saturnate Saturnate

Uma sociedade que se desenvolveu tecnologicamente distinta do que nós conhecemos, priorizando uma estética rústica e criações altamente avançadas, mas desenvolvidas a partir de materiais básicos como madeira, metal e magia. Katsuki é um inventor desvalorizado socialmente por priorizar projetos que não sejam poluentes, visto que a situação do continente em que reside beira a desumanização. Tudo muda, no entanto, quando este resolve passar uma tarde no barco pesqueiro da família, em busca de inspiração, e acaba sendo acometido por uma tempestade de consequências inimagináveis.


Fanfiction Dessins animés Interdit aux moins de 18 ans.

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Dos braços de poseidon

Aquela tarde, em especial, estava insuportavelmente quente. Poucas nuvens cobriam o céu e o mais jovem dos Bakugou não poderia estar mais enjoado com o balanço letárgico do barco pesqueiro da família. A camisa branca de mangas grudando no corpo pelos respingos de água salgada e os cabelos desgrenhados pela brisa nervosa, que parecia adentrar suas narinas com o intuito de sufocá-lo.

Katsuki cobriu a boca com a destra, sentindo o estômago revirar. Além do mar, havia outros motivos para o mal estar do loiro: as cobranças da família para continuar com os negócios, os olhares desdenhosos do pai e o gosto ruim que inundava sua boca todas as vezes que via sangue em abundância. Era herdeiro de pescadores famosos na cidade, mas não gostava do mar, de barcos e muito menos de peixe. Odiava peixes. Exceto se a observação destes pequenos animais pudesse ajudá-lo a ter ideias para novas máquinas, além de, claro, não precisar utilizar a máscara pesada de couro com filtros que facilitavam sua respiração ali, pois o ar era bem menos denso do que a poluição rotineira dos centros industriais. Seu pulmão esquerdo estava comprometido desde os quinze anos de idade, e se não houvesse criado aquele utensílio de suporte, provavelmente sua expectativa de vida ridícula diminuiria ainda mais. Mas, ainda sim, doía respirar normalmente.

O caderno de esboços no bolso esquerdo da calça de alfaiataria era a prova viva de como o cientista mal humorado estava sempre preparado para encontrar inspirações onde quer que fosse, fazendo seu tempo valer o triplo que o dos demais extras que lhe cercavam. Suas invenções não possuíam o mesmo prestígio que as dos demais inventores, visto que se recusava a aplicar como combustível os resquícios de magia da carnificina de cem anos atrás, mas isso não o desestimulava, não quando tinha convicção de que seus ideais valiam a pena, que pensar em colocar no mercado máquinas menos poluentes e sem o rastro de sangue de seres místicos não era apenas um devaneio louco.

Com os óculos embaçados dos respingos de água salgada e o rosto vermelho suado, afastou-se da beirada, caminhando pelo corredor extenso do grande barco e tentando organizar os pensamentos. Estava estranhando a ausência dos outros tripulantes, que geralmente estariam se revezando e caminhando apressados pelos corredores da embarcação, porém imaginou que deviam estar ocupados com tarefas que ele não entendia muito bem. Seu pai abominava o fato de que nunca havia conseguido assimilar nenhuma de suas instruções quanto à pesca, mas seu maior segredo era que ele as captava com maestria, mas recusava-se a pôr em prática, pois odiava o ofício.

O mar se agitou, as ondas balançando a embarcação com violência, tirando-o do eixo de equilíbrio enquanto andava rumo à cabine. O loiro mais novo não percebeu que o céu escureceu rapidamente, e as nuvens carregadas começavam a se reunir próximo da região em que estavam, mas um grito desesperado irrompeu sua audição, fazendo-o ter calafrios por todo o corpo, sem saber o que iria acontecer para todos estarem tão agitados.

– KATSUKI, PARA DENTRO DO BARCO, AGORA! – volveu as orbes taciturnas para o horizonte, uma onda gigantesca iria quebrar contra o casco do barco e ele não tinha para onde correr.

