Era quase meio-dia quando Aléxsandros começou a acordar. Enquanto esfregava os olhos, conseguia enxergar melhor o salão onde estava. Era um lugar de teto alto e branco, com longas colunas da mesma cor, e no topo de cada uma delas, a imagem de Dionísio, como se o deus do vinho sustentasse a estrutura com seus braços.
Aléxsandros levantou-se lentamente e percebeu que ao seu lado havia uma mulher nua. Sua pele era negra, o corpo adornado por belas curvas femininas e seus cabelos negros, cacheados e volumosos como um céu sem estrelas. Ele se pegou admirando por alguns instantes os mamilos escuros dos seios da jovem enquanto ela dormia. Pouco tempo depois, a garota, de nome Ayana, uma jovem que viera da Abissínia para participar como atriz das festividades a Dionísio, acordou.
Ela parecia um tanto confusa e sem saber muito bem onde estava. Olhou de um lado para o outro, tentando se lembrar de como tinha ido parar ali, até que seus olhos encontraram Aléxsandros ao seu lado, e ela o encarou um pouco confusa.
— Onde estou? — Indagou a garota.
— Nos fundos do teatro," respondeu Aléxsandros sorridente. — Viemos até aqui depois dos ensaios de ontem à noite. Bebemos bastante vinho e depois... — Ele fez uma pausa e completou a frase não com palavras, mas com um sorriso malicioso.
— É, eu acho que me lembro disso. — Ela respondeu com a voz um pouco rouca, em seguida, levantou-se. Aléxsandros percebeu que ela ainda estava um pouco tonta.
— Ai, minha cabeça! — Exclamou uma voz masculina vinda detrás de Aléxsandros.
— Leíandaros? Já tinha esquecido que você também estava aqui." — Comentou Aléxsandros, olhando para o amigo que também estava nu ao seu lado. Era um amigo de infância e seu primeiro amor. Cresceram juntos atrás dos palcos das companhias de teatro de Atenas e sempre tiveram uma amizade muito íntima e confidente. Costumavam compartilhar os momentos de prazer, algumas vezes apenas entre eles mesmos, e outras vezes com alguma companhia, como agora com Ayana.
— Aonde exatamente é aqui? — Indagou o amigo ainda um pouco confuso e com dores de cabeça.
— Estamos atrás do teatro. Ficamos até tarde ensaiando a peça de amanhã com Ayana e acabamos fazendo uma festinha particular aqui. — Explicou Aléxsandros com uma expressão feliz estampando seu rosto. Ao seu lado, Ayana já começava a vestir o seu quíton de cor branca, que em contraste com sua pele escura a deixava ainda mais encantadora.
— Eu preciso ir. — Exclamou a garota após se vestir.
— Espere, vamos procurar algo para comer, estou cheio de fome. — Comentou Aléxsandros se levantando ainda nu, sem se preocupar com seu membro exposto na frente de Ayana e Leíandros. A garota o olhou disfarçadamente entre as pernas e em seguida insistiu que precisava ir.
— Deixe-a! E também me deixe dormir mais. Esta claridade está me dando ainda mais dor de cabeça. — Resmungou Leíandros.
Aléxsandros sorriu apaixonado e deitou ao seu lado novamente, beijando-o no pescoço e tocando-o entre as pernas. Sentiu o membro do amigo enrijecer em suas mãos e o acariciou.
— Você não perde o pique nunca, não é mesmo Aléxsandros? — Exclamou Leíandaros em meio a um sorriso e um gemido de prazer.
Aléxsandros continuava a estimulá-lo quando sentiu Ayana voltar a se aproximar novamente, nua. Levou sua outra mão no seio esquerdo da garota e o sentiu quente e macio em suas mãos; com um toque suave, acariciou seu mamilo que rapidamente se enrijeceu. Os três voltaram a se tocar e a dar prazer uns aos outros por mais alguns minutos, tempo suficiente para que todos eles chegassem ao êxtase mais uma vez. Só depois disso se levantaram, se vestiram e saíram por Atenas, em busca de algo para comer.
