Te vejo sem cor.
A distância entre nós, agora, é outra: são os nossos sentimentos — ou a ausência deles.
Te vejo respirar.
Meu peito dói porque sinto saudade de quando teu suspiro era meu e só meu; de uma época em que o silêncio não doía, não queimava, porque sabíamos exatamente o que esperar dele.
Hoje, não sei mais.
Não tenho ideia do que você está pensando. Não sei mais nem se você está pensando. Ou se só está longe, distante, buscando alguma maneira de fugir de nós.
De repente, sinto a tua mão tocar a minha, e é como se meu corpo ardesse, como se eu estivesse em chamas, mas não é bom, não é. É como tocar uma pedra de gelo até a pele queimar. O corpo inteiro dói.
Sinto vontade de afastar a tua mão, mas a minha teimosia fala mais alto; permaneço.
Você segura a minha mão e a aperta. Eu sinto a sua força, mesmo sabendo que você está indo embora lentamente. Sinto nós dois tentando, em vão, continuar. Então, deixo uma lágrima cair e me permito ser frágil por um instante, o corpo amolecer, você me conhecer na versão mais real de ser: tudo que tenho; tudo que sou.
Eu não consigo compreender essa distância, você está aqui do meu lado. Não entendo por que te sinto tão longe, tão disperso, como se eu não te conhecesse. Parece que você partiu há muito tempo — aqui restou somente a casca.
Eu sinto falta de quem você era. De quem nós éramos. E esse sentir, antes tão comum, agora me causa estranheza, porque eu não te conheço mais, não sei quem você é; eu só vejo uma imagem borrada, só escuto um sussurro incômodo. Nós não existimos mais. Somos apenas a representação fúnebre do que a ausência pode causar quando excessivamente presente. Faz sentido para você?
Você tenta balbuciar algo, mas tudo que escuto são os ruídos da cidade. Aí percebo que nada mudou, somente nós, e que está na hora de seguir, por mais que machuque, por mais difícil que seja. Seguir é a melhor solução.
Mas não consigo afastar a tua mão da minha. Não consigo endurecer o corpo, nem segurar as lágrimas, tampouco ser forte. Só você consegue despertar esse meu lado mais humano, por mais que agora você seja uma figura abstrata, meio borrada, um pouco esquisita.
Tento te reconhecer por trás da visão turva, e reunir os fragmentos daquilo que um dia foi a minha pessoa aqui na terra. Me pergunto se nem mesmo agora você consegue baixar a guarda.
Aí você enxuga uma lágrima. E meu peito dói, dói demais. Você respira fundo e ergue o rosto; me encara, sorri, aperta minha mão, não fala nada.
Mas eu entendo.
Devolvo o sorriso. Como se nós, pela última vez, trocássemos um presente, daqueles que duram pela eternidade; o meu amuleto da sorte. E você não precisa dizer nada, porque nós sempre soubemos quando algo precisa acabar, mesmo sem sinal.
Queria te abraçar, mas, ao invés disso, só consigo ficar te olhando. Quero guardar cada detalhe teu na minha cabeça, porque sei que é a última vez. Eu sinto. Quero guardar essa lembrança para nunca esquecer de você.Posso esquecer do cheiro, do toque, da voz, mas não posso esquecer do jeito que os teus olhos se fecham quando você sorri.
É hora de ir, penso.
Você não quer soltar a minha mão; talvez saiba, tanto quanto eu, que, se nós nos soltarmos, nunca mais nos tocaremos de novo. E pode ser que você sinta medo disso, mas está tudo bem, eu também sinto. É difícil reconhecer quando é hora de partir. Eu agradeço por nós nunca termos precisado falar nada, por sempre sabermos exatamente como nos comunicar através do olhar. Mas a minha visão volta a escurecer, o choro volta a descer, eu sinto medo de te soltar.
Dói demais, dói demais.
Esperar dói demais. Perdoar dói demais. Nenhum sentimento humano é fácil, nada nessa vida é simples. Voar é preciso, a saudade faz parte da bagagem.
O ônibus para. Pessoas começam a subir. Dou meu melhor para que você não sinta medo. Te encaro até o último segundo.
Adeus.
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