autoravaleriatorres Valeria Torres

Sabrina Alencar é uma jovem fotógrafa que mesmo com pouca idade possui uma carreira admirável. Depois de sair de casa e ter um dos estúdios mais conceituados de Blumenau, a fotógrafa vê sua vida virar do avesso e ser obrigada à regressar para sua cidade natal, Campos da Esperança. Recomeçando na profissão, a vida de Sabrina é baseada em trabalhar, trabalhar e trabalhar, mas todo esse comportamento workaholic esconde um trauma do passado. Quando a família de Alexander Kyaro decidiu se mudar para o interior de Santa Catarina a única coisa que o jovem arte-finalista de humor incontrolável queria era conseguir um emprego que o mantivesse sem a ajuda financeira dos pais. O que eles não sabiam era que o destino os juntaria de maneira improvável e inesperada. *não recomendado para menores de 18 anos por conter conteúdo sensível sobre luto, morte e palavrões* O CONTO COMPLETO E OS OUTROS DA ANTOLOGIA JOANINHA NATAL VOCÊ ENCONTRA EM https://amzn.to/3mlzPSJ


Histoire courte Interdit aux moins de 18 ans.

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CAPÍTULO 01

Acordei com o quarto ainda escuro e bati no despertador barulhento na cabeceira da cama. Peguei o celular para me certificar que não acionei vinte e duas sonecas e estava atrasada para academia. Sexta-feira, 13 de dezembro de 2019, cinco e quinze da manhã. A data brilhou na tela e eu tomei uma ducha rápida para me preparar para o dia corrido que teria pela frente.

Eu nunca fui uma pessoa supersticiosa e muito menos costumava acreditar nessas coisas de presságio, premonição e previsão de futuro. Nem mesmo quando minha mãe disse ter sonhado com um grave acidente de carro dias antes da tragédia na BR que levou a vida de meu irmão e minha cunhada na véspera de Natal de 2014. Junto com eles, foi-se a cor dos meus dias e hoje eu era como um robô programado exclusivamente para acordar, trabalhar, comer, trabalhar mais um pouco e dormir.

Não que eu me sentisse mal sobre minha rotina, afinal, com a correria do dia-a-dia eu conseguia manter um pouco da minha sanidade.

Nos primeiros dois anos, foquei em me formar em fotografia e me especializar em registros de família. Depois passei um ano fotografando pequenos eventos até montar meu tão sonhado estúdio na capital. Desde então, a celebração da vida dos casais, das grávidas e seus bebês era o máximo de sentimento que eu me permitia ter desde que tudo aconteceu.

Sem laços, sem perdas.

Meu mundo era meu estúdio fotográfico localizado em uma área nobre de Blumenau e minha agenda lotada trazia uma paz que eu não queria perder, mas como todos os laços estão fadados a se romperem, eu precisei tomar a decisão de voltar para casa e ajudar minha mãe nos cuidados com meu pai. A vida não seguiu um plano justo e mais uma vez um agressivo câncer de pulmão assolou o corpo ativo do meu pai da noite para o dia. Eu precisava retribuir ao homem que me deu a vida um pouco da força que ele me ensinou a ter, além de dar suporte e consolo para minha mãe na hora da inevitável partida.

Minha paz e minha dor ficariam para depois, já que tinha coisas mais urgentes para cuidar, aqueles que eu mais amava no mundo. É o que eu vim me forçando a acreditar desde que voltei para Campos da Esperança no início do ano.

— Bom dia, filha. – O olhar sofrido de minha mãe contrastava com seu sorriso carinhoso por me ver de banho tomado e roupa de academia antes das seis da manhã.

— Bom dia, mãe. Como o papai passou a noite? – Peguei uma banana da fruteira e comi em três generosas mordidas.

— Na mesma. Não melhorou, mas pelo menos não piorou.

— Isso é bom, não é?

— Talvez, Sabrina. Não sabemos ainda se esse tratamento será diferente dos outros. Mas vamos ter fé!

