Sei que a maioria de vocês querem saber como, finalmente, terminou a icônica aventura de Zenon e Íris e como resultou o confronto contra aquela tão poderosa bruxa. Mas sinto que todo esse tempo deixei que meu ódio particular pela Agatha permitisse que eu omitisse sua triste história de vida e a razão pela qual ela se tornou um ser tão amargurado e cheio de ódio.
De maneira alguma quero
que tenham piedade empatia por ela, mas hoje, lendo
sobre tudo que ela passou e sua forma de ver o mundo, é impossível não
acreditar que talvez ela tinha, sim, um pouco de razão em nutrir esse ódio visceral
pela raça humana.
A bruxa nem sempre foi um ser execrável, capaz de sacrificar milhares de vidas Inocentes em prol dos seus objetivos. houve um tempo em que ela era apenas uma garota, como qualquer outra, cheia de pureza e ternura.
Para entender o que ela se tornou é preciso voltar para uma época
totalmente remota, antes das grandes descobertas da humanidade.
O ano era duzentos e noventa e oito depois de Cristo. Áigata
vivia em um pequeno vilarejo ao sul da
cidade de Éfeso. Era filha de uma mulher Hebréia, de nome Elishebba, que
mudou-se com Agatha, ainda criança, para aquela região, fugindo da oposição
romana contra o cristianismo, que naquela época era duríssimo. Elishebba era
uma mulher viúva e vivia como serva na casa de um mercador de grandes posses
naquele vilarejo. Agatha era filha única, mas Heitor, o senhor de sua mãe,
tinha três belas filhas: Emília, Saphira e Helena. As três tinham uma certa
inveja de Agatha devido sua Beleza
avassaladora, que chamava atenção de todos os rapazes do vilarejo, apesar da
moça ter apenas Quatorze anos de idade.
Foi justamente Helena, a mais velha das filhas de Heitor,
que em uma manhã de verão, chegou correndo na casa de seu pai, trazendo uma
notícia que mudaria para sempre a vida daquela família:
- o general Augusto está no vilarejo com os seus soldados. -
diz a moça de cabelos escuros e compridos.
- o que será que o exército quer no vilarejo? No mínimo
querem receber mais impostos. - pragueja Heitor. Um homem corpulento, que
saboreava um bom vinho, sentado a mesa, ao lado das outras duas filhas.
- uma das criadas ouviu que ele anda a procura de uma noiva,
para o seu melhor soldado. - Elishebba comenta, limpando o suor do rosto com a
manga de sua túnica, enquanto preparava a refeição do seu senhor.
- um homem que precisa do seu superior para conseguir uma
esposa deve ter algum problema. - Heitor comenta com ar de riso.
- o tal soldado deve ser muito feio. - Saphira acrescenta a
piada se seu pai.
O boato era verdadeiro. De fato, o vitorioso General Augusto
estava naquele vilarejo com uma missão peculiar. Junto com ele, apenas uma meia
dúzia de legionários o acompanhavam a pé. Dentre eles, o que mais nos importa
era o jovem que guiava o cavalo. Um rapaz de cabelos escuros e compridos, (cobertos por um elmo de latão) olhos negros e traços delicados, que segurava os
arreios do cavalo de seu General. Era o próprio Zenon, que naquela época ainda
atendia pelo nome de Felipe.
- tem certeza que toda essa viagem é necessária, meu senhor?
- Felipe questiona, de forma respeitosa. - Já disse que não preciso de esposa.
Para mim, basta a honra de defender nosso império ao fio da minha espada. - o rapaz, de apenas vinte anos, põe a mão
sobre a sua gládio; tradicional espada curta romana. Ele tinha um certo orgulho
de sua arma.
- um jovem na sua idade
precisa dos acalentos de uma mulher virtuosa, para o aquecer nas noites de
inverno que certamente virão. - Augusto admoesta seu subordinado.
- eu já tenho várias amantes. - Felipe orgulha-se. - a
maioria só me custa algumas moedas e umas bebidas e depois de uma noite de
prazer, continuo sendo um homem livre.
O comentário leva o general e os outros legionários aos
risos.