Enquanto caminhavam pela cidade, Aléxsandros era o único que não aparentava ter saído de uma noitada regada a vinho e sexo. Não sentia dores de cabeça e a claridade do dia não o incomodava. Ao contrário disso, Ayana e Leíandaros tapavam os olhos com as mãos evitando se incomodar com a luz do sol enquanto suas cabeças latejavam de dor.
— Ele é sempre animado assim? — Indagou Ayana a Leíandaros.
— Sempre. Não consigo lembrar de uma vez que o vi desanimado ou doente. Ele sempre é o que mais toma vinho, dentre todos de qualquer festa. Mesmo assim, nunca fica caindo de bêbado ou com as dores do vinho no dia seguinte. A bebida parece não o afetar de maneira alguma.
— Eu tenho um corpo resistente ao vinho. Posso tomar o quanto quiser. — Completou Aléxsandros.
— Os deuses o abençoaram com esta maravilhosa dádiva então. — Completou Ayana.
— Deuses! — Exclamou Aléxsandros com desdém. — Não acredito em deuses, são apenas desculpas que nós inventamos para explicar o que não sabemos. Um dia vamos ter conhecimento o suficiente para explicar até mesmo o motivo do sol nascer todas as manhãs.
— Nós já sabemos. É Apolo que o traz em sua carruagem. — Explicou Leíandaros com convicção.
— Acredita mesmo nessa tolice, meu caro Leíandaros? — Desdenhou Aléxsandros.
Continuaram caminhando pelas ruas de Atenas. Desceram algumas vielas e becos estreitos de piso de pedra acinzentada enquanto rumavam para a taverna, afim de buscar algo para saciar a fome.
O dia estava bem quente e a cidade cheia por conta das festividades das Grandes Dionísias, uma sequência de seis dias de festas em homenagem ao deus Dionísio. As festividades incluíam festivais de teatro, concurso de comédia, concurso de ditrambo, komos e o que Aléxsandros mais gostava, o concurso de tragédias. Ele, Leíandros e outros atores sempre se preparavam o ano inteiro para essas festividades e principalmente para este último concurso. Ele tinha certeza que a adição de Ayana no seu grupo de teatro iria garantir que eles levassem o prêmio naquele ano.
Chegaram em uma taverna conhecida da região que servia um delicioso porco assado e coberto de azeite. Sentaram-se mais ao fundo e aguardaram o seu tão esperado pedido chegar. Enquanto isso, conversaram um pouco mais com Ayana sobre sua terra natal. Aléxsandros sempre tivera o sonho de viajar levando o teatro para os lugares mais distantes do mundo, por este motivo sempre se encantava por forasteiros e forasteiras que apareciam em Atenas vez ou outra.
Ayana ainda falava de sua viagem para Atenas quando a atenção de Aléxsandros foi tomada por outra mulher que acabara de entrar na taverna.
Ela vestia uma cota de malha e uma armadura negra e brilhante. Na cintura, levava uma espada de aço negro com o cabo revestido de couro e um diamante na extremidade. Ao redor dos seus olhos havia uma fina camada de tinta preta, destacando a cor azulada de sua íris. A garota estava acompanhada de um cão de pelagem tão negra que ficava invisível nas sombras. Ela caminhou pela taverna e foi direto ao bar e pediu um pouco de vinho.
— Desculpe-me... — Começou a gaguejar Monikas, a atendente da taverna. — Não pôde entrar com seu cachorro aqui. — Ela finalizou a frase com a voz trêmula.
— Ele não vai causar problemas, eu prometo. — Respondeu a mulher de armadura negra com um sorriso frio no rosto.
Monikas não conseguiu dizer não. A julgar pela expressão em seu rosto, ela ainda sentia medo. Mas por qual motivo? Quem era aquela mulher? Com certeza não era de Atenas. Aléxsandros estava extremamente curioso e inclinado a ir falar com aquela forasteira.
— ... e aí eu acabei chegando aqui. A propósito, eu preciso lhe agradecer mais por ter me deixado entrar no seu grupo de teatro. — Concluiu Ayana com um sorriso malicioso. Aléxsandros nada disse em resposta, apenas se levantou e atravessou a taverna em direção à mulher misteriosa que acabara de entrar.