— Você tem razão. Vou correndo para o trabalho que hoje tenho o dia recheado de bebês fofos me esperando para serem registrados. – Joguei a casca na caixinha de lixo orgânico sobre a pia, peguei minhas mochilas de qualquer jeito e joguei tudo no banco de trás do carro antes de sair.

Quando retornei para a cidade, mesmo com a cabeça cheia de preocupações com a saúde física e mental dos meus pais, meu foco principal era alugar um lugar para me estabelecer como fotógrafa e quando encontrei a sala 1303 no Centro Comercial Água Fria, foi amor à primeira vista.

Janelas amplas para receber muita luz natural, uma recepção maravilhosa para acomodar minhas clientes e seus acompanhantes, elevadores que realmente funcionavam – diferentes daqueles do prédio do meu primeiro estúdio em Blumenau – e o melhor: Restaurante e Academia dentro do complexo. Eu só precisava voltar para casa para dormir e cuidar dos meus coroas. Isso era absolutamente perfeito.

— Bom dia, Chefinha! – A empolgação matinal do meu assistente era o único defeito do lugar.

— Bom dia, Alexander. Quantas vezes ainda terei que dizer que meu nome é Sabrina e que é dessa forma que eu devo ser chamada? – Eu sabia que o sermão não adiantaria, mas não custava nada tentar.

— Não tomou café de novo? – Odiei a insinuação de que meu desejo de ser chamada pelo nome e não ter nenhuma intimidade com ele, além do profissional, conseguia ser ainda mais irritante do que ser chamada de chefinha antes de, realmente, tomar café da manhã, era de fato verdade.

— Se não faltasse uma semana para o Natal, eu te dispensaria. Isso são modos? – Apesar do jeito invasivo, Alex era fundamental para o andamento do Sonhos & Unicórnios.

Eu estava atolada de trabalho para entregar, além de vários ensaios agendados de última hora que me dariam mais horas extras do que eu poderia dar conta sozinha.

— Nem que estivéssemos no meio de janeiro você me dispensaria, Sabrina. Seu estúdio não funciona mais sem mim e você sabe disso. – O moreno deu de ombro e saiu para um aparelho de musculação do outro lado da esteira.

Aumentei o ritmo da minha corrida e foquei os olhos na paisagem. Não poderia me dar o luxo de encarar as costas desenhadas de meu funcionário realizando suas sequências de supino em pé na minha frente.

Terminei meus treinos de perna e glúteos agradecendo por Alexander ter ido para a aula de boxe e não ter que aguentar nenhum dos seus comentários engraçadinhos sobre meu corpo. Tomei um banho rápido, coloquei meu uniforme verde-água e prendi os cabelos em um coque frouxo, para não me atrapalhar durante as quatro sessões que teria pela manhã.

Assim que cheguei no meu andar, encontrei Alexander encostado no balcão da recepção com a Juliana. O rapaz gesticulava com empolgação e a recepcionista o encarava com certa timidez. Fiquei curiosa sobre o que poderia causar tal reação em ambos.

— Bom dia, Ju. Bom dia, Alex. – Não sei por que razão cumprimentei o editor de imagens novamente, mas ele não pareceu se importar, já que desembestou a falar.

— VAI TER FESTA! – Deu dois pulinhos no lugar enquanto chacoalhava o convite elegante nas mãos. – O convite para a festa de confraternização do Água Fria chegou e estamos todos convidados, Chefinha. Quer dizer, Sabrina.

— Olha só! Até acertou o nome dela. Está mesmo determinado em ir nessa festa, hein, Alex. – Juliana brincou, sabendo que eu detestava quando era chamada pelo apelido infame.

Mas sabe o que eu mais detestava? Festas!

— Espero que não precisem de mim para isso. ⎼ Torci o nariz e bati as mãos no balcão tentando trocar o assunto. ⎼ Hoje o Davi e a Ana Paula vêm fotografar o Smash the Cake[i] das gêmeas. Preciso do cenário de confeitaria e o bolo sem lactose pronto para as três horas.