O grupo já vinha perambulando o vilarejo por algumas horas, mas nenhuma das jovens parecia cair nas graças do general, que fazia questão de selecionar uma mulher formosa e de bons atributos, para servir como esposab a aquele a quem tinha como um filho.
Já se aproximava do pôr do sol quando Augusto, Felipe e os
soldados chegaram a propriedade de Heitor. Dava para notar que aquele homem era
bem sucedido, já que em suas terras haviam vários animais e celeiros repletos
de grãos. Heitor os aborda com um largo sorriso no rosto, escorado na porta de
sua casa.
- Ave! - saúda Heitor. - a que devo a honra de vossa visita?
- o homem finge não saber sobre os boatos.
- permita que entremos. - Augusto o responde. - venho tratar
sobre assuntos que certamente irão lhe interessar.
Enquanto seu superior acertava as contas com o anfitrião, Felipe e Agatha trocam olhares pela primeira vez. O rapaz, que até então só conhecia o campo de batalha e as casas de prostituição, fica espantado ao ver a beleza jovial e pura de Agatha. A jovem de cabelos loiros, corpo esbelto e olhos verdes, cortava lenha em um lugar um pouco mais afastado de todo o glamour daquela propriedade, como se quisessem escondê-la.
Quando percebe que
estava sendo observada, a jovem desvia o olhar, para não chamar atenção.
- entrem. - a voz de Heitor invade os pensamentos do jovem
legionário. – todas as minhas filhas estão na sala, esperando para serem observadas.
Terei o maior prazer em os servir uma boa dose de vinho, colhidos diretamente
dos meus vinhedos, enquanto conversamos.
- se todas as moças estão na sala, porquê aquela bela jovem
não está com elas, então? – Felipe protesta.
Heitor olha de forma ríspida para Agatha, A dando uma espécie de advertência visual. A jovem estremece
diante do olhar de Heitor e entra rapidamente em um estábulo vizinho.
- não perca seu tempo com ela, rapaz. – se acha que essa
Hebréia é bela, precisa ver as minhas filhas. Ficará de queixo caído.
O grupo se acomoda nas instalações a convite do anfitrião,
sentando a mesa enquanto a criada os serviam os vinhos. As três garotas ficam
em pé no centro da casa, exibidas como se fosse mercadorias, enquanto Augusto
as examinava minuciosamente com o olhar clínico.
- parece que as histórias que me contaram eram verdadeiras. –
o general comenta.
- quais histórias? – O anfitrião se interessa.
- me disseram que em sua casa eu encontraria a jovem mais bela
dessa região. - Augusto da uma boa bebericada no vinho.
- realmente, não
tenho de que reclamar. - Heitor sorri, orgulhoso. - a falecida mãe delas era
uma mulher belíssima. A deusa Afrodite foi bem generosa, não acha?
o homem olha para o grupo de legionários, que encaravam suas
filhas como animais selvagens, exceto por Felipe, que estava bem mais
interessado em olhar pela janela, fitando a moça que ainda cortava lenha, mesmo
visivelmente cansada.
- posso saber a quem pretende dar uma delas como esposa? - o
homem corpulento indaga o general.
- a este homem. - Augusto indica com olhar a Felipe, sentado
ao seu lado direito. - um dos melhores soldados que tenho. - o homem segura
firme os ombros do rapaz. - a primeira vez em que o vi enfrentar dois gladiadores renomados, e vencer, sendo
apenas um prisioneiro, sabia que tinha que tê-lo em meu comando. - Augusto
falava com orgulho.
As três meninas sorriem e cochicham entre si, ao ver que o futuro esposo de uma das três, além
de ser um rapaz de belas feições, era um guerreiro extraordinário.
- me parece um rapaz muito jovem, para ser digno de tanta
estima; com todo respeito. - Heitor examina o rapaz da cabeça aos pés. -
diga-me, rapaz: já matou muitos homens?
- certamente mais do que você, em toda vida. - Felipe faz
questão de fixar o olhar sobre a barriga protuberante do homem. - diga-me,
alguma vez já tirou a vida de algum ser vivo? Um pássaro, que seja? - ele revida, em tom de provocação.
O homem franze o cenho, enquanto a sala é tomada por risos.
Augusto, que sabia como ninguém que o rapaz não era de levar desaforos para
casa, apenas gargalha, não abrindo mão daquele saboroso vinho.
