A piscina de seu prédio sempre lhe causara calafrios.
Ele não morava em um daqueles – cada vez mais comuns nos dias de hoje – condomínios que abrigavam cidades inteiras dentro de si: quatro torres, cada uma contendo pelo menos seus 20 andares, quadras de futebol e squash, piscinas de diferentes tipos e formatos e toda aquela coisa. A realidade era que tudo aquilo era, de alguma forma, incrível e assustador. O modo como microcosmos tornavam-se cada vez mais comuns, flutuando isolados de todo o resto. Uma vez ele chegou até mesmo a visitar um condomínio – quando foi dormir na casa de um antigo amigo da escola – que continha uma padaria em sua área de lazer! Puxa, vida, aquilo era coisa de outro mundo, ele lembrava-se de pensar, enquanto eles pegavam o elevador afim de comprar uns pães para o café da manhã.
Seu prédio, por outro lado, não continha nada da magia dessas mini cidades. Era, de todos os modos, um prédio insuportavelmente comum. A fachada bege e desbotada era um gigantesco retalho de rachaduras e tinta descascada. Espaços vazios abriam-se por todos os lados onde os antigos azulejos haviam caído, deixando aberturas como os dentes faltando na boca de uma criança banguela. Não havia elevador – afinal, quem precisaria da droga de um elevador quando se tinham apenas quatro andares para onde ir – ele imaginou o espertalhão do arquiteto pensando naquilo.
Boa ideia, amigão, ele pensou, sorrindo para si mesmo enquanto descia as escadas com uma toalha no ombro. Mas não é comigo que você tem que falar, campeão. É com a dona Zinha do quarto andar e seus joelhos doloridos que você vai ter que lidar. Afinal, ela não achava quatro andares tão pouca coisa quando estava no meio da escada com um milhão de sacolas de compra enroladas nos braços flácidos e seus joelhos começavam a implorar por piedade.
Ele alcançou o térreo, abriu a porta da escadaria e foi em direção ao pequeno hall. Seus chinelos arrastavam-se pelo chão de cimento, produzindo um som áspero e monótono que parecia ecoar por todo o prédio. Abrindo a velha porta do hall – um dos vidros da porta, tão leitoso que não era possível ver o outro lado, estava quebrado na forma de uma grande moeda, como se alguém houvesse arremessado uma pedra ali – ele saiu para a entrada do prédio e caminhou até uma espécie de guarita do prédio. Ali, em um porta chaves, retirou uma pequena e extremamente suja chave de um dos ganchos. Pendura nela, uma plaqueta amarela e encardida dizia: PISCINA. Ele anotou seu nome em uma caderneta que ficava ao lado do porta chaves – e que ninguém além dele parecia se importar há já muito tempo – e então saiu da guarita, entrando outra vez no prédio. Lá, desceu mais um lance da escadaria, indo parar no último andar do prédio. Ali, a escadaria descia em linha reta, até finalmente alcançar uma desolada e sombriamente selada porta preta de metal, como aquelas que sempre vemos em banheiros de salões de festas nos prédios, cheia de furinhos em linhas horizontais e com a tinta descascando revelando a cor prata metalizada por baixo.
Desde que morava naquele lugar – e ele e sua mãe haviam se mudado para o apartamento há nove anos atrás, quando ele tinha apenas sete – ele achava aquele lugar sinistro e estranho. Havia algo de mágico no fato dele ser quase um porão do prédio, onde as pessoas tinham de descer até o último lance da escadaria para alcançá-lo. E, quando chegassem, se deparariam com aquela porta preta os encarando no silêncio cavernoso da escada; selada e desafiante, convidando-os a entrar: decifra-me ou te devoro.
Ele desceu os últimos degraus, os chinelos fazendo fleeep-fleeep pelo chão de cimento pintado enquanto a garganta começava a ficar seca e seus pelos da nuca se eriçavam. Aquele lugar o fazia sentir uma criança outra vez, indefesa, insegura e com medo de cada corredor, como se o mundo lá fora fosse um monstro que pudesse devorá-lo a qualquer momento, bastava que você andasse um pouquinho fora da linha. A chave tilintou no chaveiro quando ele ergueu a mão e ressoou metalicamente quando deslizou pela fechadura. A porta se destrancou e ele a empurrou para frente.
