amonra Amon Ra

Com uma pequena equipe (seis ao todo) mas bem diversificada (vampiros, anjos, demônios, humanos e andróides) as Piratas Espaciais cruzam o espaço em busca de... não de aventura, mas grana mesmo. E, cá entre nós, elas são boas no que fazem. Muito boas, aliás. O problema surge quando uma criatura com poderes onipotentes se apresenta como Deus e resolve negociar um contrato de serviço. Ação, filosofia e conversas bem estranhas (nessa respectiva ordem) será o prato do dia para Freya, Lídia, Greta, Hel, Hilda e Sigrid.


Science fiction Déconseillé aux moins de 13 ans.

#aventura #ação #comédia #deus #fantasia #ficção #ficção-científica #filosofia #lgbt #magia
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.:kiritos:.

O planeta Korm reluzia o azul de sua superfície ao girar ao redor do sol. Uma bolinha no vácuo cuja atmosfera era um halo azul-esbranquiçado e onde as nuvens boiavam igual creme.

Perfurando o topo dos bilhões de litros d’água que davam a cor ao planeta, ilhas pontilhavam a esfera da mesma forma que verde, marrom e areia pontilhavam as ilhas.

Rochas e vida salpicavam os mares.

E bolas de pedra salpicavam a órbita de Korm.

Grandes bolas de pedra.

Não tão grandes e nem tão distantes quanto luas, mas mesmo assim largas o suficiente para caberem um casal de kiritos dentro.

Um trabalho de engenharia invejável, considerando-se que cada casulo era formado por milhares de rochas menores amarradas em um arranjo esférico. Com um buraco que penetrava até o núcleo, a porta de entrada parecia a pupila de um olho terrivelmente ressecado.

E foi por aí que Hilda e Freya invadiram.

Sem campainha ou porta, entraram sem bater ou sequer anunciar sua chegada.

O que não teriam conseguido mesmo que quisessem.

Boiando além do alcance de qualquer atmosfera, as bolas flutuavam imersas no vácuo completo, impedindo qualquer som de sair vagando por aí, inclusive os passos das duas piratas.

Descendo calmamente pelo túnel largo o suficiente para caber um ônibus na transversal, as duas pareciam estar a passeio. Seus olhos dardejavam pelas paredes, admirando a decoração rochosa do lar de um “inseto espacial”.

Se bem que kiritos não são insetos.

Insetos não respiram mana.

Mas eram parecidos o suficiente para receberem o apelido.

E como nenhum reclamou até hoje…

– Lugar nojento, – disse Freya movendo a boca sem produzir som algum. O que não impediu Hilda de ouví-la.

Usando o rádio mental, um aparelho grudado magicamente atrás de sua orelha, ela transmitia seus pensamentos verbais para a andróide ao seu lado e para a nave estacionada na porta do buraco.

Sem essa tecnologia, seria um pouco mais complicado para a vampira e a robô conversarem.

O que nos leva a uma explicação sobre elas.

Ou melhor. Algumas.

Primeiro, nem Hilda e nem Freya estava usando trajes espaciais. Isso porque uma era uma máquina, e a outra era uma vampira. E vampiros não respiram.

Mas sentem frio.

Embora o espaço não seja exatamente frio.

Sim, o espaço sideral não é frio. Para ser frio, é preciso haver uma coisa que absorva o calor. Como uma atmosfera, por exemplo.

Mas as coisas congelam no espaço.

Então como...?

Porque as coisas irradiam calor. É como se vazassem energia até não sobrar nada. E como a maioria dos objetos não gera seu próprio calor, elas congelam.

Ou seja, você não congelaria. Seu corpo gera calor, o que ilumina o mundo ao redor em infravermelho. Embora você não possa ver seu próprio brilho, você é uma estrelinha.

E Freya também era.

O que a obrigava a se preocupar em manter-se aquecida. Uma vampira pode até estar clinicamente morta, mas é uma boa ideia manter a água do corpo líquida. Senão fica muito difícil de andar.

E, para impedir que ela vazasse sua preciosa energia quentinha, a capitã do galeão espacial Vespa caminhava envolta em sua capa preta em forma de asa de andorinha e de seu uniforme cinza de general, alterado o suficiente para o gosto de uma fora-da-lei.

A gola da capa, vermelha por dentro, subia ao redor do pescoço protegido por um cachecol, o que a fazia parecer um Drácula com frio.

