dratavares Draylton Tavares

O livro reúne 13 histórias de horror, do sobrenatural, das magias que deram errado e das coisas que não podem ser ditas. 13 contos noturnos.


Histoire courte Interdit aux moins de 21 ans.

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História Proibida a Ouvidos Alheios

A torrente de água não para de esmurrar o telhado, não para de tentar persuadi-lo a desistir de proteger a cabeça do grupo ali reunido, em volta da lareira, com o sombrio desejo de descobrir onde foi parar a alma de cada um dessa reunião de monstros. Jéssica, a única não maldita do grupo, foi a escolhida para contatar os deuses anciães que roubaram a liberdade dos três amigos estúpidos que ela tem.

Com os braços erguidos aos céus ela começa a recitar a oração que sua avó lhe ensinou. O misto de espera e agonia aumenta o já tenso clima do lugar, a chuva, que havia dado uma trégua ao pobre, sujo e mal-humorado telhado, resolve voltar a surrá-lo com mais intensidade que antes. O vento assobia cada vez mais e mais alto, chega a zunir nos ouvidos imortais presentes na reunião daquela casa abandonada e deixada de lado desde o século XIII, as chamas da fogueira avultam em direção ao teto, ou o que restou dele, entrando em choque com a chuva que cai nas cabeças dos convidados, o crepitar torna-se um incômodo para os ouvidos enquanto as chamas uma agressão aos olhos de qualquer um com a imortalidade a flor da pele. Subitamente tudo para, tudo que se consegue ouvir são apenas as folhas das árvores dançarem ao som do vento e da chuva, o desenho que ainda há pouco fora traçado já não existe mais, as velas apagaram-se indo embora toda a iluminação juntamente com sua cera, todo o encanto da cena permanece apenas na sua atriz, ali, parada a observar seus amigos com um olhar de galhofa e desprezo, seus cabelos cacheados cobrindo-lhe a face morena deixando visível o brilho de seus olhos, a adaga pendurada em sua mão como se nada mais houvesse além daquelas paredes velhas, a resposta dos deuses a sua prece foi mais rápida que o esperado.

- O que querem filhos da noite? - ressoa guturalmente a voz da bela mulher diante deles.

Um dos que permaneciam na completa escuridão adianta-se deixando transparecer todo o seu medo e idiotice, ele fala como alguém que se dirige a um rei:

- Tu que és das profundezas, porém governas o mundo, diga-me como me livrarei dessa maldição que recaiu sobre mim?

Uma longa gargalhada segue-se ao fim da pergunta, os sugadores não gostam nem um pouco da resposta dada pelo deus encarnado em mulher.

- Pobre ser que é vetado de caminhar sob a luz do sol! O que achas poder extrair de mim com tão falsa adoração? A libertação dessa sede eterna que corrompe tua alma imortal? Não, não te darei essa benção, se é que a mereces.

Um dos presentes vendo que seu irmão de sofrimento acuou-se toma a frente com audácia, a mesma audácia de quem desafia um inimigo mais forte.

- Pensas que só porque és um deus pode nos destratar desta forma, engana-te, pois, se não nos disser qual a maneira de nos livrar desse tormento eu mesmo me encarregarei de ir até tua morada e destruir-te em teu reino.- ao terminar de bradar tamanha ofensa ele inclina-se em tom feral e continua - Diga-nos agora como nos livraremos dessa terrível praga que se abateu sobre nós.

A deusa o olha com um certo ar de escárnio e como se nada houvesse sido proferido contra ela, continua a falar:

- Provaste que tens coragem, por isso te direi como se livrar dessa sede assassina que cada dia mata mais um pouco do teu lado humano. Primeiro de tudo escuta com atenção cada palavra que eu te disser, a segunda coisa que deves fazer é não contar a teus irmãos de sede aquilo que eu te contar aqui, se aceitares essas condições a benção será jogada em ti e poderás ser normal, mortal de novo, aceitas?

O temerário ser da noite abaixa a cabeça por uns instantes meditando o correto a se fazer, subitamente levanta o olhar para a mulher parada a sua frente, em sua face está a clareza de um pensamento extremamente audaz, perspicaz e completamente ininteligível.

- Se eu aceitar essa proposta com certeza me verei livre do tormento que me assola há dois séculos, porém, meus irmãos permanecerão nas trevas e isso para mim seria a mesma coisa que estar nas trevas também, portanto, só aceito saber a maneira de acabar com as trevas se eles também souberem como chegar à luz também. Com certeza tu que és um deus tens o poder de atender aos meus pedidos sem sofrer mal algum, ou estou enganado?

- Provastes que além de corajoso tens um bom coração, isso para mim significa que és estúpido, pois poderias muito bem abandonar este estado medíocre em que te encontras para logo em seguida ensinar teus irmãos como voltar a ser humano de novo, chegaste a um passo de libertar-se e caíste, irei embora e nunca mais atenderei a teus chamados.