Um vento frio e seco saiu da sala escura, deslizou delicadamente pelos seus calcanhares e desapareceu escada acima. E, por fim, ali estava ela. Ali estava a Sala da Piscina, imersa em escuridão e aberta como uma garganta demoníaca, assoviando solitária enquanto correntes de ar dançavam no escuro. Ele engoliu em seco e pôs um pé para dentro. Suas pernas pareciam pesar toneladas, mas, uma vez lá dentro, ele tateou uma das paredes. O azulejo frio acariciou as pontas de seus dedos como gelo. Ele encontrou o botão, apertou-o e luzes brancas se acenderam ao longo das paredes.
Ele não fazia ideia de quanto media o lugar. Nunca se dera bem com esse tipo de coisa. Sempre ficava impressionado com a facilidade com que as pessoas pareciam falar de distâncias e tamanhos, comentando sem problemas sobre quantos centímetros tinha aquilo, quantos quilômetros de distância havia de um lugar ao outro, quantos metros tinha tal parede. Isso parecia mágica para ele, essa era a verdade. De qualquer modo, o lugar era grande. Grande talvez não fosse a melhor palavra para descrevê-lo, no entanto. Era profundo. Parecia um enorme corredor que se estendia até perder-se nas sombras. O local era completamente revestido de azulejos brancos e encardidos. Em algum lugar lá no fundo, as paredes se dobravam para formar corredores que levavam aos banheiros feminino e masculino. Em um dos cantos, uma outra porta preta confinava a sala de máquinas com o motor da piscina e sabe-se lá mais que tipo de coisa. E, finalmente, bem no centro e iluminada por aquelas fracas luzes, ficava a piscina. A água imóvel e prismática aguardando silenciosa a chegada daqueles que nela se banhariam.
Vitor não queria admitir, mas, puta merda, ele estava com medo. Como estava. Ali ele era uma criança e cada curva guardava um monstro próprio.
O silêncio confinado do local era enlouquecedoramente perturbador. Um silêncio que fazia você ficar paranoico, vendo vultos e ouvindo barulhos a todo momento. Na sala das máquinas, o motor da piscina zumbia em linha reta, monótono e hipnótico, preenchendo o ambiente como se um gigantesco mosquito voasse por ali. Um vento gélido circulava pela caixa subterrânea que era o lugar e, lá do fundo, onde ficavam os banheiros, era sempre possível ouvir algo se você quisesse. O som dos chuveiros pingando, gota a gota caindo e batendo contra o ralo. O som do encanamento do prédio. E, conforme o medo e a tensão iam aumentando, até mesmo passos se arrastando, andando diante das pias e entrando de baixo dos chuveiros, ou, quem sabe, vindo até a piscina...
Tudo ecoava naquele lugar de uma maneira tétrica.
Você não pode deixar isso tomar conta de você, seu idiota, Vitor pensou, sentindo sua garganta seca como pão velho. Sabia que era tudo coisa de sua cabeça. Sabia disso da mesma forma que a maioria das crianças sabem que o monstro dentro do armário não passa de simples imaginação. Como sabemos, mesmo depois de velhos, que deixar os pés descobertos não apresenta perigo algum. Ainda assim, fechamos as portas dos armários e nos cobrimos inteiros... só por precaução. Porque sabemos que, enquanto não o fizermos, o monstro irá crescer dentro de nossa mente. Até o ponto em que poderemos ouvi-lo respirando por trás dos cabides. Se aproximando...
Ele só queria um lugar para fazer exercícios. Agora que chegara ao primeiro ano do ensino médio, ter um corpo legal parecia ter começado a fazer sentido. E um exercício ou outro não fariam mal. Então, tendo uma piscina no próprio prédio, por que não? Seria de graça. Foi o que ele pensou, mas, agora, parado ali ouvindo a água gotejar nos banheiros e o motor ronronar, não parecia mais uma boa ideia. Não parecia mesmo uma boa ideia.
De qualquer modo, ele tirou a camisa e jogou-a no chão junto da toalha. De sunga, ele respirou fundo e, de uma só vez, pulou na piscina.