Suas mãos estavam cobertas por luvas negras; seus pés, por botas de cano alto de mesma cor; e sua cabeça, por um quepe quase tão escuro quanto, enfeitado com uma caveira e dois ossos cruzados.

Abaixo do chapéu, havia uma cabeça.

A de Freya.

Uma cabeça de cabelos negros lisos, que, quando iam tocar os ombros, desistiam e subiam em repicados. Mechas roçavam-lhe as bochechas até quase alcançarem a boca negra em forma de coração.

Bem acima desse par de lábios, alinhados com a ponte do nariz arrebitadinho, estavam seus olhos. Um amarelo e o outro ausente, tendo em seu lugar um tapa olho eletrônico, também preto (qual seria a cor favorita dela, eu me pergunto). E no centro do tapa-olho, havia um círculo pontilhado por três furinhos em formação triangular.

Câmeras.

Cada uma com uma função.

Bem útil. Dava para assistir aos jogos onde quer que estivesse. Entre outras coisas.

Ao descermos pelo seu corpo esguio até pararmos no cinto (adivinha de que cor), era possível avistar três espadas de calor pendendo e balançando a cada passo: uma de um lado, duas do outro.

Eram lâminas comuns.

Até serem envolvidas em uma camada de mana que as tornava capazes de cortar rocha.

Também bastante útil. Não dava para assistir aos jogos com elas, mas dava para extravasar a frustração cortando pedras caso seu time perdesse.

Mas se ela tem dois braços, para que três espadas?

Bom, isso fica para depois.

O curioso aqui é que é que, mesmo sem a proteção de um traje, o sangue de Freya não fervia.

Ahn?!

Momento “você sabia?”. Você sabia que na ausência de uma pressão atmosférica decente, ou seja, no espaço, a água é ou gelo ou gás, mas nunca líquida?

Fato curioso: o sangue contém água. Daí que você sem proteção no vácuo teria o sangue (e todo o restante de sua água corporal) borbulhando.

Mas não Freya.

Porque ela é uma vampira.

E vampiros conseguem aumentar a resistência do próprio corpo para manter essa pressão. É como se vestissem um traje invisível, na forma de uma camada de mana fina como papel, recobrindo todo o corpo.

Tipo um sanduíche embrulhado em filme plástico, só que com magia.

E com mais resistência.

A ideia original dessa habilidade não era ajudar ninguém a ir para o espaço, mas sim proteger os vampiros de ataques inimigos, na época em que essa raça não se dava lá muito bem com as demais.

Bom, mas chega de Freya. Acho que já temos uma boa imagem dela.

Vamos falar agora sobre Hilda.

Como eu disse, ela é uma máquina. Nem sempre foi assim, mas essa é uma outra história. Para essa, vocês precisam saber que ela é uma inteligência semi-artificial em um corpo quase todo artificial.

Basicamente uma boneca articulada.

Uma boneca vermelha com detalhes em branco e amarelo.

E uma cabeça caucasiana no topo.

Uma que revelava os mesmos dezoito anos de seu corpo original.

Também chamados de golens, os andróides existem desde a antiguidade, sendo animados puramente por magia.

Lógico que a tecnologia avançou de lá para cá e agora os corpos artificiais possuem tato e paladar, além de materiais melhores do que ferro, pedra, tecido e madeira, permitindo assim partes macias como as mãos e o rosto, por exemplo (falar com bocas de aço não é exatamente fácil. Beijar com elas então menos ainda.)

Como Hilda não possui líquidos corporais e só começa a parar de funcionar em temperaturas mais próximas do zero absoluto, as preocupações da vampira não eram as mesmas para ela.

E nem as silhuetas eram as mesmas.

Freya era mais alta. Hilda, mais baixa.

E mais magra.

Tá, ela podia ser gorda se quisesse. Mas ela quis manter a mesma silhueta de palito de quando era carne e osso. Ou só osso.

E quis manter também o mesmo cabelo.

Literalmente.

Orgânicos, foram transferidos do corpo original para o mecânico e agora ela era uma boneca articulada com magníficas madeixas cor de mel descendo em ondas por suas costas até parar nos joelhos.

Quer dizer. Em outros dias ele seria assim.

Para roubar ovos de kirito, cabelos soltos não são exatamente a melhor opção em segurança. No lugar da cascata capilar, uma bola de fios formava um coque no topo da cabeça sintética.

Após escanear o ambiente ao redor em várias faixas de frequência de luz, os olhos vermelhos voltaram ao padrão, focando em um ponto na parede:

– Isso é baba? – A andróide perguntou sem som, sua voz indo direto para a mente da capitã. – Esses fios brilhosos são baba?