Quando chegou perto, ela já estava com uma taça cheia de vinho, enquanto aguardava Monikas lhe trazer algo para comer. Ele se aproximou e a olhou mais de perto. Reparou que seus braços eram mais musculosos do que o de qualquer mulher de Atenas, mas também não chegava a ser tão forte quanto a de um homem. Suas unhas eram pintadas com uma tinta preta e fosca, e seus cabelos também eram absurdamente negros. À medida que se aproximava daquela mulher, começou a sentir uma sensação muito estranha. Era como se estivesse tomado por uma agonia, uma tristeza profunda e um frio na barriga que o fazia se arrepiar completamente. Apesar disso, a curiosidade o movia para cada vez mais perto, até ficar lado a lado com ela. Antes que pudesse falar qualquer coisa, ouviu um rosnado vindo do chão e quando olhou para baixo, viu o cão negro mostrando os dentes com expressão de poucos amigos.
— Cerby, quieto. Eu prometi que você não causaria problemas. — Repreendeu ela ao cachorro, sem desviar o olhar de sua taça de vinho. Tomou o resto do líquido em um só gole e, em seguida, pediu que Monikas a servisse outra dose.
— Não deveria tomar o vinho de maneira tão apressada. — Disse Aléxsandros, sentando-se ao lado da mulher misteriosa. O cão Cerby agora estava deitado ao lado dela enquanto lambia suas patas dianteiras.
— E por qual motivo não deveria fazer isso? — Indagou ela, enquanto Monikas enchia sua taça.
— O vinho deve ser saboreado, para que você possa sentir melhor o gosto da bebida. — Respondeu ele.
— Você é algum produtor de vinho ou algo do tipo? — Ela indagou com desdém, enquanto virava todo o conteúdo da taça na boca. Aléxsandros olhou a cena com desaprovação e, em seguida, respondeu.
— Sou um ator, mas um apreciador de um bom vinho e de boas festas. E você, quem é? Nunca havia lhe visto por aqui.
— Sou Catarina e é a minha primeira vez na cidade. — Respondeu ela, enquanto Monikas lhe trazia a refeição e lhe enchia a taça mais uma vez.
— Veio para as Grandes Dionísias? — Indagou ele com curiosidade.
— Pode-se dizer que sim. Estou procurando uma pessoa e tenho quase certeza de que ele está na cidade. — Respondeu Catarina e logo em seguida mordeu ferozmente um pedaço de carne e tomou outro gole do vinho. À medida que conversavam, Aléxsandros começava a perceber que as sensações ruins que ele sentiu quando começou a conversar com Catarina iam passando aos poucos.
— Quem você procura? Eu conheço quase todo mundo da cidade. Se ele é de Atenas, eu posso encontrá-lo. — Disse Aléxsandros animado. Enquanto isso, Ayana e Leíandaros se aproximavam.
— Eu não disse que ele é de Atenas, eu disse que ele está em Atenas. — Respondeu Catarina após finalizar outra taça de vinho em um só gole e fazer um sinal para que Monikas a servisse outra dose.
— Desculpe a intromissão do meu amigo. Ele é um tanto indelicado e curioso ao extremo. — Disse Leíandros ao chegar perto dos dois. Ayana apenas concordou com um sorriso e, em seguida, pousou sua mão no ombro direito de Aléxsandros.
— Sem problemas. — Respondeu Catarina com uma expressão que Aléxsandros não conseguia ler. Em seguida, ela mordeu outro pedaço de carne e mais uma vez esvaziou sua taça em um só gole.
— Nosso prato chegou, acho que devíamos voltar para nossa mesa. — Comentou Ayana após alguns segundos de silêncio constrangedor.
Antes que Aléxsandros pudesse responder, Catarina se levantou, tirou algumas moedas da bolsa que trazia amarrada na cintura e colocou nas mãos de Monikas. Em seguida, ela saiu da taverna sem olhar para trás ou se despedir. O cão Cerby a seguiu da mesma maneira.