Seu corpo foi envolvido pela água fria e pegajosa. Em um instante, o mundo afundou em um silêncio abafado e distorcido. Os músculos de seu corpo contraíram-se de uma só vez ao toque da água gelada. Ele abriu os olhos. Ali estava ele, afundando pesadamente enquanto as paredes da piscina corriam ao seu lado como as paredes opressoras de um cofre. A água turva e esverdeada balançava diante de si e, abaixo dele, o ralo circular da piscina o observava como um olho ciclópico cravado nos azulejos.
Ele voltou para superfície, chacoalhando o cabelo e cuspindo água. O som do mundo voltou a ressoar em seus ouvidos. A água da piscina agora balançando-se pelas bordas, o motor, os pingos de água caindo e caindo e caindo sem parar há sabe-se lá quantos anos. Os passos. Ele mergulhou outra vez.
A água fechou-se sobre sua cabeça, envolvendo-a como mãos de concreto. Uma pressão enorme. Ele avançou, tocando o fundo da piscina com a barriga. Quando era menor e sua mãe o levava ali, ele não conseguia racionalizar seu medo, embora entendesse sua essência: ali, ele se sentia vigiado por todos os lados. Sentia-se preso. Quando mergulhava, imaginava coisas surgindo do fundo turvo da piscina. Coisas que o estariam olhando lá de baixo, com olhos grandes e luminosos, arregalados em completa atenção; espreitando-o enquanto ele nadava. Do mesmo modo, imaginava algo o olhando lá de cima, parado de pé na borda da piscina. Essas coisas – todas infundadas, ele repetia para si mesmo –, surgiam de repente, explodindo em milhões de fragmentos imparáveis sem que ele pudesse controlá-las, enxotando-as de onde tinham vindo: sua imaginação. De repente, quando pensava nessas coisas, seu coração começava a bater mais rápido. Na água, ele escutava o ritmar martelante de seu coração nos ouvidos, pulsando contra os tímpanos. A piscina, onde antes conseguia se manter de pé na pontinha dos dedos, de repente tornava-se enorme; profunda. A água, um mar infindável e insondável. Debaixo d’água, sentia-se em uma claustrofóbica prisão, onde cada cela confinava um terror diferente.
Experimentando outra vez esse estranho sentimento, Vitor teve vontade de sair da piscina. Vontade não; era uma necessidade. Uma urgência. Seu corpo inteiro gritava e se contraia para que ele deixasse a água, o sentimento ficando cada vez mais e mais forte subitamente. Pânico gerando mais pânico. Ele obedeceu. No furor da ansiedade, sentiu o ar sumir de seus pulmões em uma velocidade assustadora. Apoiando as pontas dos pés no chão da piscina, Vitor impulsionou-se para cima de uma só vez.
Seu corpo cortou a água na vertical, o rosto apontado para cima em uma máscara de medo. Lá de baixo, parecendo assustadoramente distante, ele via a superfície se aproximar, a lâmpada branca do teto brilhando em um borrão balançante. Ele estava quase chegando. A ponta de nariz quase podia sentir o ar lá de fora...
...um choque terrível de dor explodiu de uma só vez em seu nariz e, em um instante, irradiou-se por toda sua face. Sua boca se abriu em um grito sem som e mil bolhas saíram de sua garganta em um turbilhão. Havia sangue na água, ele podia ver, embora estivesse desorientado pela pancada. O sangue saia de seu rosto em uma quantidade assustadora, manchando a água com um tom quase preto.
Que porra é essa?! Ele pensou, segurando o nariz com uma das mãos. Seu rosto ardia e pulsava, liberando choques constantes de dor aguda pela sua face e pescoço. Era desesperador. Engolindo um pouco de água em seus movimentos desgovernados, ele tentou emergir mais uma vez. A palma de sua mão esquerda foi esticada no alto enquanto ele avançava e, perto da superfície, ela tocou em algo. Sem tirar a mão, ele aproximou o rosto da coisa.
Uma tela de vidro cobria a piscina.
Não, não, não! O que tá acontecendo aqui, sua mente gritou enquanto ele tateava a estranha superfície sobre sua cabeça. Suas mãos tateavam todos os lados, tentando achar, em seu desespero, alguma saída. Isso só pode ser brincadeira, Jesus Cristo! Só pode ser brincadeira...