Fios grossos semi-transparentes agiam como teia, grudando e mantendo coeso as pedras que davam forma ao casulo. Era como se alguém tivesse amarrado tudo com chiclete.

– Eu acho que sim, – a expressão de Freya era sua reação em forma de rosto. Parando para ver de perto, ambas tocaram a saliva congelada tão ou mais resistente que nanofibras de carbono. – Hein, amor, ocê que sabe mais do que a gente, como os kiritos fazem esses cafofos?

A voz de Lídia entrou direto em suas mentes, vinda da Vespa:

– Então, eles constroem na superfície do planeta com esses fios de muco, que é uma mistura de proteínas com mana. Enquanto eles amarram as pedras, eles vão expelindo secreções ricas em magia vermelha, que fazem o casulo inteiro levitar igual um balão.

Eeeew! – Fizeram as duas piratas puxando as mãos rapidamente.

Hilda perguntou ainda se remexendo em asco:

– Quer dizer tudo aqui está babado?

– Sim. Estão vendo um brilho meio laranja, meio avermelhado na rocha?

Freya respondeu observando pontinhos luminosos se acenderem e apagarem:

– Tamo. Parece purpurina.

– Então, essa é a secreção de mana vermelha. Ela vai decaindo aos poucos, o que faz a bola descer de volta ao planeta. E o tempo que leva para os ovos eclodirem e os filhotes atingirem a idade madura é exatamente o mesmo que leva para o casulo voltar à superfície.

– Que legal, – disse Hilda.

– Nojento, – disse a capitã. – Mas legal, realmente.

Voltando a descer o corredor na direção do núcleo, as duas passaram a se manter visualmente atentas.

Sem som, seria difícil ouvir a aproximação do enxame.

Um dado legal sobre os kiritos: a fêmea mata o macho após o acasalamento e usa seu cadáver para pôr os ovos. E, durante o tempo em que leva para chocá-los (em outras palavras, impedindo que seus futuros filhotes congelem) a fêmea não pode se mover.

Então, para auxiliar sua prole a romper as cascas e se alimentar com a carcaça do macho, havia um segundo tipo de ovo. Um menor, de onde saíam o que pareciam ser aranhas.

Embora aranhas não tenham dez patas.

Ou uma boca de quebra-nozes.

E também não são bolas de queratina sem ânus.

Sim, o enxame era formado por criaturas sem cú. Daí porque eram tão perigosas.

Quem tem cú tem medo.

E elas não tinham nem um e nem outro.

Por sorte, a ausência de predadores no espaço as deixavam um tanto relaxadas, preferindo a ação somente em casos de extrema necessidade. Sem sistemas digestivos, as aranhas precisavam poupar ao máximo sua reserva única e não renovável de energia.

Freya e Hilda conferiram suas pistolas nos coldres, todas de projéteis de chumbo (também conhecidas como “balas”). Havia a opção de usarem as de laser, mas a ligeira demora na recarga entre os disparos podia ser a diferença entre serem mortas ou não por aranhas sem cú. As de mana também seriam úteis, mas elas precisam de oxigênio ambiente para realizar a reação explosiva.

A dupla se aproximou do final do corredor, que acabava abruptamente ao se expandir largo e alto o suficiente para caber uma mansão.

E ali havia de fato uma mansão.

Uma muito confortável, aliás.

Para os padrões de um kirito, é claro.

Um imenso salão esférico se abria diante da dupla, na qual se via uma massa do que parecia ser um verme do tamanho de três baleias azuis, aberto da boca até a cauda e enrolado feito um rocambole. Dentro do corte em seu dorso, vários ovos de cristal translúcido, com miolos em luminescências roxas ou azuis, se apertavam uns contra os outros feito uma platéia. As luzes azuis se moviam, enroscando-se em si mesmas, enquanto as roxas não.

Paradas por sobre a parede esférica, as malditas criaturas sem medo se aglomeravam, cobrindo cada centímetro quadrado de superfície. Pareciam uma massa única de bolinhas e alfinetes articulados. Do tamanho de cães, as coisas eram grandes o bastante para darem medo e pequenas o suficiente para serem difíceis matar uma de cada vez.

Por fim, a coroa da cena: o verme mãe.

Em uma espiral ao redor do cadáver do macho, ela era duas ou três vezes o comprimento do ex-marido e emitia uma luminosidade ao longo do corpo que parecia ser suficiente para manter o calor da sua cria.