- não se deixe enganar. - ele se dirige a Heitor, batendo
firme o copo de barro sobre a mesa de madeira. - apesar de ser jovem, este
rapaz tem uma das maiores coragens que já vi, além de ser um estrategista nato.
Sua bravura e inteligência foi o que nos manteve vivos, quando alguns bárbaros
cercaram nossas legiões no ano passado.
- incrível. - o homem ainda estava ofendido, por isso suas
palavras eram vazias. - mas voltemos aos
negócios. Caso concorde com esse casamento, o que ganharei em troca?
Enquanto seu superior e Heitor tratavam de negócios, o jovem guerreiro não tirava os olhos da moça que estava do lado de fora. Ele a olhava pela Janela.
Quando sua tarefa estava findada, Agatha colhe o feixe de lenha em seus braços. Eram muitos pedaços de madeira, bem mais do que ela podia carregar, por isso ela tinha certa dificuldade para carregá-los sozinha.
Um dos pedaços
de madeira parece ferir a pele alva de Agatha, a fazendo soltar o feixe no
chão.
Como nenhuma daquelas jovens
haviam chamado tanta atenção quanto aquela que agora tentava catar os
pedaços de madeira de volta, Felipe deixa a mesa e caminha até a saída.
- para onde vai? - Augusto o indaga
- acho que bebi muito vinho. - o rapaz mente. - preciso
respirar um pouco de ar puro.
Agatha continuava apanhando a lenha, quando notou que o
jovem soldado romano estava bem a sua
frente. Felipe ajoelha-se e a ajuda a apanhar o resto que faltava.
- uma moça tão bonita não deveria fazer tanto esforço. - o
legionário vê os olhos verdes e tímidos da moça encontrarem os seus. – permita
que eu leve para você.
Agatha fica um pouco assustada, já que não esperava que
receberia ajuda de um oficial do exército. Mesmo assim, ela entrega o seu feixe,
um pouco ruborizada.
- acha mesmo que sou bonita? - Agatha rompe a timidez para
falar.
- a mais bela que vi por esse vilarejo. E olha que meu
senhor me fez ver várias.
Agatha sorri ao gracejo do rapaz. Com as mãos livres, a moça
guia uma mecha de sua franja dourada para trás de sua orelha.
- não deveria está na sala, escolhendo uma de minhas
senhoras como sua esposa?
- então já sabe os motivos da nossa visita.
- com todo respeito, senhor; é um vilarejo pequeno. As
notícias correm como a água das chuvas.
- imagino. – o rapaz recorda o feixe de madeira em suas
mãos, que o impedia de ser cordial. – onde devo deixar a lenha?
- sinto muito. eu te levo até lá.
Pelo caminho, Zenon externa algo que vinha pensando:
- achei que aquelas três garotas fossem suas irmãs.
- meu pai foi decapitado por um soldado romano, por causa de
sua fé no nosso Deus. Depois disso o senhor, dono dessas propriedades, e que
também era irmão de meu pai, acolheu minha mãe e a mim como suas escravas. - a
moça olha para a armadura de couro do legionário e para a gladio em sua bainha,
recordando que o próprio rapaz a quem contava a história também era romano.
- sinto muito. - Zenon apieda-se. – o cristianismo é uma
crença perigosa de ser anunciada nos dias de hoje. Admiro como os seus
seguidores a defendem tão fervorosamente, mesmo morrendo aos milhões. sinceramente, é um pouco incogitável imaginar que um só Deus hebreu é mais
poderoso de que todos os nossos deuses romanos.
Agatha e Felipe caminham juntos até os fundos da casa, onde
deixam os feixes de madeira, junto com inúmeros outros.
Quando suas mãos estavam livres, Felipe toma uma das mãos de
Aghata entre as suas. O rapaz percebe os vários calos e os cortes, causados
pelo seu trabalho árduo naquela fazenda.
- me chamo Felipe. - o rapaz beija aquelas mãos delicadas e
ao mesmo tempo calejadas.
- pode me chamar de Agatha.
- a jovem se apresenta, corando um pouco.
- diga-me, Agatha. Gosta da vida que vive nesse lugar? - o rapaz solta as mãos da jovem.