⎼ Já está tudo certo com a doceira, Brina. ⎼ Juliana olhou rapidamente para a agenda e voltou a me encarar. ⎼ Quanto a festa… Você podia abrir uma exceção e ir conosco. Nós nunca mais fizemos nada juntas desde que você voltou para Campos.

Era verdade e eu me sentia chateada por deixar minha amiga de lado enquanto focava apenas na nossa relação profissional. Contudo, não estava pronta para socializar, festejar ou interagir com quem quer que seja quando a data esfregava na minha cara o peso de mais um ano sem meu irmão.

— Não posso Ju. Meu pai está bem mal e farei companhia para minha mãe. Sem contar que tenho dezesseis álbuns para entregar até o dia vinte.

— Eu adianto as coisas, Chefinha.

— Se continuar me chamando de Chefinha, eu vou adiantar a sua rescisão, Alex. – Dessa vez minha fala foi mais jocosa do que irritadiça.

Eu não demitiria o garoto nem que ele me chamasse de Miss Chefinha. Ele era, realmente, peça fundamental para o andamento do meu trabalho e encontrar outro editor tão bom em uma cidade tão pequena seria uma tarefa árdua demais para alguém que nem desejava fincar raízes tão profundas na cidade.

— Quando será essa festa afinal? – Perguntei irritada com a insistência dos dois à minha frente e Alex ofereceu o belo convite para que eu pudesse lê-lo.

Violeta Maldonado era a proprietária do edifício e uma mulher empoderada que nunca tive o prazer de conhecer pessoalmente, apenas através dos comentários pelos elevadores da vida. Uma vontadezinha despontou no meu peito, mas ainda assim o medo social me fazia imaginar todas as possíveis tragédias que poderiam acontecer antes, durante ou depois da celebração.

— Tenho um aniversário para fotografar e aos sábados eu ajudo minha mãe com a alimentação semanal do meu pai. Não poderei mesmo ir. – Minha respiração ganhou um ritmo mais acelerado quando Alex pegou minha mão na dele.

— Brina, deixar de viver sua vida não vai evitar o inevitável. Você é irritantemente responsável, determinada e consideravelmente bem sucedida para seus vinte e dois anos... Se cozinhar com sua mãe no domingo, uma vez na vida, certamente não acarretará algo de ruim.

Suas palavras vieram como um soco dentro das feridas abertas da minha alma e eu puxei minha mão com mais brutalidade do que o rapaz estava esperando - ou merecia.

— Você não sabe de nada, Alexander! – Afirmei e saí em direção ao banheiro para esconder as lágrimas que queriam escorrer pelos meus olhos.

O tempo pareceu parar dentro do pequeno cômodo branco e percebi ter demorado demais quando os rostos preocupados dos meus funcionários me encararam ao sair pela porta.

— Preciso das provas do photobook [ii]da Ariana até a hora do almoço, Alex. Vou preparar o cenário das Marias e se precisarem de mim, me chamem.

Caminhei para o estúdio infantil e me ocupei em montar e organizar as coisas para a sessão de fotos que ocuparia minha mente e os espaços fragilizados do meu coração.

O som ambiente do estúdio reverberava as batidas fortes de alguma canção pagã na esperança de acalmar meu coração que, apertado, batia descompassado. A névoa de emoções que tomavam conta de mim desde que voltei para casa estava formando uma nevasca que se transformaria em uma avalanche se eu não me acalmasse.

Já não era apenas a tão conhecida dor da saudade de Sérgio, nem a proximidade da partida inevitável do meu pai e toda devastação que acometeria minha mãe quando acontecesse. Algo diferente me deixava inquieta. Uma certa vontade de viver, apesar de todas as camadas de proteção e gatilhos de segurança para não me deixar envolver com ninguém intimamente. Nem fraternal e muito menos emocionalmente.

— Posso entrar? – A voz masculina sobrepôs o tambor forte e abri os olhos marejados.

— Pode. – Tentei limpar o rosto sem ser notada e percebi que falhei quando os olhos puxados do rapaz quase se fecharam completamente em especulação.