Voltaram para a mesa e comeram a carne de porco enquanto tomavam vinho. Embora Ayana e Leíandaros conversassem e rissem bastante durante a refeição, Aléxsandros permaneceu a maior parte do tempo calado. Embora seu corpo estivesse ali, sua mente não conseguia parar de pensar em Catarina. Alguma coisa naquela misteriosa mulher mexia com sua cabeça e despertava sua curiosidade como nada antes tivera feito.
— Precisamos voltar para os ensaios, eu preciso estar muito bem para amanhã. — Comentou Ayana. Como mulher, ela sabia que não deveria estar no palco no dia seguinte, afinal o teatro era uma arte praticada apenas por homens. O fato de Aléxsandros ter permitido que ela participasse de sua peça naquele ano era uma quebra total dos costumes gregos.
— Você é ótima. Vai arrasar. — Comentou Aléxsandros, voltando sua atenção aos dois amigos e esquecendo um pouco de Catarina.
— Ou vou ser apedrejada por ousar subir no palco na condição de mulher e de estrangeira. Não é esta a tradição. — Comentou ela apreensiva.
— É uma tradição estúpida. Se existem personagens femininas nas peças de teatro, qual o motivo de ser um homem a interpretá-las? Se a personagem é mulher, uma mulher deve ser sua intérprete. Não me curvo a costumes estúpidos nem a tradições criadas sem base lógica. — Retrucou Aléxsandros com convicção. Ayana sorriu com timidez e felicidade, e os três saíram da taverna.
O resto do dia foi de muito ensaio e a noite regada de sexo e vinho. No dia seguinte, todos se preparavam para o concurso de tragédia que fechava o festival das Grandes Dionísias.
Já era próximo da hora de se apresentarem quando começaram a se trocar e vestir as respectivas roupas de seus personagens. Enquanto Ayana se vestia, os demais atores a olhavam com um olhar que misturava desejo e desaprovação. Ela, por sua vez, tentava ao máximo não transparecer desconforto ao ser observada e por ser a única mulher presente ali.
— Está lotado, acho que este ano foi o ano em que mais recebemos público. — Disse Leíandaros com alegria. Ayana se encolheu um pouco, talvez pela intimidação, e Aléxsandros nada disse, apenas recitava seu texto mais uma vez. — A propósito, sua amiga bizarra está na primeira fila. — Concluiu Leíandaros após espiar o público mais uma vez.
— Catarina? — Indagou Aléxsandros surpreso.
— Ela mesma, olha ali no lado esquerdo. — Apontou Leíandros por detrás da estrutura de madeira que separava o local onde se trocavam do palco.
Aléxsandros a olhou e sentiu seu coração bater rápido outra vez. Não entendia o motivo dela despertar aquelas sensações. Enquanto a observava, o grupo de teatro que se apresentou antes do seu terminou sua peça e, em seguida, foi aplaudido pelo público. Catarina aplaudia com pouco interesse, enquanto seu cão negro continuava deitado ao seu lado lambendo as patinhas dianteiras.
— Aléxsandros, é nossa vez, vamos. — Alertou Ayana, e o ator voltou sua atenção para seu grupo. Ayana era a primeira a subir no palco. Ele queria que o choque de ver uma mulher se apresentando nas Grandes Dionísias fosse absorvido logo na primeira cena do seu espetáculo.
— Você vai conseguir, é uma excelente atriz, e isso nada tem a ver com o que você carrega entre as pernas ou com o local de onde você vem. — Disse Aléxsandros, encorajando-a. — Isso vem daqui. — Ele disse apontando entre seus seios. — Do seu coração. Agora vai lá e arrasa.
Ayana assentiu com um sorriso e, em seguida, respirou fundo e foi ao palco. O público, que conversava entre si e fazia ecoar um burburinho por todo o teatro, calou-se imediatamente. Um silêncio absoluto tomou conta da arena enquanto Ayana se dirigia ao centro do palco. Aos poucos, os burburinhos foram voltando, aqui e ali. A atriz olhou para cima e viu o céu azul sobre sua cabeça; em seguida, olhou para frente e viu centenas de pessoas olhando para ela. Alguns com olhares de desaprovação, outros com espanto e ainda alguns com um sorriso.