Em pânico, aproximou ainda mais o rosto inchado e sangrando do vidro. Seus pulmões doíam e a água começava a se infiltrar pelas suas narinas. Para seu alívio, havia um pequeno espaço vazio entre a linha da água e a linha do vidro. Espaço onde, espremendo-se contra o vidro, Vitor conseguia enfiar o nariz e metade do rosto, seu próprio sangue manchando o bloco transparente que o prendia.
Ah, puta merda! Caralho! Ele respirou aliviado, a orelha grudada no vidro enquanto a outra permanecia imersa na água.
Meio nadando, meio escorregando, ele avançou pela piscina deslizando as mãos pelo vidro. Tinha de achar uma abertura. Deveria haver alguma. Tinha que ter alguma. Como um snorkel humano, ele verificou cada canto da piscina em completo desespero, indo e voltando de um lado ao outro enquanto respirava pelo canto da boca e pelo nariz como um cachorro após uma longa caminhada. Vamos, vamos, por favor, por favor... Suas preces foram em vão. Tudo estava tampado. Não havia nem mesmo um espaço por onde pudesse enfiar sua mão. Desesperado, ele começou a chorar. Os resquícios de sanidade deram lugar ao completo terror. A sensação de sufocamento e claustrofobia corriam por cada nervo de seu corpo. A ideia de morrer afogado consumia seu estoque de racionalidade como fogo sobre gasolina.
— Alguém me ajuda — ele gritou com o canto da boca enquanto a água derramava-se para dentro de sua garganta, fazendo com que as palavras soassem borbulhantes e abafadas pelo vidro. — Por favor!
Mesmo com o vidro vedando a piscina, Vitor conseguia ouvir um pouco do ambiente lá fora. Alguém estava andando pelo lugar. Dava para ouvir o som dos passos.
— Me ajuda aqui! — Ele berrou com toda a força, o pouco ar arranhando seus pulmões como garras. — Pelo amor de Deus, eu tô preso!
No entanto, ninguém o respondeu. Preso pelo vidro, ele não conseguia ver o fundo da Sala da Piscina – mesmo que conseguisse algum ângulo, contorcendo seu pescoço ou coisa do tipo, as manchas de sangue na superfície vítrea o impediriam de enxergar qualquer coisa –, mas, de lá, de algum lugar ao fundo do lugar, uma porta se abriu. Ele parou por um instante, prestando atenção em cada detalhe. O som da água batendo contra as paredes ressoava em seus ouvidos, abafada pelo teto transparente que esmagava sua orelha direita.
Lutando para fazer silêncio, ele ouviu alguém mexer na maçaneta de uma porta e escutou quando ela deslizou pelo chão, rangendo enquanto abria. Não era a porta da escadaria por onde entrara, vinha dos banheiros ou da sala de máquinas, e ele logo descobriu que se tratava da segunda opção já que, de repente, o som do motor ficou mais alto. Muito mais alto. Era agora um rugido. Alguém estava lá na salinha, mexendo por algum motivo desconhecido no motor da piscina. Em completo terror, Vitor percebeu que o nível da água começava a subir, o que o fez voltar a gritar.
Ah, Deus do céu! Ah, meu Deus! Era a única coisa que sua mente conseguia formular, mas sua mente repetiu três palavras antes de ser tampada: — Me tira daqui! Me tira daqui!
Sua boca foi a primeira a ser coberta pela água, que ia subindo rapidamente em volta de sua cabeça ilhada, como se uma gola rolê fosse puxada pescoço acima. Enquanto era mergulhado, ele bateu e arranhou o vidro, ofegando de maneira completamente descompassada. Aos poucos, apenas seu nariz sobrara, a ponta amassada sangrando contra o vidro. Sabendo que logo a água alcançaria o teto, Vitor puxou o máximo de ar que pôde pelas narinas e afundou.
Ele precisaria quebrar o vidro.
Então, começou a socá-lo.