- não tenho de que queixar-me. - ela replica. - tenho um
teto para repousar e comida para me alimentar. Tenho que ser grata, já que
muitos do meu povo, que estão por aqui, não tem nem isso.
- e se pudesse deixar de ser escrava? Faria isso? Seria uma
mulher livre?
- não entendo onde
quer chegar.
- serei sincero. Não tenho nenhuma intenção de casar-me.
Nunca esteve em meus planos construir uma família, ou algo do tipo.
- estranho; achei que todo homem quisesse ter uma mulher só dele,
para que pudesse ter muitos filhos com ela.
- eu sou alguém que preza pela quantidade. Só Concordo
com essa ideia pois sou grato ao meu
senhor, por ter livrado a mim e meu irmão dos grilhões da prisão. Já que ele
insiste com essa ideia, acho que você seria a mais apropriada para ser minha esposa.
- então pretende o enganar? – Agatha pressupõe. - Quer que
finja ser sua esposa, enquanto você continua dormindo com outras mulheres.
- você entende as coisas bem rápido.
- não entendo porquê casar com uma escrava como eu. – Agatha
tenta compreender as motivações do legionário. - Não seria mais apropriado
escolher uma das minhas senhoras para tomar como sua mulher? – a jovem fuzila
Felipe com um olhar curioso.
- nenhuma delas é tão bela e Esperta quanto você. - o rapaz
a encara de forma enigmática. - Além disso, você tem algo especial. Passamos por
provações parecidas. Meu pai foi um prisioneiro por também se converter a sua fé; e a professou até o fim de sua vida, quando foi queimado na frente de todos,
no Coliseu. Eu só sobrevivi porquê consegui matar os meus algozes, o que chamou
a atenção da plateia.
- então também é um cristão. - a Jovem alegra-se.
- prefiro deixar que os deuses resolvam suas diferenças
entre si e que eles permitam que nós, mortais, sigamos nossa vida como bem
entendamos.
- mesmo assim, nós acabamos de nos conhecer. Por que deseja
casar comigo, assim tão subitamente? – a moça reluta, mesmo que por dentro não
achasse tão ruim ser escolhida para ser mulher de alguém tão astuto e atraente
quanto o rapaz que estava a sua frete.
- eu entendo que a ideia parece estranha e você tem todo
direito de não aceitar. Mas veja, nós dois ganharíamos com esse casamento. Você
sairia desse lugar e seria uma mulher livre. Te daria uma boa casa e faria
questão de que fosse alimentada do melhor de nosso império, enquanto poderia
professar a fé no seu Deus, livremente. Se não deseja me servir como mulher,
apenas permita que eu sacie os meus desejos carnais em outros corpos e prometo
não encostar um dedo em você, até que assim deseje. – Felipe desliza as costas
do indicador sobre as maçãs do rosto de Agatha.
- e você, o que ganha se casando comigo?
- além da aprovação de meu superior, terei uma linda esposa
me esperando sempre que voltar do campo de batalha; Tenho certeza que isso já
seria mais que suficiente para qualquer um daqueles homens que estão naquela
sala. E caso um dia permita que eu a conheça como mulher, certamente serei um homem feliz. - instintivamente o rapaz encara o corpo, ainda imaturo, de Agatha.
– como disse, todos nós ganhamos. o que me diz? Aceita se casar comigo?
- meu tio jamais irá aceitar esse casamento. – dava para
notar o temor de Agatha.
- se chegar a esse ponto, eu terei que mostrar para ele,
porquê meus inimigos tremem só de ouvir meu nome no campo de batalha.
Dentro do salão, as negociações seguiam de forma fervorosa.
Hoje parece ser algo desumano e inconcebível, mas naquela época casamentos eram
bem mais uma aliança política entre as famílias dos noivos, do que um ato
romântico fruto do amor entre eles. Augusto esperava apenas a aprovação do seu
soldado, para consolidar a união dele com a mais velha das filhas de Heitor.
Felipe torna ao ambiente, agora de mãos dadas com Agatha, que
fica um pouco receosa de entrar na casa de seus senhores daquela forma.
Os olhares caem instantaneamente para o casal, o que faz
Zenon anunciar:
- perdão por interromper, meu senhor, mas creio que
encontrei a mulher com quem desejo me casar.