— Queria me desculpar por invadir o seu espaço. Eu sempre fui muito brincalhão, é um traço de família. Apesar do lado da minha mãe seguir a linha nipônica e serem bem fechados, o meu pai poderia abrir um circo de tão palhaço que ele é.

— Alex, não quero que você se sinta mal por ser como é. Eu quem lhe devo desculpas por ser tão taciturna o tempo todo. É que... – Não sei porque, mas havia essa necessidade de falar. – Há cinco anos eu perdi alguém muito importante e desde então, ser como sou é como eu sei ser.

— Se me permite opinar, Che... – Franzi o centro da testa em desespero pelo que certamente ouviria. – ... Sabrina, a gente não pode evitar que coisas ruins aconteçam conosco, muito menos nos culpar por elas.

— Você não entende, Alex. – Minha voz saiu baixa. – Não é como se um copo tivesse quebrado, uma chave tivesse se perdido ou a chuva arruinado meu trabalho de trigonometria no dia da apresentação... – Engoli o bolo que se formou na minha garganta com dificuldade. – Meu irmão morreu em um acidente de carro. Com ele minha cunhada e minha primeira sobrinha se foram juntos e agora meu pai está indo também.

O rio de emoções que eu represava no peito estourou, inundando todo pedaço que eu mantinha seco dentro de mim. Não tive nem tempo de reforçar as barragens ou construir um sistema de escoamento que comportasse as lágrimas que se misturavam ao ranho a cada novo soluço.

— Shhh... Shhhh... Eu sinto muito... – A voz grave que saia de Alex vibrava nas minhas bochechas.

Apesar de saber que aquele era um limite arriscado, não consegui desvencilhar-me do abraço do rapaz que trabalhava comigo há apenas um semestre, mas que acalentava meu peito em frangalhos tão bem.

— Me desculpe. Me desculpe por isso. – Me afastei do seu contato e encarei seu rosto cheio de perguntas. – Eu preciso me recompor para a sessão.

— Eu te auxiliarei para que possa realizar mais tranquilamente. – Encarei-o por um instante, reparando no modo como seu peito subia e descia descompassado.

— Alexander, você está tirando onda com a minha cara, né? Você tem tanto molejo com crianças quanto a capacidade de ficar cinco minutos sem contar uma piadinha.

— Só estou tentando não ser demitido. Já que eu te chamei de Chefinha, insisti para você ir em uma festa, te vi chorar, te abracei – Ele ia enumerando com os dedos conforme falava. –, e ainda nem chegamos à hora do almoço.

— Você não será demitido, fique tranquilo. – Sorri verdadeiramente. – Muito obrigada pelo apoio que você presta para mim. – O sorriso dele se abriu e espremeu mais ainda seus olhos, formando uma linha quase reta. – Agora me deixe trabalhar!

— Pode deixar, Chefinha! – Após a brincadeira ridícula, Alex saiu correndo pelo corredor até sua sala, gargalhando tão alto que até Juliana esticou o pescoço por cima do balcão da entrada para verificar o que estava acontecendo.

Dei de ombros para ela, fechei a porta novamente e caminhei até a enorme janela, que tomava conta de toda a parede do ambiente. Escorreguei meu corpo, atingindo o chão como uma geleca amolecida por um tipo de calor que eu não sabia – ou não podia – explicar e desejei que a intuição de que eu estava prestes a cometer um tremendo erro passasse antes que eu perdesse a cabeça de vez.

[i] O Smash the Cake é um ensaio de origem americana que traduzindo para o português fica, “amassar o bolo”. ... Em um pequeno cenário é entregue um bolo Smash the Cake para a criança brincar. Nessa brincadeira a criança amassa o bolo, come, se lambuza, faz a maior festa.


[ii] Photobook é um tipo de álbum fotográfico um tanto quanto diferente daqueles álbuns tradicionais. Nele, ao invés de coladas, as fotos são impressas direto nas páginas e recebem um tipo de cobertura transparente de proteção.

16 Décembre 2020 16:49 0 Rapport Incorporer Suivre l’histoire
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