Havia patas, mas eram pequenas em comparação à sua massa inchada no processo de gerar energia térmica. Parecia um grande intestino grosso azul espetado com palitos.

– Lídia, amor, ocê tem certeza mesmo que é seguro entrar assim e pegar esses ovos? – Freya perguntou.

Normalmente, roubar ovos de kirito se resumia a sair atirando e incinerando tudo que se movesse para só depois contar os espólios. Porém…

– Sim, tenho! Você não vai matar essas criaturas, ouviu, dona Freya!

– Porque não?! Elas são nojentas!

– Elas são protegidas por tratados interplanetários!

– E daí!? Nós somos piratas!

– Elas são protegidas por mim então, sua malvada.

Malvada!? Eu?! Quem foi que me convenceu a arriscar meu pescoço pra entrar e sair desse ninho sem matar nada?

– A ciência.

– Que mané, ciência! Ocê ainda me odeia por acaso? Todo o nosso romance num seria um plano seu pra matar sua velha inimiga, né?

– Droga, você me pegou.

– Engraçadinha.

Hilda segurava o riso. Freya, vendo isso, mandou no canal privado:

– Ei, sua boneca cabeluda, se continuar rindo te mando para a prancha! – Mas a ameaça se perdeu no humor em seu rosto.

A menina ergueu as mãos em rendição, porém sem conseguir relaxar as linhas de magia que mantinham sua pele de polímeros sorrindo.

– Ah, só mais uma coisa, docinho, – a voz de Lídia se fez ouvir, – não vá esquecer de trazer uma larvinha para mim, tá?

– Ah qualé. Se eu sair viva daqui eu te trago um pedaço meu, pode ser?

– Depende do pedaço.

Dessa vez foi Freya quem riu:

– Ocê é a pior! Eu sou sua capitã! Ocê num pode me tratar assim.

– Não é isso o que você fala quando estamos sozinhas.

Ei!

A falta de ar nunca foi tão bem vinda. Hilda gargalhava. O resto da tripulação também.

– Ninguém me respeita por aqui…

– Você sabe que eu te amo, não é?

– Sei…

– Então você vai fazer esse favor à sua namorada linda e maravilhosa e trazer alguns ovos e uma larva sem matar nada.

– Eu vou tentar, ouviu! Esses bichos são perigosos.

A voz de Sigrid de repente se vez ouvir:

– Se cuida, Hilda.

– Vou me cuidar, não se preocupe.

– Eu te amo muito, tá?

Hida sorriu:

– Eu também te amo muito, biscoito.

O afeto de Sigrid foi audível:

– Adoro quando você me chama de biscoito.

– Eu sei.

Silêncio fofo e, de repente:

– Se você morrer, sua pirralha, eu vou até aí e te mato ouviu? – Era sua irmã Greta.

As duas riram e a caçula respondeu:

– Relaxa, se eu morrer, vocês têm ainda a minha cópia aí no sistema da nave.

– Ah, não vale, pô! Você mesma disse que ela não tem consciência. Não é a mesma coisa.

– É perto o suficiente.

– Claro que não. Ela não tem sua cara de bunda.

– Ei! É cara de bundinha de neném para você, tá! Eu sou uma fofura mesmo com cara de traseiro.

E as duas riram outra vez.

– Não, mas, sério, Hilda, se cuida. Mesmo que a “Navilda” tivesse consciência, a gente não tem mais nenhuma cópia sua. O conflito que deu com a placa velha acabou corrompendo o arquivo. O Hel teve que formatar o cristal e a gente perdeu tudo. Nem as cópias de segurança se salvaram. Ou seja, se você morrer, não vai sobrar nada.

Jura?! Caraca, não sabia que o problema tinha sido tão sério. Então quer dizer que a Vespa está sem mente?

– Sim. Quem está pilotando é a Lídia.

Freya deu um sorriso zombeteiro:

– O que significa que ocês tão mais fodidas que a gente.

Ei!

A capitã ria e ria.

– Eu sei pilotar melhor do que você, tá, sua pirata de piscina! Te deixei comendo poeira em Zigma-4, lembra?

– Lembro… e ainda me roubou o fóssil de kalamar…

– Claro! O lugar daquilo é num museu!

– Sim. No museu que me pagasse mais.

Você é que é a pior, Freya.

A pirata riu:

– Hehe, eu sei, – e com o silêncio que se seguiu, veio a deixa:

– Ok, galera, – Freya estalou o pescoço, – chega de putaria, ‘bora trabalhar. Hildinha, vamos repassar o plano mais uma vez.