A mãe de Agatha não esconde a alegria ao ver que sua filha
era a escolhida para ser a esposa do jovem soldado. mesmo ele sendo romano, ainda era bem melhor ser
esposa de um guerreiro, do que uma escrava. Alegria que não era compartilhada
pelo senhor daquelas terras.
- a escrava? - Heitor indaga, quase espumando pela boca. -
mas isso é loucura. Me perdoe, General, mas essa jovem não passa de uma hebreia, suja e mal cheirosa. Tenho
certeza que Helena seria uma esposa mais apropriada e dedicada para alguém a quem
o senhor estima tanto.
Augusto também não entendia o que se passava na cabeça de
Felipe, mas era intimamente conhecedor da inteligência e perspicácia de seu
subordinado, por isso sabia que além da formosura daquela escrava, o rapaz
tinha algum motivo particular por trás de sua escolha. Razão pela qual o homem
apenas sorri para o legionário e o diz:
- Se é essa jovem que
deseja, essa será sua futura esposa. Pelo que vejo, os dois já estão bem certos
dessa decisão. - o general olha a jovem hebreia nos olhos. - estou certo?
Agatha faz que sim com a cabeça.
- então, quem sou eu para impedir o amor entre dois jovens apaixonados. - Augusto dá dois leves tapas
no rosto de Felipe. - você não cansa de me surpreender, não é, Garoto? - basta
saber se o senhor dessa jovem está de acordo com essa união.
Era nítido que Heitor não concordava com a escolha do
legionário, mas ver meia dúzia de soldados romanos armados em sua casa,
principalmente Felipe, que em nenhum momento tirava a mão de sua espada, não o
deixaram escolha a não ser dizer:
- que assim seja, general. - o homem responde.
- certo! Iremos
preparar a cerimônia e a casa onde os noivos irão viver. Dentro de alguns meses
retornaremos para buscar a noiva e consolidar o casamento. - Augusto estende a
mão para o anfitrião, que a segura com firmeza. - não se preocupe, apesar dessa
Jovem não ser sua filha, nosso acordo continua o mesmo.
...
Se Agatha soubesse como sua vida seria destruída por causa
daquela escolha, jamais aceitaria aquele
pedido de casamento. O fato é que ela ter sido a escolhida, e não Helena,
acabou enchendo de ódio e inveja o coração da mais velha das irmãs. Não só
dela, mas também de Heitor, que não viu com bons olhos a ousadia de sua sobrinha.
Além das outras duas filhas, que já não eram muito fã da moça. Aquele pedido
foi o estopim para que todos naquela família a odiassem ainda mais e começassem a tramar
contra a pobre garota, que de nada tinha culpa.
Apesar de ser noiva de um Soldado , Agatha continuou
servindo fielmente a casa de Heitor pelos cinco meses que se sucederam. Ela era
por vezes humilhada e massacrada pelas três garotas, que não a deixaram em paz
um só dia, sequer.
Certo dia, uma carta chega até a casa de Heitor. Uma carta
assinada e selada com o selo do imperador de Roma. A carta dizia que os
preparativos estavam concluídos e que naquela tarde o general retornaria ao
vilarejo para buscar a noiva de seu soldado.
Aquela notícia foi como um alívio para Agatha. Ela não tinha
a quem contar, exceto por sua mãe, que estava realmente ansiosa por aquele
casamento. A jovem tinha um certo orgulho ao ouvir sobre os rumores de um bravo
legionário, que vinha ganhando cada vez mais notoriedade no campo de batalha; o
bravo, e recém condecorado, Decurião Felipe.
O coração de Agatha palpitava só de ouvir os aldeões relatarem as
histórias de combate do guerreiro, pois sabia que muito em breve seria sua
esposa. Dava para dizer que apesar de ser um casamento superficial, ela estava
realmente apaixonada pelo homem que seria seu marido.
O que Agatha não sabia era que seu destino já estava traçado
nas mãos daqueles que mais a odiavam. O que Helena, suas irmãs e seu pai
fizeram com ela foi tão cruel , tão covarde e tão desumano, que só de escrever
já sinto um nó na garganta e uma repulsa pessoal me invade intimamente. em virtude disso, não serei tão sucinta nos
detalhes, como fui até então.