Ayana mais uma vez respirou fundo e, em seguida, começou a cantar. Sua voz extremamente afiada e bela ecoou por todos os cantos do teatro. Alguns do público ainda resmungavam, mas a maioria voltou a ficar em silêncio enquanto a bela voz de Ayana invadia seus ouvidos. No palco, ela contava a história de Era, mulher de Zeus e deusa da família e do casamento. Em uma clara crítica, ela contava como o senhor dos raios desrespeitava sua esposa e família para violar as pobres mortais.
Enquanto cantava, outros atores entraram no palco. Ao todo, eram cinco, todos vestidos com roupas brancas e máscaras inexpressivas no rosto. Enquanto Ayana cantava os versos que diziam “Pobres homens mortais com suas crenças fantasiosas e sua moral hipócrita. Fazem do deus mais cruel seu grande senhor.”, os atores vestidos de branco formavam um círculo em volta de Ayana e, em seguida, a levantavam. Neste momento, outros três atores entravam no palco. Dois deles vestiam roupas em tom púrpura bem escuro, enquanto o que ficava no centro vestia o negro. Todos eles usavam máscaras com expressões raivosas.
Ayana continuava a cantar, e agora até mesmo os que antes a criticavam observavam o espetáculo com atenção. Enquanto cantava, era carregada pelos atores vestidos de branco, que lentamente caminhavam em direção aos outros três de máscaras raivosas. Quando estavam cara a cara, Ayana, a única no palco a não usar nenhuma máscara, desceu dos braços dos atores brancos e tocou a testa do único ator de preto. Enquanto cantava, com as mãos em sua cabeça, Ayana recitava os versos que diziam: “Hades, deus do submundo, quantas mulheres já enviei para seus domínios para evitar que meu marido se deitasse com elas? Errei em fazer isso e agora admito. Por favor, me ajude a destruir Zeus e evitar o abuso dessas almas inocentes.”
Neste momento, o ator que representava Hades foi levantado pelos dois companheiros de vestes púrpura. Enquanto isso, um homem usando vestes azuis entrou no palco. Ele usava uma máscara branca com um rosto raivoso pintado, e nas mãos ele levava uma espada. Ayana foi carregada para perto deste novo ator, e enquanto isso recitava os versos: “Zeus, eu lhe amei como nunca amei nada neste universo. Apenas lhe pedi respeito em troca, respeito a mim e às mortais que você viola.” O ator de azul, que representava Zeus, sacou sua espada e começou a ir em direção a Ayana.
Ela passa a ser carregada por apenas um dos homens de branco, enquanto os outros quatro formam uma barreira à sua frente. Enquanto isso, o ator de Hades corre com seus dois companheiros e ataca Zeus por trás. O senhor dos raios solta um grito de agonia enquanto cai de joelhos. A deusa Era, representada por Ayana, interrompe seu canto e é colocada no chão. Caminha até Zeus, que está ferido e de joelhos, tentando se agarrar à vida.
— “Como um deus pode morrer?” — Volta Ayana a cantar. — “Como a crença dos mortais pode morrer? Eu e você não somos imortais. Somos ainda mais frágeis que os mortais. Basta eles pararem de crer, para cada um de nós desaparecer.”
Neste momento, Zeus cai morto aos pés de Era, enquanto todos os outros atores, com exceção daquele que interpretava Hades, se afastam dele. O deus do submundo e a deusa do casamento dão as mãos. Hades tira sua máscara, e Ayana vê o rosto de Aléxsandros. Os dois se beijam, e em seguida, todos os atores vão à beirada do palco e retiram suas máscaras.
O público fica olhando, e o silêncio toma conta de todo o teatro. O silêncio só é quebrado quando Catarina começa a aplaudir. Aos poucos, outros começam a fazer o mesmo, até a maioria do teatro começar a aplaudir. Ayana começa a esboçar um sorriso quando recebe uma pedrada na testa vinda de um homem no meio da plateia. Ela imediatamente começa a sangrar.
— Isso é um ultraje. Uma mulher e estrangeira em cima do palco de uma Grande Dionísia? E essa peça é pura blasfêmia contra os Deuses. — Grita o homem que tacou a pedra. Leíandaros ajuda Ayana, que começa a desmaiar, enquanto Aléxsandros parte furiosamente para perto do homem agressor.
