiça. Sacode-se. Com a mão livre tenta desesperadamente afrouxar o laço ferindo as pontas dos dedos.

Mas, nada de pronto acontece. Sente suas têmporas incharem a ponto de parecer que explodiriam a qualquer segundo. Suas pernas pesadas se debatem no ar. Um longo zumbido anuncia que sua lucidez esta prestes a deixá-lo, quando o pássaro dá-se por satisfeito e grasna.

A ramagem em torno do pescoço afrouxa-se um pouco. Até que seu sistema respiratório volta a operar em forçosa harmonia. Tal qual um corpo sonâmbulo que perambula.

O homêm-pêndulo, lentamente sente os espasmos cessarem. A corda quase não range mais. Minutos passam lentamente por entre os galhos.

O enforcado não sabe bem o que fazer ou esperar. Mesmo que apenas a segunda opção seja a real escolha. O que se passa lá fora será compartilhado com ele. Isto está evidente pelo cuidado de que se dipôs a árvore. Silêncio...

O interior da Velha Senhora é como um sepulcro na maior parte do tempo. Cortado apenas pelo rangido monótono da corda, alguns tristes cânticos soprados pelo vento que às vezes irrompe as folhagens.

Talvez, curioso com o que poderia habitar as entranhas da antiga árvore. Talvez, assustado demais por cruzar seu caminho, saindo dali por entre a folhagem pesada, o mais rápido possível. Nem mesmo o pássaro lhe dirige breves palavras sem que a árvoreassim ordene. Sombras e solidão. O ranger da forca e algumas lembranças se esvaindo como tempo. Aquieta-se. Espera. Seu braço continua erguido e sustentado na mesma posição à sua frente. Vez ou outra alguma gota de seiva mal-cheirosa colide com seu rosto. Espalha-se pelo escasso cabelo, escorre pela pele arroxeada da testa e penetra no vazio de suas cavidades oculares. Deixando um gosto amargo escorrer por sua garganta.

Assim permanece por um tempo sem conta, até que um tremor moderado se espalha por galhos e folhas fazendo a corda vibrar.

A árvore finalmente saíra de seu ostracismo. O abdômem da criatura se contorce e centenas de ramagens e galhas de pequeno porte se desvencilham umas das outras. O lampião é afastado ainda mais, deixando um rastro lúgebre a ser seguido. Foi prontamente atendido, e o enforcado levado para fora. Está com o corpo empapado pelo calor abrasador do interior e o ar externo, embora nada suave lhe parece deliciosamente fresco. Engole dele o quanto pode.

Ergue o rosto para o céu escuro à procura de algo que não fossem galhos ou ramagens. Imagina estar errado por algum tempo. Força-se a compreender e decifrar o que via pelo vazio de suas oculares: Guarda-chuvas!

Estava chovendo...

Guarda-chuvas.

Todo o firmamento está tomado por eles. Flutuam. Geme ao girar. Alguns caem como raios, zumbindo furiosos. Uma tormenta. Tudo ao mesmo tempo. Porém, nenhum daqueles milhares de corpos cuspidos pelo céu gangrenado não ousa se arremeter sobre o solo da Cerca. A gigantesca árvore permanece imóvel. Olha fixamente para frente.

Uma expressão indecifrável toma suas feições. Sem ao menos lhe dirigir o olhar, trás o enforcado para um de seus ombros.

O lampião aproxima-se mais. Iluminou parte do ar escuro.

A antiga criatura remoe o solo com suas raízes.

A maldita Cerca iria pagar por cada minuto em que apodrecia sua seiva, lenta e indefinidamente, naquele lugar esquecido.

O tempo da "Velha Senhora" finalmente chegou!

3 Novembre 2022 10:16 0 Rapport Incorporer Suivre l’histoire
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