– Ok. Você vai levitar até os ovos e eu vou te dar cobertura. Fim.

– Perfeito. Curto, mas intenso. Essas coisas, teoricamente, num vão atacar a gente. ‘Cum nós no espaço, elas num vão imaginar que a gente é predador. Mas se elas mudarem de ideia, fogo nelas.

– Ok.

– Se ocê se vir cercada e eu num tiver voltado ainda, o que a gente faz? – Freya perguntou para confirmar.

– Eu aciono o código “Greta”.

– Perfeito. Greta, ocê já tá em posição?

– Sim, capitã, – disse a voz da garota. – Já calibrei as M7 para mirarem somente na assinatura dessas aranhas escrotas.

Cada substância e criatura viva emite uma frequência de magia.

E ninguém ali queria que as metralhadoras rotativas errassem o alvo.

– Ótimo. E num se esqueça: só salta pra a Vespa depois que a gente se agarrar no Cubo, ouviu?

– Por que diabos eu saltaria antes?!

– Porque ocê me deve mais de cem créditos!

– Ah, é verdade. Eu vou te pagar ainda.

– Sei…

– Tira a minha parte de quando a gente vender os ovos.

Freya sorriu:

– Relaxa, lagostinha, depois a gente resolve isso. Deixa eu ir lá antes que eu me arrependa.

– Minhas larvas, hein! Não esquece.

– Tá... – Freya voltou-se para Hilda. – Pronta, robozinha?

Duas pistolas automáticas saíram do coldre e apareceram nas mãos da menina em uma velocidade que deixou a capitã mais tranquila. As íris vermelhas se moveram internamente, trocando as lentes e acionando o sistema de mira automática similar às das M7.

– Pronta, capitã.

– Ótimo. Se eu morrer, ocê fica com os meus discos dos Gordons, – e abandonou o solo, levitando como se estivesse verdadeiramente em órbita.

Ei! Eu queria os seus discos! – Lídia exclamou.

– Ocê já vai ganhar uma larva, num reclama.

– Se você morrer eu não vou ganhar nada. Nem ovo, nem larva, nem discos.

– Vai ganhar tristeza. E as minhas calcinhas.

– Você vai doar a sua coleção dos Gordons para a Hilda e me deixar com suas calcinhas?!

– Claro que não! Ocê pode ficar ‘cas minhas meias também, – Lídia ria do outro lado, mas Freya tinha seu rosto sério, observando atenta a movimentação suave das aranhas.

Abaixo, acima e ao redor dela, milhares de criaturas oscilavam suavemente em suas posições, prontas para entrarem em ação. Estavam tão aglomeradas que era impossível distinguir uma da outra não fosse pelos seus corpos esféricos.

A espiral formada pelo verme-mãe se aproximou.

– Capitã, – chamou a única voz masculina do grupo.

– Sim, Hel, pode falar.

– Estou vendo aqui, parece que tem movimentação no meio dos ovos.

– Como assim?

– Eu acho que eles vão chocar.

– E isso é bom ou ru…?

Isso é péssimo, amor! – A voz de Lídia gritou. – Pega logo os ovos antes que eles eclodam!

– Por quê?! O que vai acontecer?

– As aranhas vão ser acordadas e vão para o centro do ninho!

– Então num é melhor eu voltar?

– Não! Vai lá! Você já está quase chegando! Faltam só cinco metros!

– Eu num quero morrer!

– Você não vai morrer! Você não é a Grande Capitã Freya?!

– Eu num era “grande” antes ‘procê! Se eu me lembro bem, eu era a “filha da puta da capitã Freya”.

– Tempos passados, amor. Você é a Grande Capitã Freya agora.

– É… mas eu num fiquei grande morrendo toda hora, – mesmo assim, Freya seguiu até pairar sobre os ovos mais próximos. – Hilda, fica esperta!

– Pode deixar, – mesmo sem ouvir, a capitã sentiu as pistolas serem acionadas à distância. Os canos longos e negros reluziram no escuro aos olhos vampíricos e robóticos.

Freya focou-se na visão dos cristais brilhando em roxo e azul, deitou-se em pleno ar e foi descendo como se uma corda a estivesse baixando. Seus cabelos e roupas levitavam, envoltas que estavam na magia vampírica.

A capitã abriu a bolsa que trazia à tiracolo sob a capa e esticou a mão na direção dos ovos. Um, dois, três, quatro, cinco. Todos roxos. Gorados. Os azuis é que estavam com os futuros kiritinhos. Justamente os que estavam se movendo.