Encarou o corredor, percebendo que estava longe demais da cabine e que não conseguiria chegar a tempo sem que a onda o derrubasse do barco. Apenas fechou os olhos, sentindo o barco balançar para, em um ímpeto, o mar rugir e lançar uma onda forte contra si. Gritou quando o corpo foi jogado contra a parede, lhe tirando todo o ar dos pulmões pelo baque repentino, os olhos pequenos arregalando-se e a boca abrindo em um perfeito “O” para, em seguida, o atirar para o lado oposto: o gatilho do arpão. O metal gelado entrando em contato com sua pele, e os óculos dourados escorregando pelo nariz até cair no mar. Ótimo, agora não enxergava mais nada. A arma havia sido destravada e, por muito pouco, a haste metálica não arrancou seu ombro ao ser impulsionada em direção às águas.

Um grunhido agudo reverberou por seus ouvidos, fazendo-o levar as mãos até eles e protegê-los com força. Estava desnorteado, seus sentidos completamente bagunçados pelo rosnado enfurecido da tempestade, a visão comprometida e o coração acelerado dentro do peito, que martelava a caixa torácica e dificultava o surgimento de pensamentos racionais que poderiam lhe propiciar uma fuga segura daquela situação ridiculamente perigosa.

— Não consigo respirar. — os dedos esguios apertaram a camisa na altura do peito, e ele curvou a coluna, em pânico. As íris vermelhas buscando um foco que não iriam conseguir, porque as orbes defeituosas só funcionavam corretamente se munidas das lentes de vidro, o distanciando ainda mais da tão almejada perfeição.

O mar entrou em um repentino silêncio, as gotas pesadas de chuva banhando seu corpo e os trovões reluzindo contra as nuvens escuras. O tamanho das ondas havia diminuído consideravelmente, o que lhe propiciaria alguns minutos até a agitação retornar. Mas uma sequência de urros insistentes na lateral do barco, que já estava tingida de vermelho vivo, o incomodava. Merda, iria acabar atraindo tubarões com todo aquele sangue derramado.

Não havia se dado ao trabalho de folhear a enciclopédia de animais marinhos, então por mais que compreendesse que a criatura ferida era das grandes, não imaginava qual delas poderia ser, talvez um filhote de baleia ou um golfinho. Iria atrair tubarões com aquela imensidão carmesim.

Não pensou muito antes de atirar a rede maior que jazia sob seus pés, observando-a enroscar rapidamente em seja lá o que fosse aquilo. Pôs toda a força que conseguiu nos ombros, a franja dourada e encharcada dificultando ainda mais sua visão. Apoiou o pé num pequeno assento de metal e girou a manivela prateada para que o animal fosse suspenso, os músculos dos membros superiores ardendo pelo esforço.

Katsuki afastou-se com repulsa, o fluxo gástrico alcançou sua garganta, mas ele o deteve antes que vomitasse no chão. Ali, debatendo-se incansavelmente na rede, estava uma criatura de pouco mais de dois metros. Um tritão.

Seu coração acelerou tão rápido que achou que pudesse desmaiar a qualquer momento e ser levado pela correnteza. Algumas lágrimas uniram-se tímidas no canto dos olhos e um bolo desceu pela garganta, prendendo um grito de horror ou... Admiração. Os dedos trêmulos agarrando a barra da camisa com força, descontando ali todo seu espanto. Aquilo não poderia ser verdade, toda a população daqueles indivíduos havia sido extinta um século atrás, quando a igreja e o Estado decidiram que seria muito lucrativo taxar uma espécie de criaturas místicas de demônios para minimizar o peso da caça destes.

Encarou as águas calmas, balançando junto com elas e sentindo a cabeça pesar como se tivesse uma âncora amarrada no pescoço. Peixes grandes, sereias, sangue, muito sangue; horror, espanto, gritos, o grunhido primitivo de uma criatura ferida. Lembrou-se das histórias que sua avó o contava para assustá-lo, de animais metade homens, metade peixes, e como o coração deles era valioso, mas que muitos tiravam a própria vida quando sentiam-se encurralados, pois o orgulho dos guerreiros não os permitia morrer tendo consciência de que sua magia seria utilizada para fins bélicos da raça humana.