Para que saibam, no dia em que soube da carta, Helena pagou
a alguns mercenários conhecidos de seu pai para emboscarem a moça na floresta.
No mesmo dia a filha mais velha ordenou a Agatha para que fosse até a floresta
colher um fruto raro, de uma árvore que
só existia naquela floresta. Agatha estranhou, pois conhecia a floresta como
ninguém e nunca tinha ouvido falar de tal fruto, mas como serva obediente foi.
E foi ali, sozinha e indefesa, que aqueles homens cruéis a encurralaram e
sozinha e sem que ninguém pudesse a proteger, ela teve seu corpo violado e sua
inocência roubada por aqueles homens covardes, perversos e repugnantes. Eles
poderiam ter a matado alí mesmo, e Agatha certamente preferiria isso á conviver
com a vergonha ao qual foi submetida, mas ainda sob ordens eles a deixaram ali
e partiram.
Agatha volta correndo aos prantos para a casa de Heitor e
grande foi a sua surpresa ao ver o senhor daquelas propriedades com um sorriso
malévolo no rosto ao vê-la chegar.
- o que houve com você, Sobrinha? - o homem a questiona, mas
Agatha percebe a maldade em seu olhar. Ele já sabia de tudo e também tinha
parte na armadilha que tramaram contra ela.
- machucaram você? - Augusto estava apreensivo ao ver as
roupas rasgadas da jovem, exibindo seu seio rosado.
Agatha continua muda, relutando contra a vontade de chorar.
Foi Saphira, a filha caçula quem veio da mesma direção de Agatha e deu a
cartada final naquele circo de horrores.
- ela estava na floresta, se deitando com vários homens. Eu vi
com meus próprios olhos. Essa cretina não passa de uma adúltera.
Agatha a olha com os olhos inchados e cheios de ódio.
- é verdade, menina? - Augusto continua esperando uma
resposta.
- minha filha querida jamais mentiria. - Heitor é quem
responde. - ela já não é mais virgem. Isso é uma desonra, até para mim, que foi
quem a criei. - Heitor olha de forma triunfante para Agatha que aquela altura só podia chorar. - não vai
levar uma mulher impura e Adúltera para aquele a quem tem como um de seu
próprio sangue, não é? Isso seria uma vergonha.
Augusto continua em silêncio. Toda aquela confusão o deixou
sem saber o que falar.
- se aceita uma sugestão, General. Os preparativos estão
prontos, e não podemos deixar o Jovem Felipe sem uma esposa. Por que não leva a
Helena como esposa para ele? Tenho certeza que minha querida irá satisfazer
muito mais a virilidade do rapaz, do que qualquer outra mulher. Quanto a essa
prostituta, prometo que será apedrejada em praça pública, como manda os
costumes de nosso povo, por causa de sua infidelidade para com seu soldado.
Agatha sente seu coração estremecer só ao ouvir o seu
destino. Aquilo não era justo. Sabia que já não era mais digna de ser esposa
daquele a quem já amava como esposo, em tão pouco tempo, mas não iria permitir
o triunfo daqueles malditos.
- vocês são terríveis. - Agatha pragueja entre lágrimas. -
planejaram tudo, só para pôr um fim no pouco de felicidade que eu já tive. Eu
odeio cada um de vocês. Odeio essa casa. Odeio esse vilarejo. Saibam que um dia
irei me vingar por tudo que fizeram comigo. - Agatha ira-se e por uma fração de
segundos, seus olhos parecem emanar uma luz amarelada.
- faça alguma coisa general. Não vê que é uma feiticeira? - Heitor alarma-se.
- Jamais irão me achar com vida.
Com o rosto molhado, a pobre garota corre de volta para a
floresta, fugindo não só daquela casa, mas também da dor que aumentava em seu
peito.
- Prometo que serei um excelente esposa
para o Felipe. - Helena sorri, ao lado de seu pai, ignorando completamente a
moça que entrou de floresta a dentro.
Augusto continua em silencio. O general retorna para o seu cavalo,
sem dizer uma só palavra.