Atônito vê sua amiga cair inconsciente no chão, a chuva cessou alguns minutos atrás e eles nem perceberam. Apenas a luz da lua crescente ilumina o ambiente fétido onde eles se encontram, o que permaneceu calado todo o tempo aproxima-se do corpo inerte e quase sem vida da moça e faz com ele assim como foi feito com todos aqueles que falharam das outras vezes, deu a eles a imortalidade em troca da morte que iria acontecer em poucas horas, esse deus maldito que sabe a cura para todas as maldições leva boa parte da vida daqueles que o invocam e não conseguem se livrar da maldição que possuem. Todos os outros ali presentes já foram bruxos muito poderosos em vida, mas quando morreram para a imortalidade morreram também para a magia.

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Noite pós-tragédia, ela acorda com o frescor da noite no olfato milhares de vezes mais apurado que o seu era quando mortal, Hécate levanta-se de seu caixão previamente preparado sem saber o que ocorreu, olha-se e encontra-se mais pálida que o normal, lembra-se vagamente da noite anterior, o gosto de sangue na boca pouco antes de acordar, a mágica dando-lhe adeus gradativamente enquanto a consciência lhe batia à porta da mente, as figuras que a contrataram chorando sangue ao vê-la cair no chão e só, é apenas isso que ela consegue lembrar.

A sua volta estão eles de olhos vidrados nela esperando uma surpresa ou quem sabe talvez até um ataque histérico, mas nada disso ocorre, levanta com mais graciosidade e beleza do que todas as noites em que era mortal, caminha por entre eles analisando cada um em sua postura séria, audaz e lisonjeira, seu olhar tranquilo inquieta o mais antigo dentre eles que é o primeiro a dirigir-lhe a palavra:

- Como se sente sendo uma de nós?

Ela o encara com um pouco de graça e gozação, a princípio não responde nada apenas fita-o antes de dizer qualquer coisa, passa alguns segundos raciocinado ou digerindo algo que foge a compreensão dele para logo em seguida responder:

- Bem. Como acha que me sentiria por ser imortal, uma completa condenada? Não, não sou dessas de reclamar por poder ser jovem eternamente, não reclamarei de ter de matar seres humanos fracos e idiotas que não sabem o que querem, na verdade até me sentirei bem quando sair para caçar alguns desses pobres coitados.

Entendendo muito bem o que ela quis dizer com aquelas palavras Térion manda os outros dois embora com um sutil aceno. Como um cavalheiro faria para a dama que corteja assim ele também faz para ela curvando-se e convidando-a para sair daquela sala por uma porta lateral, uma porta pela qual os outros não saíram. Ela gentilmente lhe dá a mão e o acompanha. Contemplando o luar com olhos imortais ela chora de emoção ao sentir na pele que todos os momentos que havia perdido enquanto mortal não serão mais perdidos, o vinho não terá o mesmo sabor, a sedução será muito mais voluptuosa, os aromas mais doces e a morte mais bela. Sentido o seu companheiro enlaçar-lhe a cintura ela se afasta e pergunta algo bobo:

- Porque pediu que os outros nos deixassem a sós?

- Porque agora - responde com um olhar de ternura atípico de um vampiro – achei a minha companhia perfeita, uma pessoa que não sente remorso ao matar, que não sente pudor da imortalidade que lhe foi concedida, alguém como eu.

- Então por isso não interferiu em momento algum durante as negociações com o deus inferior.

- Exatamente, para mim, beber sangue não é uma maldição, mas uma benção.

- Então deixe-me só nesta minha primeira noite imortal que eu te acompanharei para onde fores a partir de amanhã.

Logo após ter dito isso ele assentiu e deixou-a só, Térion saiu sem que ela conseguisse sequer acompanhar os movimentos dele. Da sacada do prédio onde Hécate se encontrava dava para ver toda a cidade, com suas luzes erguendo-se impetuosamente contra o céu estrelado, os carros correndo loucamente pelas ruas asfaltadas de medo, desespero e morte, ela parou um instante sem nada ver ou ouvir ou sentir, apenas parou, apenas, pulou do vigésimo andar do prédio sem nada temer ou pensar, o solo foi logo atingido pelo seu desejo, sua ânsia, sua beleza, o mundo agora corria sérios riscos de ser assolado por mais uma nova doença, mais uma nova peste, porque Hécate agora andava nas ruas e seu desejo era comparável a de um ninfomaníaco trancado durante anos em um claustro.

Os seus primeiros passos imortais levaram-na a um beco escuro onde ouvia-se claramente o gemido baixo de alguém que sente a morte cada dia mais próxima e que agora sabia que a morte havia chegado, milésimos de segundos foram necessários para o gemido parar, nada mais foi ouvido.

Nada mais foi ouvido.

13 Décembre 2020 18:48 0 Rapport Incorporer Suivre l’histoire
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