A cauda vermelha reluzia, balançando quase sem forças na rede pelo ferimento grave do arpão ainda transpassado; o rosto sofrido, mas com resquícios de luminosidade nas bochechas coradas e, por fim, os cabelos ruivos como pequenas chamas, grudados à testa pela água salgada que escorria. Tinha uma pequena marca no canto superior direito do ombro, Bakugou não conseguiu identificar, mas parecia uma tatuagem, devia ser o símbolo de seu povo. Era… magnífico.

O rosto exausto estava pressionado contra o emaranhado de fios da rede de pesca, e os dedos da mão grande empurravam o tecido quase que imperceptivelmente, como uma forma de se libertar, mas já sem forças para exercer a pressão necessária que rasgasse os fios. Em outra ocasião, talvez, conseguisse rasgá-la com as garras afiadas, todavia, sua energia estava por um fio. Bakugou estendeu a mão, em um ímpeto de coragem que desconhecia existir em seu corpo, tocando a pele quente com a ponta dos dedos. A respiração ruidosa para lembrar-lhe do quanto estava assustado. Intimidado. Os olhos do tritão reluziram em rubi, antes das pálpebras fecharem de vez.

Encarou o corredor aflito, sabendo que Neito viria a qualquer momento atrás de si, tinha poucos minutos, pouquíssimos. O que não havia notado, no entanto, é que um par de íris azuis observavam em silêncio toda a movimentação que estava protagonizando, desesperado para esconder o ser místico.

Puxou a rede para dentro do barco, amaldiçoando-se pelo baque molhado do corpo grande contra a madeira. Começou a desatar os nós de um jeito tão atrapalhado que quase, quase arrependeu-se por não prestar atenção nas instruções de seu pai.

Ok, tinha um peixe gigante em sua frente, a porta mais próxima à esquerda e uma visão ligeiramente embaçada pela falta dos óculos. Provavelmente estava tendo uma alucinação pela pancada com a cabeça no barco, mas não custava nada fazer algo, afinal, se fosse coisa de sua mente, não iria surtir efeito nenhum na realidade. Com os pensamentos focados nisso, cortou o fio de nylon da arma, para que conseguisse removê-la com mais facilidade quando encontrasse um lugar seguro.

Agarrou o corpo grande por baixo dos braços, erguendo a parte superior com cuidado e o arrastando pela madeira por pouco menos de três minutos. Porra, teria que limpar aquele sangue todo depois e já sentia o estômago dar piruetas só de visualizar o arpão cravado ali, preso por muito pouco na carne dilacerada da cauda do tritão. Queria se jogar no mar e morrer afogado, porque a vida não lhe dava mesmo um descanso.

Chutou a porta, arrastando-se para dentro com o peixe e caindo de bunda no chão. Era pesado demais. Largou o corpo e ergueu-se, acendendo a lâmpada que balançava lânguida no teto, tornando a iluminação do compartimento precária. Não usavam muito aquele lugar, então só tinha entulho e redes rasgadas.

– Sereias não existem, sereias não existem...– repetia baixinho, como um mantra, encarando a cauda vermelha e ponderando uma maneira de arrancar o arpão dali sem causar uma hemorragia ou nada do tipo. Se bem que a situação dele já era bem ruim; a magia parecia se esvair aos pouquinhos, deixando-o pálido.

– Me desculpa, ok? – pediu, antes de apoiar a destra nas escamas escorregadias e, com a outra, apertar o cabo de metal, puxando de uma só vez. Sentiu a ponta da arma deslizar macia pela carne, apesar do solavanco.

O tritão espasmou. O sangue escorrendo em abundância pela ferida aberta precisava estancar. Um louco, isso que era, estava salvando a vida de um tritão imaginário, um tritão, merda. Essas coisas nem existiam mais.