- o que vocês fizeram contra essa pobre menina foi de uma
covardia sem tamanho. - o general tinha um olhar ríspido para o quarteto a sua
frente. - jamais permitirei que pessoas tão cruéis, quanto vocês, consigam o
poder e os privilégios que querem. Por enquanto é melhor que o garoto continue
sozinho. Mas, agora que ele tem seus próprios soldados, não garanto que ele não
irá retornar aqui e vingar-se daqueles que fizeram mal a mulher por quem ele se
apaixonou. Vocês ainda não conhecem a ira daquele rapaz.
- mas senhor... A culpa não foi nossa. - Heitor entra em
desespero.
Sem dar ouvidos as lástimas, o general segue viagem,
imaginando como diria o que acabou de presenciar ao rapaz.
Totalmente perdida, Agatha encontrava-se a beira de um
precipício. A moça criava coragem para pular, mas o grande rio que via metros
abaixo dos seus pés a fazia soar frio. A jovem começa a recordar os planos que já
havia feito sobre sua vida como uma mulher casada, longe daquela casa, ao lado
de um homem honrado e valente, que certamente a protegeria de todo e qualquer
perigo, o que faz lágrimas caírem de seus olhos. Por mais que não quisesse pular, seria
apedrejada e caso sobrevivesse, o que a aguardava eram os prostíbulos da
cidade.
Vendo que sua vida já não fazia mais sentido, a menina cria
coragem para pular. Seus pés já não estavam no abismo, mesmo assim ela sente
uma força invisível a puxar pela cintura e a levar de volta para terra firme.
- não faça isso! - uma voz doce, porém firme, a admoesta. -
estará desperdiçando um grande talento para magia, se pular desse penhasco.
- quem é você?
Um pouco atordoada, a garota vira para ver quem a salvou.
Ela se depara com uma mulher, um pouco mais velha de que ela. Sua aparência era
estranhamente profana, de um jeito que Agatha jamais viu em toda sua vida. Ela
usava vestes completamente negras e estranhas para aquela época. Tinha olhos
azuis, beirando o cinza, e cabelos longos, tão alvos quanto as nuvens do céu.
- você é uma bruxa? - Agatha a questiona, com temor.
- eu vi o que fizeram com você e sei, mas que qualquer um, como os humanos são perversos. Mas, se tirar sua vida, estará dando a vitória para aqueles cretinos. Você tem uma capacidade para a magia incrível, mesmo que ela ainda esteja adormecida em você. Se quiser ser minha discípula, posso te ensinar a dominar esse poder, para um dia se vingar daqueles que te fizeram mal. Você só precisa pegar todo ódio que eu vejo dentro de você e usar como combustível para se tornar forte e temida. Vai precisar esquecer de tudo. Apagar de sua mente o que você foi e até aqueles que um dia Amou, para se tornar outra criatura.
- eu aceito. - Agatha mal espera a bruxa terminar sua fala.
- fez uma sábia escolha. Tenho certeza que seu nome ainda
fará muitos tremerem de pavor. - a mulher de cabelos brancos diz a olhando nos
olhos, com convicção. –
- você ainda não me disse seu nome. - Agatha tinha interesse
em saber quem era a sua nova mentora.
A Mulher sorri, e ao vê-la exibir seus dentes, Agatha
percebe seus dois caninos bem maiores e manchados de sangue.
- pode me chamar de Lilith. - com a resposta, os olhos de
Lilith assumem um tom avermelhado.
E foi assim que alguém tão puro e cheio de ternura acabou se
tornando um ser movido pelo ódio e sem nenhuma compaixão. como disse, não
espero que tenham empatia por ela, mas sinto que estaria cometendo um grave
erro em omitir sua origem tão triste e ao mesmo tempo cruel.
Para que a história não termine tão sombria, é importante
também dizer que quando Felipe soube o que houve com sua noiva e voltou ao
vilarejo, encontrou toda a família de Heitor carbonizada, assim como toda sua
propriedade reduzida a cinzas e ruínas. Para fazer justiça pela pobre escrava a
quem havia condenado aquele destino terrível, e para não desperdiçar toda
aquela viagem, o jovem Decurião ordenou aos seus guerreiros que ateassem fogo
em todo o vilarejo, incluindo homem, mulheres e crianças e nunca mais se soube
notícias daquele lugar.
Merci pour la lecture!
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