— Você vai pagar pelo que fez! — Grita Aléxsandros. Imediatamente, dois homens portando espadas se postam em frente ao agressor para protegê-lo.
— É melhor se afastar, ator. Se não quiser ser retalhado. — Diz o agressor com um sorriso de deboche.
Enquanto isso, a multidão vai se inflamando. Alguns contra o agressor e outros contra os atores. Ayana agora está desacordada nos braços de Leíandaros, enquanto muito sangue escorre de sua ferida. Aléxsandros ainda ameaça o agressor.
— Aléxsandros! — Grita Leíandaros, entregando-se aos prantos. — Ela se foi. — Ele diz, e em seguida, todo o teatro se cala. Aléxsandros corre até Ayana e a toma nos braços. Sente que seu corpo imóvel começa a esfriar.
— Com licença, eu posso ajudar. — Diz Catarina, ao se aproximar deles.
— Vai matar o desgraçado que fez isso? — Indaga Aléxsandros.
— Eu posso fazer isso depois, mas agora precisamos evitar que a alma dela desça ao submundo.
— De que merda você está falando? Eu não tenho tempo para mitos bobos agora. — Retruca Aléxsandros.-
A maldita estrangeira teve o que mereceu. E vocês todos deveriam ir ao tártaro junto com ela. Como se atrevem a zombarem dos deuses? — Disse o agressor, subindo no palco ao lado dos dois homens que o protegiam. O cão de Catarina, que por algum motivo, agora tinha o dobro do tamanho de antes, rosnava para eles e os afastava do corpo de Ayana.
— Eu sei que você não acredita nos deuses, mas infelizmente todos eles são reais. Eu preciso que você me deixe resgatar a alma dela antes que meu pai perceba que ela morreu e comece seu julgamento.
— Seu pai? — Indagou Leíandros.
— Sim, Hades. — Respondeu Catarina.
— Você só pode ser louca. — Resmungou Aléxsandros.
— E o que a gente tem a perder agora? — Perguntou Leíandaros. Aléxsandros pensou por alguns instantes e em seguida olhou para Catarina.
— Espero que esteja certa. — Ele disse.
Catarina se ajoelhou ao lado do corpo de Ayana e, em seguida, tocou em sua testa. Por algum motivo, os olhos de Catarina se tornaram uma esfera completamente negra. Leíandros e Aléxsandros sentiram um frio na barriga e uma sensação de terror profunda. O céu que antes era azul começou a ficar estranhamente negro, apenas acima do teatro.
— Bruxa, matem-na. — Gritou o agressor. Seus homens desembainharam as espadas e foram em direção a Catarina. Seu cão rosnou e mostrou as presas para os homens, que começaram a se aproximar com mais cautela. Quanto mais perto eles chegavam, mais Cerby rosnava e, por algum motivo, maior ele ficava. O cão já estava maior que um cavalo quando o primeiro dos homens tentou golpeá-lo. Cerby rolou para o lado, se desviando do golpe, e em seguida pulou na jugular do homem, arrancando sua cabeça com apenas uma mordida.
Enquanto a boca de Cerby pingava com o sangue de sua presa, sua cauda deixava de ter pelos para começar a ter escamas, como de uma serpente. O público do teatro começou a sair correndo dali, temendo o que pudesse acontecer.
— O que está esperando? É só um cachorro, mate-o. — Gritou o agressor para o seu homem que ainda estava vivo. O homem, tremendo de medo, levantou sua espada e se preparou para golpear Cerby. O cachorro uivou e, de repente, duas outras cabeças nasceram ao lado da sua, seu corpo ficou três vezes maior, e sua cauda se tornou uma cobra de cor esverdeada. O homem largou sua espada e saiu correndo o mais longe que podia.
— Consegui! — Exclamou Catarina. Em seguida, Ayana começou a se levantar um pouco confusa, enquanto seu ferimento na testa ia se fechando.
— Ayana, você está bem? — Perguntou Aléxsandros, tomando-a nos braços.