Puxou a camisa branca para cima, retirando-a do corpo e rasgando ao meio, ergueu um pouco a cauda rubra, passando o tecido por baixo e dando um nó forte na parte de cima; repetiu o procedimento com a outra metade da camisa. Imaginava que aquilo não seria o suficiente para salvar a vida da criatura, pois estava faltando um pedaço do membro, que provavelmente foi arrancado com o impacto do arpão, então o mínimo dos problemas, naquele momento, era o sangramento.

– Eu vou te deixar aqui e depois venho buscar, ok? Não morra, por favor, eu vou me sentir como eles. – pediu baixinho, engatinhando até estar próximo do rosto desacordado.

– Katsuki!

Gritaram alto, provavelmente achando que o mais novo havia caído no mar. Levantou-se rápido, correndo para a saída sem olhar para trás.

Neito, que estava do lado de fora, arregalou os olhos com a aparência alheia, o mais novo se encontrava suado, sujo de sangue, e sem camisa, com as pálpebras apertadas pela ausência dos óculos de grau.

– O que aconteceu aqui? – arqueou uma sobrancelha, desconfiado com toda a bagunça no corredor do barco.

– Eu...– não sabia o que falar, nem ao menos tinha pensado em algo que justificasse toda a bagunça, enquanto limpava o tritão.

– NEITO E KATSUKI, OS DOIS PARA DENTRO.

Katsuki grunhiu, caminhando pelo corredor sombrio. Uma nota mental de limpar aquilo antes que seu pai visse.

(...)

Era noite quando o barco atracou. Poderia dizer que, à essa hora a lua provavelmente estava alta no céu, mas a verdade é que não era possível enxergar o satélite natural pela janela de sua casa devido a fuligem grosseira que incrustava o ar e as construções incrivelmente altas que decoravam a paisagem, tingindo-a de tons que transitavam entre marrom e bronze envelhecido, não necessariamente feio, mas igualmente entediante quando aquela é a única paleta utilizada há mais de cem anos, em homenagem à revolução tecnológica que alterou toda a organização social daquele continente maldito.

Bakugou caminhou de um lado para o outro na pequena sala de sua casa. O sofá preto de couro que havia ganhado do pai quando se mudou servia de depósito provisório das inúmeras folhas douradas em que detalhava seus projetos, com anotações sobre o funcionamento, processo de montagem e um espaço especial dedicado à peças que precisava adquirir para dar vida aos autômatos; a janela estava ornamentada por cortinas escuras, para que nenhum curioso tivesse abertura suficiente para encarar o interior da residência, e as prateleiras lotadas de engrenagens, fios e ferramentas, disputavam lugar com a cama de solteiro desforrada e o guarda-roupa, ambos envernizados, para garantir a durabilidade do tom vermelho escuro que elaborou misturando algumas das cores primárias. O ambiente era microscópico se comparado aos cômodos das construções que constituíam sua vizinhança, todavia era o máximo que havia conseguido. Ser brilhante não colocava comida em sua mesa e não lhe garantia ascensão social merecida em uma sociedade que os tecnólogos eram tão idolatrados quanto as estatuetas de madeira que decoravam o altar da Igreja Benevolente.

Chutou o ar, insatisfeito com a situação que havia se metido por ser descuidado demais. Mas quem iria imaginar que uma tempestade lhe tornaria o algoz de um indivíduo que nem mesmo deveria existir mais?

A culpa da extinção em massa não pode ser direcionada apenas à um indivíduo, visto que os registros desta época foram queimados todos ao fim da guerra, mas há uma lenda que faz referência ao primeiro cientista que utilizou a magia de uma criatura mística ao aprisionar a alma de uma ninfa dos rios em um autômato, presenteando o atual rei com sua mais nova criação e despertando no coração tirano o desejo por mais daqueles seres convertidos à uma cela de madeira, cobre e carvão que só funcionava sob o comando de seus inquisidores.