Tomado pelo instinto selvagem de pura sobrevivência, ele atacou o vidro como um animal, desferindo socos com o máximo de força que podia e que a água permitia. Por um momento, só o que ouviu foi o tum-tum-tum-tum, sem, no entanto, saber se o som vinha de seus socos ou de seu coração pulando contra o peito nu. Ele socou sem parar, perdendo mais ar a cada movimento. Em pouco tempo seus dedos estavam lançando rios de sangue pela piscina. A dor era terrível, mas ele não parou de socar, nem mesmo quando seus dedos já haviam se tornado um ramo de galhos quebrados, cada um virando-se para um lado diferente na mão. Ele era como um homem tribal esculpindo uma pedra com socos e arranhões.
O vidro rachou-se e afundou um pouco, mas estava longe de ser quebrado.
Ele berrou de ódio, medo e desespero. Sentia-se tonto e o ar que armazenara já não existia mais. A água começava a pressionar suas narinas, pronta para inundá-las quando suas forças acabassem. A sensação era horrível. Queria abrir a boca e puxar golfadas de ar, mesmo sabendo que isso seria impossível. A falta de ar espremia seu peito, esmagando os pulmões e contraindo os nervos de seu pescoço. Seus olhos pareciam querer saltar das órbitas, expelidos pela pressão que ele fazia em sua cabeça para não soltar o ar. A asfixia era terrível. Desesperadora.
Desde criança ele odiava que a sensação de estar preso. Se alguém segurasse sua perna, ele se debatia como louco para ver-se livre. Às vezes, quando estava na escola e, por algum motivo qualquer, mexia o dedinho do pé, uma sensação horrível se apossava dele. A ideia de o dedo estar preso por baixo da meia e do tênis, sem que ele pudesse movê-lo direito fazia com que ele quisesse arrancar o tênis no meio da sala de aula, só para que pudesse, finalmente, respirar aliviado com a sensação de libertação. E o que falar das brincadeiras de montinho? Estar soterrado sobre o corpo de várias crianças alucinadas, sem conseguir se mexer... isso tudo sempre lhe causara pânico. Ainda assim, nada se comparava com o que estava sentindo agora. Ali, debatendo-se debaixo da água enquanto arranhava em agonia o pescoço com as próprias unhas, ele preferia estar morto. Queria que tudo aquilo acabasse, embora seu corpo não deixasse que ele desistisse.
Enlouquecido e tomado pela adrenalina, deixou-se afundar ainda mais e, usando o chão da piscina de apoio, lançou-se como uma bala em direção ao vidro. Seu corpo inteiro estremeceu com o impacto. Uma dor aguda cobriu a superfície de sua cabeça e estrelas de luz piscaram diante de seus olhos. Seu ombro direito estalou com o impacto.
Ele afundou e repetiu o movimento.
Repetiu incansáveis vezes, até sua visão turvar-se e escurecer. Havia muito sangue. Sangue para todos os lados, manchando o vidro, preso em sua pele e flutuando pela água à sua volta. Sua cabeça estava amassada em alguns lugares e havia cacos de vidro presos em seu couro cabeludo, espetando-o como navalhas.
Como uma mola, ele saltou e saltou. À medida que ele investia contra o vidro, uma cratera começava a se formar na superfície, uma pequena depressão que se abria na forma de sua cabeça. Ele estava perfurando o vidro, como quando um fio de água cai sobre um bloco de gelo. Conforme avançava, abrindo o caminho pelos estilhaços, seu cocuruto começava a grudar no vidro. Era como colocar o dedo em um cano cheio de navalhas que descascavam sua pele até encravarem-se de vez em seus ossos e nervos. Ficava cada vez mais difícil soltar-se do bloco, e a dor de desvencilhar-se daquilo era sempre excruciante e, aquele ponto, ele não se importava mais em armazenar ar algum. Berrava cada vez que o vidro retalhava sua cabeça.
E ele sabia. Ele ouvia. Em algum dos banheiros, algo ria, contorcia-se e deslizava, regozijando-se com o que acontecia. Algo terrível e sádico.
Ele ouvia os passos.
Mesmo agora, com o retumbar do vidro, ele conseguia escutar.
Ele ouvia enquanto emitia um grito surdo de terror, submerso como estava.
Mesmo com a cabeça cortada e cravada dentro do bloco grosso de vidro, convulsionando de dor enquanto as farpas de vidro atravessavam seus nervos, ele ouvia algo sussurrar do banheiro em palavras gotejantes:
— Sziradark manik on vazi... Sziradark... vazi, vazi...
Merci pour la lecture!
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