De repente uma rachadura se desenhou em um.

E em outro.

E em cento e vinte ao mesmo tempo.

– Oh, merda...

– Capitã/Amor! Corre! – Hilda e Lídia gritaram simultaneamente pelo comunicador mental, mas Freya já havia percebido a movimentação.

As bolas de queratina e suas patas começaram a descer na direção do casal de vermes. Uma floresta de agulhas articuladas convergindo na direção da vampira.

Freya esticou a mão, agarrou uma larva azul brilhante que acabara de sair do ovo, enfiou-o na bolsa, disse “eca” e tentou voltar.

Mas a levitação é lenta.

Muito mais do que as aranhas.

Que começaram a se aglomerar abaixo dela em uma pirâmide cada vez mais alta.

Do teto, saltaram algumas. E foram imediatamente alvejadas pela andróide.

Mas não em número suficiente. Hilda era rápida, mas as aranhas eram em maior quantidade. E a levitação, lenta.

Freya não tinha opção. Teria que agir.

Lembra da terceira espada? Então…

Freya puxou sua capa em “V” e jogou-a nas criaturas que estavam quase alcançando seus pés.

Antes mesmo que o tecido terminasse de tocar as primeiras, seus três braços já haviam pego uma espada cada um.

Sim, Freya tinha um braço-de-golem articulado nas suas costas que brotava de um ponto flutuante a menos de um centímetro de sua pele.

Era magro como um esqueleto, mas veloz como a dona.

O tapa-olho acionou um sensor interno. Captação de mana.

Focando a magia emitida pelos objetos, ele podia formar imagens nítidas. Agora ela enxergava à frente e atrás, podendo cortar com suas lâminas o que viesse em ambas as direções.

E Freya era famosa por suas espadas.

E velocidade.

Mas não exatamente pela precisão.

Enquanto as aranhas eram alvejadas pela andróide, a vampira separava bolas ao meio, arrancava pernas ou fazia os dois ao mesmo tempo, tudo tão rápido quanto um borrão. “Liquidificador” era seu apelido.

O problema era que as criaturas pareciam infinitas.

A pirata era uma palha em meio ao agulheiro.

Lídia estava em pânico no rádio, mas Freya não conseguia responder.

Calma! Tô voltando! – Foi o que saiu entre um corte e outro.

Em dado momento, Hilda se viu recuando quando uma parte do enxame subiu até o túnel e correu em sua direção.

Os disparos não faziam barulho, mas os gases incandescentes que saíam dos canos eram um espetáculo suficiente para atrair a atenção dos insetos de queratina.

Capitã! Capitã! Estou tendo que recuar!

– Sim, eu vi! – Freya estava a meio caminho.

A meio caminho e seu suporte já estava sendo pressionado. As balas provavelmente já estavam na metade, mesmo com os cartuchos estendidos. Freya estava quase se afogando em patas e bocas.

Ela precisava chegar logo no túnel. Precisava arranjar uma forma de acelerar.

– Eu vou cair! – Anunciou de repente.

– O quê?

– De propósito!

O quê?! – Toda sua tripulação gritou ao mesmo tempo, embora apenas sua namorada tenha acrescentado:

Ficou louca?!

– Hilda! Me dê cobertura!

– Não vou conseguir! – A andróide estava cada vez mais para dentro do corredor.

20 balas.

Você vai morrer, amor!

15 balas.

– No três, Hilda! Preciso da sua ajuda!

Freya, não faça isso!

10 balas.

– Calma aí!

7 balas.

Freya, por favor!

5 balas.

– Três…

– Não, espera!

– ...dois, um!

Freya parou de levitar e deixou a gravidade atuar sobre ela, caindo em cima do emaranhado de patas e bolas. Borrões avermelhados (três para ser mais exato) cortaram as aranhas com ainda mais facilidade.

Até a rocha foi marcada a fogo.

Hilda cadê oc…?!, – mas dois raios vermelhos calaram a capitã. Laser e as cinco balas restantes voaram dos olhos da andróide e das pistolas, acertando as criaturas.

Assim que se viu livre o suficiente e sentiu o piso firme de pedra sob os pés, mesmo quase afogada em criaturas, a vampira se agachou e saltou.

Um rastro de insetos se formou ao longo da parábola que seu corpo descreveu pelo ar, com algumas aranhas tendo conseguido se agarrar ao morder-lhe a carne, beliscando fora pedaços inteiros dos músculos dos braços e pernas mesmo com sua resistência no máximo.

