juliaarcunha Julia Rabelo da Cunha

Na Escócia do século 10, após os últimos acontecimentos em seu reino, a princesa Merida precisa lidar com as consequências de seus atos. Todos os olhos estão voltados a ela agora e, mais do que nunca, é preciso assumir suas responsabilidades como princesa e como a única pessoa ciente de uma nova ameaça se aproximando por entre as sombras. Contudo, ainda será preciso encarar os perigos de uma nova invasão vinda do norte - dessa vez, ainda mais aterrorizante do que a anterior, pois uma nova tribo com novos métodos de luta chegou ao país. Do outro lado, Soluço se vê cercado de alianças duvidosas e precisa ser cauteloso nas suas decisões, já que o futuro do seu povo e de novos dragões encontrados em uma terra distante está em suas mãos. Mais uma vez, ele deverá ser capaz de reconhecer qual o caminho certo a se seguir para o bem de todos. Ou de quase todos? Uma nova guerra é iminente; e, dessa vez, será necessário saber quem é o verdadeiro inimigo. OBSERVAÇÃO A intenção dessa fanfic é imaginar como seria o encontro entre esses dois povos, mantendo a fantasia e também aproximando-a mais do mundo real. Por isso, mesmo que a essência dos personagens seja a mesma, algumas alterações foram feitas para que tudo se encaixasse melhor num contexto de como eram esses povos na época, suas culturas e suas crenças. Muito estudo foi e está sendo feito para apresentar o melhor a vocês de forma divertida e respeitosa. Os nomes modificados foram de acordo com como as pessoas eram nomeadas na época. Isso não quer dizer que os nomes serão mudados sempre (apesar de alguns, sim), e sim que, em alguns capítulos, alguns deles serão ditos de forma diferente como uma maneira de apresentar as diferenças nos idiomas de cada povo ou então apenas para serem mais condizentes com o que provavelmente seria o nome na vida real. Desse modo, temos: Astrid Hofferson → Astrid Hoffesdóttir (filha de Hoffer) Cabeça Quente Thorston → Röffa (versão norueguesa) Torssdóttir (filha de Torr) Cabeça Dura Thorston → Töffe Torsson Melequento Jorgenson → Snytulf Jorgensson Mérida Dunbroch → Merida inghean Fhergusa (filha de Fergus) Perna de Peixe → Fiskebein Soluço Haddock → Hikken Steinusson Stoico → Steinur Os materiais de base são o filme "Valente"; as notas apresentadas pelos seus produtores sobre o que pensaram para a história; os filmes, livros e série "Como Treinar o Seu Dragão"; estudos arqueológicos sobre a história, leis, línguas, hábitos e religiões dos povos escoceses e nórdicos dessa era.


Fanfiction Dessins animés Déconseillé aux moins de 13 ans.

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Merida

O ar estava tão carregado de tensão e palavras não ditas que era quase impossível respirar. Por mais que sua mãe tivesse lhe perdoado – ou, pelo menos, era o que parecia no momento –, o mesmo não poderia ser dito sobre todas as outras pessoas. Sim, o rei Fergus estava emocionado e aliviado quando tudo se resolveu e o feitiço foi desfeito, mas desde que os clãs retornaram para seus lares, ele mal olhava para a filha. Na verdade, seu pai passava mais tempo com os conselheiros do que com a família nos últimos dias.

Merida estava evitando sair de seus aposentos. Sempre apreciara a liberdade, gostava de cavalgar, caçar, escalar, atirar e tudo o que lhe fosse permitido, mas... Não sentia mais o mesmo fogo interior de antes. Quanto menos pessoas a vissem, melhor, e se isso significasse transitar apenas entre seus aposentos e os da mãe, que seja.

— Tente frequentar ao menos a capela interior do castelo — a rainha Elinor aconselhou. Seus olhos fixos na tapeçaria quase faziam parecer que não prestava atenção ao seu redor, mas era nada mais do que impressão. Se alguém ali era capaz de captar o menor detalhe do ambiente, era ela.

— O padre vai tentar me excomungar.

— Ele verá que se arrependeu e que Deus ainda está no seu coração. — Ela suspirou e franziu o cenho enquanto desfazia um nó. — Eu sei que estão lhe chamando de bruxa e coisas piores, mesmo que não tenham coragem de dizer isso na minha frente. Porém, minha filha, o isolamento só piorará a situação. Também não acho seguro que saia do castelo, mas se souberem que foi até a capela se confessar, pedir pelo perdão e purificação do Senhor, os ânimos vão se acalmar. Mantenha a cabeça e a voz baixas, faça o que disse e poderemos resolver isso, só por um tempo, e, aos poucos, volte a ser quem sempre foi. Me compreende?

Merida engoliu em seco.

— Sim, mãe.

— Vá para a capela hoje mesmo se for possível. E, Merida, faça com que a vejam indo, certo? E não minta ou diga palavras vazias enquanto pede perdão.