A igreja, que há muito pregava em suas dogmas a demonização de seres místicos e seus cultos politeístas, não pensou duas vezes antes de buscar edificar uma aliança sólida com o crápula que comandava o império mediante a mais pura repressão. Então não foi difícil alienar a população com as duas maiores ferramentas de controle em massa que uma sociedade pode lançar mão, anulando qualquer resquício de empatia que podia existir no coração dos habitantes de igníribus, e submetendo-os aos exércitos que estavam na linha de frente das cruzadas. Milhares de homens armados que marchavam em direção à fronteira, embrenhando-se nas matas e oceanos em busca de raças que mantinham o equilíbrio com a natureza e nunca havia cogitado atentar contra a vida dos idiotas que abriram fogo contra si da forma mais covarde que poderia se iniciar uma guerra.

A resposta do lado oposto demorou a chegar, pois não eram uma sociedade militarista e viviam em pequenos grupos, o que retardou a criação de uma força tarefa que pudesse bater de frente com a ameaça humana.

Os primeiros a se defender da violência descabida foram as comunidades élficas, que conheciam as florestas como a palma de sua mão; estes seres estenderam sua proteção sobre as fadas e demais espíritos terrestres, mas não conseguiram interceder à tempo no que diz respeito à extinção das sereias, que eram dóceis demais para se defender, e foram capturadas, em sua maioria, por embarcações que caçavam baleias. De início, a espécie aquática valia muito pouco, porque o embate se dava de forma eficaz, e a quantidade das caçadas era absurda, mas o sumiço e escassez foi inevitável ao longo da guerra, o que tornou-os itens de colecionador. As escamas eram utilizadas na confecção de itens de luxo, como bolsas, chapéus e casacos; o coração, no entanto, era destinado aos laboratórios do império, onde os inventores faziam uso da magia que pulsava dourada no órgão, para catalisar os processos criativos.

Vinte anos de conflito depois, todas as espécies místicas do continente foram extintas, sejam elas terrestres, aquáticas ou aéreas, e a região foi cercada por um muro intransponível. Ainda existia vida fora das muralhas, mas não se tinha notícia de que tipo de criaturas havia se desenvolvido em meio ao desmatamento, poluição e cascatas de sangue inocente derramadas.

A tecnologia deu um salto rumo à ascensão neste período, desenvolvendo-se exclusivamente de madeira, metal e carvão, além do estoque desconhecido de órgãos mágicos, que só a elite tinha acesso, e possibilitava a criação das mais diversas engenhocas que se podia imaginar.

Alguns cientistas, no entanto, começaram a perceber que a humanidade seria a próxima espécie a ser extinta, se os materiais não fossem urgentemente substituídos, porque a camada de poluição estava se tornando cada dia mais espessa e corriam o risco de que ela bloqueasse de vez a luz solar. O que, infelizmente, não foi acatado pelo regime que comandava o território, completamente cego de poder.

Vaporwave era o nome da organização desses tecnólogos, empenhados na recuperação dos quatro elementos naturais e na utilização consciente dos meios de produção. Katsuki Bakugou foi seu fundador, todavia, só contava com o apoio de mais dois ou três inventores que conseguiram anular a alienação do Estado ao enxergarem as marcas da desigualdade cada vez mais acentuadas entre os habitantes de Igníribus. A parcela menos abastada da população consumia uma ração composta de restos de cartilagem, trigo e outros ingredientes que compunham in natura a mesa das elites que dominavam os nove países. A família de Bakugou, inteiramente composta de pescadores, nunca nem ao menos havia provado o sabor destes animais, pois os suprimentos eram desviados ainda no porto aos mercados luxuosos que se situavam no topo das montanhas, onde o ar ainda era minimamente tragável.

A mãe do loiro morreu de insuficiência respiratória, doença que acometia grande parte da população, e ele só havia diminuído a velocidade do desgaste de seu pulmão graças à uma máscara respiratória desenvolvida por suas próprias mãos. Era sim, possível, fazer ciência sem comprometer a qualidade de vida dos seres humanos com toda aquela queima de combustíveis poluentes, todavia ninguém o ouvia, e ele era quase invisível, não tinha voz.