— Sim, eu estava em um lugar... horrível. — Comentou Ayana.
— Lá em casa está mesmo precisando de uma reforma. — Comentou Catarina em tom de brincadeira.
— Muito obrigado. — Agradeceu Aléxsandros.
— Sua bruxa maldita. — Gritou o agressor. Catarina se levantou e desembainhou a espada. Em seguida, atravessou a garganta do homem com um só golpe, ele caiu sem vida logo em seguida.
— Vou garantir que ele vá ao tártaro. — Ela comentou enquanto limpava o sangue de sua espada.
— Então isso dos deuses e do monte Olimpo é tudo verdade? — Perguntou Aléxsandros.
— É sim, por enquanto. — Respondeu Catarina.
— Por enquanto? — Indagou Leíandaros.-
Eu pretendo livrar o mundo das maldições dos Deuses. Matar todos eles para livrar a humanidade de ser escrava dos prazeres dos seres mais poderosos.
— Não podemos matar os deuses. São imortais e além disso, quem vai garantir as idas e vindas das marés se Poseidon não existir? Ou quem vai trazer o sol todos os dias se Apolo morrer? — Indagou Leíandaros.
— Os deuses podem ser mortos se usarmos as armas corretas e eu pretendo colocar os semideuses para fazerem as tarefas de seus pais quando eles morrerem. Semideuses como eu e Aléxsandros.
— Calma aí, eu não sou nenhum semideus. Meu pai era ator e minha mãe trabalhava em uma taverna. Ele nos deixou para ir viajar com uma companhia de teatro e minha mãe se matou quando descobriu. Eu fui criado por outros atores. Nenhum deles era deuses.
— Seu pai é Dionísio, ele se apaixonou pela sua mãe devido ao amor que ela tinha pelas peças de teatro. Infelizmente, ele não pôde ficar com ela, pois Zeus também a desejava e disse que Dionísio deveria se afastar. Depois de usá-la, Zeus a matou para que Dionísio nunca mais ficasse com ela novamente. Você tinha apenas um ano quando tudo aconteceu.
— Mas... eu não entendo. — Disse Aléxsandros confuso. — Qual o motivo de Dionísio nunca ter vindo falar comigo depois do que aconteceu?
— Para evitar que Zeus prestasse atenção em você. Dionísio te observou de longe, disfarçado de mortal e assistindo a todas as suas peças. Ele pessoalmente me pediu para vir te buscar e te incluir no meu plano.
— Se você odeia os deuses e quer que ele morra, qual o motivo de estar fazendo algo por Dionísio? — Indagou Ayana.
— Apesar de ter se tornado um Deus, Dionísio é um semideus, assim como eu. Ele, assim como meu pai, odeia Zeus e quer destruir o pai. Eu preciso de aliados poderosos e não de amigos. Por isso fiz essa aliança.
— Espera um minuto. O deus do submundo está nessa? — Perguntou Leíandaros.
— Em partes. Ele tem um plano só dele que serve ao meu propósito até certo ponto. Depois pretendo matá-lo e assumir o seu lugar no submundo.
— E eu deveria confiar em você? — Perguntou Aléxsandros.
— Só se quiser. Como disse, estou aqui para fazer um favor para Dionísio, é do poder dele que preciso. Se não quiser vir comigo, eu não posso te obrigar.
— Eu vou com você. Eu preciso entender melhor essa história maluca. — Consentiu Aléxsandros.
— Nós também vamos. — Disseram Ayana e Leíandaros.
— Desculpe, mas mortais não vão ter utilidade nessa guerra. — Retrucou Catarina.
— Eles não são meros mortais. São meus amigos, eu os quero comigo. É minha condição para ir. — Disse Aléxsandros.
— Tudo bem, mas a segurança dele vai ser responsabilidade sua. — Finalizou Catarina.
Merci pour la lecture!
Nous pouvons garder Inkspired gratuitement en affichant des annonces à nos visiteurs. S’il vous plaît, soutenez-nous en ajoutant ou en désactivant AdBlocker.
Après l’avoir fait, veuillez recharger le site Web pour continuer à utiliser Inkspired normalement.