Não havia ar nos pulmões de Freya.

Mas eles se contraíram mesmo assim.

A capitã da Vespa caiu espirrando sangue e rolando no chão ao lado de Hilda, seu corpo vampírico já se curando, fechando o mais rápido possível as feridas horríveis das dentadas das criaturas sem cú.

Seu uniforme estava encharcado de vermelho borbulhante.

GRETA! – Hilda gritou erguendo Freya. Sem hesitar, correram ambas em alta velocidade ladeira acima, seguidas nos calcanhares por aranhas velocistas.

Sem pedir permissão, a andróide roubou a pistola do coldre da amiga, disparando para trás nas aranhas.

Pele nova já cobria as fibras de músculo recém construídas nos braços da capitã. Mas não em suas pernas. Severamente mordidas, ainda não haviam se curado o suficiente para deixarem de mancar.

A quantidade de balas na pistola também não ajudou muito. Em pouco tempo o dedo da andróide se viu apertando um gatilho morto.

– Elas estão alcançando a gente! – Hilda gritou pouco antes da espada às costas de Freya dividir a primeira aranha.

Se parassem, seriam engolidas vivas.

SAI DA FRENTE! – Uma voz gritou no rádio.

Capitã e menina obedeceram.

Hilda empurrou Freya para um lado ao jogar-se para o oposto.

Duas rajadas silenciosas passaram no meio das duas, abrindo crateras na pedra e esmigalhando as aranhas como se fossem isopor.

Rajadas que reluziam em amarelo e soltavam fumaça. Cem balas por segundo rasgando o vácuo sem qualquer ruído, exceto pela vibração que subia pelos pés de Freya e Hilda enquanto corriam a distância final até o Cubo.

Cubo. O nome é suficiente, imagino. Só falta descrever que embaixo dele havia quatro patas abertas como as de uma aranha mecânica e, dentro, uma Greta pilotando. Ah, sim, e havia duas metralhadoras de seis canos girando nas pontas dos braços dianteiros da máquina.

Não era um robô pequeno. Mas dentro cabia só um piloto, no máximo um carona espremido atrás do assento. Três pessoas se alguém sentasse no colo do condutor.

O que nem Freya e nem Hilda tinham o tempo ou o interesse de fazer.

Cada uma agarrou uma das várias alças de aço espalhadas pela carenagem e gritaram:

VAI, VAI, VAI, VAI…!

De ré, o robô recuou atirando, as balas cada vez mais escassas e as aranhas cada vez mais perto. Com os insetos cobrindo cada superfície do túnel, era impossível acertar todas.

Hel! – A demônia gritou de dentro da cabine. Rodas foram acionadas nas pontas das patas. – Puxa ‘saporra AGORA!

É pra já! – E, no mesmo instante, o robô sentiu um tranco quando o cabo de grafeno o arrastou com toda força na direção da seção de carga da Vespa.

O veículo quadrúpede trepidava feito louco, pequenas que eram suas rodas em comparação com as rochas do piso.

Mais de uma vez Freya e Hilda tiveram que cortar e perfurar com lâminas e laser as aranhas que conseguiam alcançá-las. O que não era nem um pouco fácil de se fazer enquanto se é sacolejado feito uma britadeira.

E estava para ficar mais difícil ainda. As balas das M7 acabaram.

Os canos giraram soltando apenas fumaça.

E as aranhas em cima delas.

Freya e Hilda não conseguiam mirar direito.

Estavam para ser engolidas vivas quando...

O Cubo foi arrancado do buraco do casulo feito uma rolha de champanhe, voando do ninho até a nave igual um cometa. Um jato de aranhas saltadoras seguiu na cola, formando uma cauda.

Algumas caíram planeta abaixo.

Outras não.

O Cubo bateu com força no piso da seção de carga, capotando e obrigando vampira e andróide a saltarem com agilidade para não serem esmagadas.

Lídia, tira a gente daqui! – Gritou Freya cortando as criaturas que conseguiram pular para dentro do galpão.

Pouco antes da porta deslizante em três camadas se fechar, a capitã viu a bola de pedra se distanciando enquanto Hilda socava algumas aranhas que pulavam sobre ela. Uma mordia seu braço de espuma rígida de titânio, mas levou um punho em cheio na cara e morreu.

Um raio branco-azulado passou ao lado de Freya, congelando uma prestes a pular nela. Hel estava em seu traje espacial, dando cobertura. Uma figura forte e branca, de cabeça de vidro em forma de ovo, botas de sola negra e uma pistola nas mãos.