Bagunçou os fios loiros, sem ter a mínima ideia do que deveria fazer com um tritão ferido. Seria impossível devolvê-lo ao mar agora, ou ele morreria por conta da extensão da ferida que o arpão havia causado no membro de locomoção. Suspeitava que aquele provavelmente fosse o último exemplar de sua espécie, levando em consideração os boatos que atestavam a extinção das sereias, o que tornaria a vida de ambos um inferno caso não lhe resgatasse antes que um dos tripulantes do navio de seu pai visse.

Encarou o relógio: dez e meia da noite. Quanto tempo havia perdido olhando para o nada e rememorando um confronto que não viveu?

A essa hora já não havia mais ninguém na rua, todos dormiam cedo devido a carga exaustiva de trabalho que se iniciava às quatro da madrugada e ia até às oito da noite, sem pausa, então aquele era o melhor horário para carregar um corpo sem que fosse interceptado por olhares curiosos.

Do que ele precisava? Tecidos, o máximo de tecidos que conseguisse reunir para cobrir o corpo enfermo.

Vestiu o sobretudo escuro que jazia esquecido no gancho próximo à porta e vasculhou o guarda-roupa à procura de cobertas, não tinha muitas, uma vez que morava sozinho e tentava manter o mínimo de porcarias em sua casa/escritório/laboratório, para manter o cômodo minimamente organizado em meio às peças e criações. Os ponteiros do relógio de parede emitiam o som irritante de tic tac, evitando que o tecnólogo fosse engolido pelo silêncio absoluto.

Conseguiu quatro lençóis, amarrando-os talvez fosse o suficiente para ocultar a cauda reluzente da criatura. Dobrou-os e enfiou dentro da mochila, percebendo que precisava de uma nova, pois o fecho estava ameaçando romper devido a quantidade de coisas que carregava nela.

— Eu não acredito que sou azarado assim. — Resmungou para si mesmo, erguendo finalmente a coluna, com os tecidos, uma tesoura que poderia servir de arma caso algum engraçadinho o importunasse, e a máscara respiratória.

Estava pronto.

(...)

Não havia nada que irritasse tanto Katsuki quanto a fuligem que sujava seu rosto sempre que precisava sair de casa. O barulho da respiração ruidosa dentro do couro lembrava-o que, infelizmente, havia dado o azar de nascer em um país fodido como era Oberon¹, que recebia esse nome em uma sátira ao território que o império saqueou dos elfos durante a guerra.

Caminhou rapidamente, apressando o passo ao notar que estava cada vez mais próximo do porto. A milícia que comandava a região marítima não iria lhe incomodar, já que o barco que estava prestes a invadir era do comércio da sua família, mas ele ainda estava hesitante.

Subiu na embarcação, as lembranças de mais cedo invadindo seus pensamentos sem pedir permissão, aumentando ainda mais o incômodo que se instalava em seu estômago. Checou se estava vazia, monitorando os arredores antes de sacar o molho de chaves da calça de couro, inserindo-a na fechadura e girando com cuidado. A porta cedeu ao toque, e Bakugou soltou uma lufada quente de ar que mal havia notado estar prendendo pela tensão que atrasava seus movimentos.

Os dedos enluvados tatearam a parede, esbarrando no interruptor e acendendo a luz do ambiente, que por estar muito fraca, mal iluminou a penumbra do cômodo. Seus olhos examinaram o local em busca da criatura chamativa que havia abandonado ali mais cedo, mas só encontraram um corpo humano, frágil, opaco e… com uma das pernas sem continuidade a partir do joelho.

Sentiu um calafrio arrepiar a espinha e uma das pálpebras tremer.

Katsuki… Katsuki havia mutilado o último tritão.

8 Janvier 2022 11:58 0 Rapport Incorporer Suivre l’histoire
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