A jovem apenas concordou com a cabeça mais uma vez. O tom de sua voz dizia muito mais que as próprias palavras. Por mais que a rainha Elinor a compreendesse e perdoasse, Merida pediu que uma bruxa fizesse algo para mudá-la, e ela não lhe tirava a razão de qualquer mágoa.


A capela, como sempre, estava com as portas abertas, e as luzes bruxuleantes das velas podiam ser vistas do lado de fora. Algumas pessoas encaravam Merida ali, parada na frente da construção.

Apesar do pedido da mãe, Merida levou pelo menos algumas horas antes de se sentir capaz de sair dos aposentos e seguir para a capela. Os olhares e reações ao seu redor eram cheios de misturas – todos ali a conheciam e alguns até a amavam, mas agora o ar estava carregado de tensão e desconfiança, ou, pior ainda, pena. Poucos sentimentos a deixavam mais fora de si do que o último. Mantenha o foco, você consegue. Por todos nós. Enquanto repetia as palavras mentalmente, respirou fundo e prosseguiu da mesma forma que foi instruída, ignorando a todos.

Mas em um corredor no andar de baixo, ignorar os gritos foi impossível. Mesmo com a porta grossa de madeira fechada, as vozes de seu pai e outros homens ecoavam pelo local. Entre sons abafados e falas se sobrepondo, ela conseguiu distinguir as palavras “invasão” e “demônios”. Seu coração se apertou mais uma vez.

Dunbroch era um reino pequeno, e os clãs viviam tão distantes entre si que a maior parte do terreno estava vazia e suscetível a assaltos dos povos vizinhos. Nada disso lhe era novidade. Sabia como o pai fora escolhido como rei justamente por ser o melhor a liderar a defesa contra os invasores do norte, mas o problema não tinha começado naquele momento e muitos menos se encerrou ali. À oeste, o reino de Dál Riata pressionava as fronteiras cada vez mais. Mesmo que fossem politicamente independentes, Merida sabia que seu povo já assimilara grande parte da cultura vizinha e era preciso apenas um passo para que fossem conquistados. Ao Leste, havia o reino de Alba, ao sul, os anglos. Desde menina, Merida via o pai sair para a guerra periodicamente, mas a ansiedade nunca diminuía nesses momentos, por mais recorrentes que fossem.

Contudo, sabia que as respostas não chegariam naquele momento e tentou apenas seguir em frente. Com mil pensamentos rodopiando em sua cabeça, Merida mal percebeu o trajeto e a chegada à capela lhe pareceu súbita.

Surpreendentemente, o lugar estava vazio, com exceção do padre. Num dia qualquer, sempre seria possível encontrar pelo menos cinco pessoas rezando em silêncio e nos dias de missa a multidão mal cabia ali dentro. Por causa disso, mesmo que andasse em passos silenciosos, o padre se virou para olhá-la quando chegou e fez uma reverência discreta, assim como a princesa.

— Boa tarde, Alteza.

— Boa tarde, padre. Hm... — As palavras tão claras em pensamento na verdade entalavam em sua boca. — Eu... Eu vim para rezar e pedir o vosso auxílio... para me redimir pelos meus atos.

O padre, até então ajoelhado diante do altar, se levantou e aproximou-se com calma. Era um homem alto, apesar de não tanto quanto outros homens altos da região costumavam ser, e fazia com que Merida precisasse levantar o rosto para conversar. Apesar da imponência da altura, tinha traços ternos e um olhar profundo, reflexivo. As marcas ao lado dos olhos sempre lhe davam uma impressão acolhedora, mesmo que, geralmente, o homem olhasse a ela e a seus irmãos como quem se segurava para dar uma bronca.

— Deseja então se confessar?

— Sim, isso. Preciso me confessar.

Ele assentiu e a chamou com um movimento da cabeça. Merida o acompanhou em silêncio. Seu coração batia tão forte que podia jurar que ele também ouvia. Por que se sentia tão ansiosa? Claro, não saía dos aposentos com frequência havia semanas, os servos a olhavam de outro modo e ouvira o que ouvira da sala do conselho, mas agora...

O padre pigarreou do outro lado a trouxe de volta à realidade, para dentro do confessionário.

— Perdoe-me, padre, porque eu pequei — sua voz era quase um fio de ar trêmulo que escapava dos lábios. — Eu... não tenho frequentado a missa há semanas... Eu perdi a conta.

— E por que não?

A garganta começava a doer pelos sentimentos engolidos. Sim, agora sabia. Temia tanto pois as palavras tornam os atos reais. Talvez, presa no seu isolamento, poderia fingir que nada mudaria, mas não aqui, não ao confessar.

— Porque estou com medo.

— Do que tem medo?

— De ser julgada... como bruxa. Da punição e de acharem que não falo a verdade quando digo que tudo foi um acidente e que jamais queria fazer mal a ninguém. Tenho medo do que pode vir depois de tudo o que fiz, os problemas entre os clãs ou... ou o que vão fazer quanto a um casamento. Tenho medo de esquecerem quem eu sou, quem eu sempre fui, tudo por causa disso. E tenho medo de não conseguir impedir que isso aconteça.