Em menor número e espalhadas, não foi muito difícil matar as invasoras. Sem a vantagem numérica, embora ainda perigosas, não chegavam nem perto do estrago que faziam enquanto enxame.

Em pouco tempo, o galpão estava salpicado de patas e bolas quebradas.

– Acho que essa foi a última, capitã, – disse Hel após congelar uma que tentava morder as panturrilhas da vampira.

Sem umidade ou ar para criar blocos de gelo ao redor dos insetos, não havia nenhuma indicação de que congelavam exceto pelas rachaduras na carapaça pela súbita expansão da água em seus corpos.

Terminando de esmigalhar o inseto com sua bota, a capitã olhou os rombos em seu uniforme, os oceanos de sangue e disse:

– Filhos da puta… me arrancaram pedaço! – Sua voz chegou distante aos próprios ouvidos. Ar estava sendo bombeado para dentro. Logo haveria uma atmosfera e não só Hel e Greta poderiam se ver livres do traje e sair do robô como Lídia e Sigrid poderiam entrar.

Capitã, – chamou a engenheira de dentro do Cubo, – vocês estão todos bem?

Mas foi Hilda quem respondeu, sua voz chegando mais nítida por conta da crescente pressão atmosférica:

– Sim, estamos todos vivos, – mirou a capitã de cima a baixo. – E inteiros.

– Você está bem, Hel? – Perguntou Greta.

– Sim, nenhum arranhão.

Ótimo, então vocês poderiam me ajudar a me desvirar?

Enquanto os três punham de pé o robô de cinco toneladas com as próprias mãos, Freya ouviu no rádio:

Amor, você está machucada?!

A vampira olhou sua pele pálida através dos buracos vermelhos na roupa e respondeu assim que o Cubo voltou a ficar de pé:

– Eu tava. Tô bem agora. Meu uniforme foi para o lixo e eu perdi minha capa e meu quepe, mas tô bem.

Ai, que alívio! Desculpa, amor, eu não sabia que seria tão perigoso assim.

– Pois é, eu sabia. Mas relaxa, eu num cheguei a ser a Grande Capitã Freya lutando contra coelhinhos fofos.

Lídia riu:

Que ótimo. Se você matasse coelhos fofos isso a teria feito ganhar todos os títulos que eu te dei.

Enquanto as duas riam, outra conversa se desenvolvia em um canal paralelo:

Hilda? – Chamou Sigrid. – Você está bem?

– Estou, amor, estou bem, – a menina respondeu. – Amassei meu braço, mas nada que tenha afetado as funções, – e mexeu os dedos testando os movimentos, girando a mão em 360º. A placa de seu antebraço estava esmigalhada; rachaduras desenhavam a mordida daquelas criaturas em detalhes.

Ai, que susto você me deu, amor! Nunca mais quero te ver fazendo isso! Meu coração quase entrou em curto.

– Você não tem coração, Sigrid, – Hilda riu.

Minha bateria, então.

A menina artificial sorriu.

E os ovos, hein, gente? – Perguntou a voz de Greta. – Eles e a larva estão inteiros depois dessa putaria toda?

– Ah, deixa eu ve… eeeita… – Freya abriu a bolsa e contemplou o que havia dentro.

O que houve?! – Perguntaram todos no rádio. Hel e Hilda correram para ver.

– Os ovos tão de boas, mas ahn… Lídia, sua larva virou… virou algo que num é mais larva.

Ué. Ela virou o quê?

– Patê.

Oh…

– Eca. – Fez Hel mirando o interior da bolsa através do vidro do traje.

Hilda, Freya e Hel se encararam, trocando feições de nojo e decepção.

Finalmente o sinal verde piscou e o som do alarme reverberou o ar do galpão, indicando que o ambiente finalmente tinha atmosfera suficiente.

Foi quando a tripulação se reuniu em três momentos simultâneos.

19 Août 2022 00:44:30 2 Rapport Incorporer Suivre l’histoire
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Daniel Trindade Daniel Trindade
Olá! Faço parte da Embaixada Brasileira do Inkspired. Estou aqui para lhe parabenizar pela Verificação de sua história. Espero que ela seja prestigiada por muitos leitores aqui em nossa comunidade. Sucesso e felicidade em sua arte! ♡
February 21, 2023, 23:03

  • Amon Ra Amon Ra
    \OvO/ Muito obrigado! UwU 4 weeks ago
~

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