O padre murmurou em compreensão, sua sombra assentindo com a cabeça ao ouvir suas palavras.

— As artes da bruxaria e seus praticantes sabem como adocicar a fala para seduzir bons cristãos de coração limpo que estão desesperados com os problemas da vida, e sabem como omitir informações suficientes para que suas vítimas se encontrem logo enroladas em suas tramas. Sim, princesa, você pecou e, sim, foi algo grave. E, logo depois do pecado, arrependeu-se e buscou uma solução, refletiu sobre os seus atos mesmo que longe da igreja, e Deus sabe disso, pois conhece os corações de todos. Ainda assim, é preciso uma penitência para que esteja limpa novamente de qualquer marca do mal e para que todos os castigos lançados sobre esta terra sejam revogados.

— Castigos?

O padre suspirou.

— Navios vikings foram vistos atracando no litoral, uma nova horda, provavelmente centenas que já se uniram aos que estão aqui há um tempo. E se os boatos podem ser confiáveis, uma horda de demônios também assola o reino, escondida pelas matas. Por isso, minha jovem, deve rezar e clamar pelo perdão, demonstrar sua devoção à Cristo em seus atos. Fará um jejum à base de leite e apenas comerá pão duas vezes ao dia como alimento sólido, e, nos espaços durante isso, rezará. Pela manhã e pela noite fará isso em seus aposentos, mas durante a tarde estará aqui.

Jejum e preces do momento que saísse da cama até que voltasse. Merida já sentia vontade de espancar a si mesma por ter ido até ali. Deus, o que estava esperando? Um abraço compreensivo? Mesmo quando ficasse no quarto, suas criadas e damas de companhia ainda a acompanhariam o tempo todo. Não teria escapatória.

— Agora, vá com Deus, minha filha.

— Amém.


O jantar estava mais incômodo do que costumava ser, mesmo nos últimos dias. Até os trigêmeos pareciam receosos com sua bagunça, apesar de não a interromperem. Merida fitava os dois pedaços de pão a sua frente com a mente tão vazia quanto seu peito e seu estômago. Encarar aquilo de alguma forma fazia o cheiro da comida ao seu redor parecer mais forte do que o comum.

A imagem mais estranha, porém, era de seu pai mal tocando no alimento. Quando isso acontecia, sabia que estava extremamente preocupado, e não era por menos. A única que parecia não estar ciente do que acontecia era Elinor, que olhava apreensiva de um para o outro.

— Parem! — Exclamou, repreendendo os garotos. Merida não se deu ao trabalho de levantar os olhos para ver o motivo. A rainha respirou fundo e se inclinou em direção ao marido, segurando sua mão. — Aconteceu alguma coisa, querido?

Fergus deu um leve salto com o toque. Estava de fato com os pensamentos muito longe dali. De volta à realidade, olhou para a esposa com pesar e depois para a filha. Contudo, não a encarou por muito tempo, algo que fez seu olhar parecer quase culpado.

— Os nórdicos voltaram. — Sua mãe arfou e levou uma mão ao peito. — Alguns chegaram há semanas pelas florestas, atravessando os outros reinos. Sorrateiros como sombras. Outros chegaram agora pelo mar. São centenas... Temos homens para lutar, sim... mas não sei se é o bastante.

— Vamos dar um jeito, assim como da última vez. Também não éramos muitos antes, mas conseguimos.

Merida se levantou de súbito, atraindo os olhares de todos. Não conseguiria ficar ali por mais tempo.

— Eu... não estou me sentindo bem. Acho melhor comer no meu quarto.

Seus pais a fitaram em silêncio por alguns instantes. Pensou em decifrar o que pensavam, o que aqueles olhos tentavam lhe dizer, mas achou melhor não. Já carregava peso demais sobre os próprios ombros para isso. Por fim, seu pai assentiu e Merida partiu timidamente com o prato em mãos.

No quarto, porém, não encontrou a paz que buscava. Uma das criadas a esperava sentada em um banquinho de madeira. A jovem se levantou tímida e apressada para curvar-se diante de sua presença.

— Princesa — sussurrou. — O padre veio aqui mais cedo. Pediu que a acompanhasse na prece da noite.

Merida engoliu as lágrimas que queriam se formar antes que estivessem de fato ali.

— Claro. Só vou terminar de comer e começamos.

A garota concordou em silêncio. Merida tentou forçar um sorriso, mas desistiu quando enfiou as fatias na boca, secas como areia. A única maneira de passar por aquilo seria apenas mastigar e engolir sem se permitir pensar ou sentir mais nada. Não poderia se apressar – a próxima refeição levaria um bom tempo. Quando terminou, ajoelhou-se ao lado da criada, com os pulsos apoiados no colchão.

— Que Deus a abençoe, senhora.

Merida apenas assentiu e respirou fundo, como se o ar fosse lhe trazer uma nova força. Afinal, teria uma longa penitência pela frente.

19 Novembre 2020 17:14 0 Rapport Incorporer Suivre l’histoire
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