Moroso, o cair da chuva salientava a morbidez do alvorecer umbroso. Pela janela do carro, a pequena palma deslisava através do vidro frio e embaçado. A criança semi desperta arregalava os grandes olhos negros, vislumbrando a paisagem brumosa.
Aos meros sete anos, Benjamin Laskaris remanescia de uma tragédia familiar. Perdera seu irmão mais velho; Noah, em um fatídico acidente durante uma excursão escolar; o ônibus desviou de seu curso, quedando em um abismo. Assim foi com a sanidade de sua família, especialmente sua mãe; Nimel.
Nimel imergiu em uma profunda depressão. Abandonou seus afazeres como professora de piano, tarefas domesticas, entre outros. Negligenciou a criança, que se encontrava quebrada pela perda do irmão e carecida de cuidados. Entorpecida por automedicação excessiva, a mulher transcorria dias e noites prostrada no leito se dando o privilégio de dopar sua dor, enquanto os entes ruíam-se ao derredor.
Diligente, o patriarca; Dener Laskaris desdobrava-se para amparar a esposa e o filho. Delegado regional, estava sempre comprometido com as ocorrências turbulentas de sua área. A escola o notificou o preocupante estado em que Benjamim se apresentava para as aulas; lições por fazer, roupas sujas e amassadas, cada dia mais pálido e esquálido.
Preocupado e compadecido, Dener recorreu a uma licença provisória e convenceu a esposa a se tratar com um profissional de saúde mental. Foi uma conversa delicada. Clarificou que também sentia profundamente a perda do primogênito, mas que prezava pelo bem-estar físico e emocional de Benjamin, que ainda era muito dependente do laço materno.
Inicialmente, Nimel protestou. Mediante ao agravante quadro de anemia, apresentado pelo filho, a culpa a fez raciocinar coerentemente e aceitar o tratamento psicológico. Ela se comprometeu a ser uma boa mãe para não perder o outro filho.
Além de medicamentos e exercícios mentais, o médico sugeriu que a família tirasse umas férias em um local montanhoso com ar puro e belas paisagens. Mediante ao quadro, a escola autorizou o distanciameto. Escolheram como destino, Elísios; uma pequena cidade provinciana, cercada por belas montanhas e uma densa floresta inexplorada.
Assim, naquela manhã brumosa, enquanto a Sra. Laskaris dormia sob efeito dos medicamentos, o marido conduzia o automóvel. Do banco traseiro, o pequeno Benjamin admirava a paisagem lutuosa tornando-se clara e verdejante, como o transpassar de uma barreira invisível. As primeiras casas rústicas e formosas descortinavam-se gradativamente.
A visão hospitaleira se avivava; pessoas com sorrisos luminescentes, senhoras a cuidar de jardins com flores sortidas, crianças saltitando em suas brincadeiras, a cortesia interiorana exposta em cada cumprimento singelo.
Ao som de Secret Garden com a canção Silent Wings, um calafrio lhe percorreu pelas parcas formas, talvez Benjamin fosse jovem demais para entender o poder de um presságio, mas sua chegada em Elísios viria a ser um marco a vida inteira.
Uma pousada rústica, acolhedora volteada por um pomar variado, lagos cristalinos e jardins com lindos arranjos florais, foi a escolha perfeita para que a família recuperasse as energias. Morrigan Galanis; uma simpática senhora, longilínea, ostentando uma longa trança lateral, grisalha, era a anfitriã local, responsável por recepcioná-los, acomodá-los e apresentar os arredores.
Benjamin era o reflexo da euforia. Sua cidade era grande, ruidosa, malcheirosa, eram raros os locais em que podia ver um pouco de verde e o colorido das flores. Ali ouvia-se variados cantos de pássaros, cacarejar de galinhas, grasnar dos patos e outros ruídos os quais ele não saberia nomear. Jogaria sua mala no chão e sairia a saltitar sem rumo, não fosse sua rígida educação.
Os adultos priorizaram o café da manhã farto e variado, que fora servido após conhecerem as acomodações e arredores. Os quitutes estavam deveras saborosos, mas o pequeno Laskaris aguardava mais-que-tudo, o aval de seu pai para que pudesse explorar livremente.
Ele esperou, e esperou, e esperou… Duas semanas se passaram e, de fato ali era muito agradável, Benjamin conheceu às camareiras, a cozinheira e o jardineiro. Observou que todos tinham a particularidade de serem muito bonitos. Adultos daquela idade costumavam ter defeitos na pele, perda de cabelo, mas não aqueles. Adulto daquela idade eram carrancudos e mal-humorado, mas não eles, pois se o jardineiro até lhe fazia charadas, trava-língua e piadas,
Durante as noites, uma fogueira era montada no amplo quintal e os funcionários distraiam os hóspedes com lendas locais. Historias eram contadas acerca de uma misteriosa donzela que habitava a Floresta Silenciosa e sugava a alma de que invadisse seus domínios durante o dia, a noite, uma fera horripilante era quem guardava o local. Benjamin não deu muita atenção, já se considerava crescido para temer fantasmas e monstros.
...
No decorrer dessas de semanas, Nimel apresentara melhoras visíveis até para o filho que pouco entendia acerca do assunto. As formas voltaram a encher os trajes, as bochechas recuperaram o rubor. Fazia longos passeios de barco com o marido, piqueniques, trilhas, nadava na cachoeira. Graças a sua força de vontade e aos cuidados de Dener, que se empenhara ao máximo para curar a alma da esposa.
Ocorreu que a criminalidade não tira férias e, como representante da lei, Sr. Laskaris precisou voltar
á sua função, após um chamado urgente da central. Cientificou a esposa da necessidade de seguir á risca as receitas e recomendações do médico, além de aproveitar o máximo do local paradisíaco.
Antes da partida, Dener levou o filho até o centro da cidade, onde se agitava uma pequena área comercial, assim como escolas, clubes esportivos e a imponente igreja central de arquitetura barroca, circundada por uma praça compostos por jardins impecáveis. Naquele núcleo, as crianças reuniam-se para brincadeiras, jovens para o flerte, senhoras para levar seus cachorros, mães com carrinhos de bebês, os senhores com seus jogos de tabuleiro. Era como se a cidade estivesse parada no tempo, mesmo com a presença da tecnologia.
Sr. Laskaris, investigara tudo sobre o utópico local. Era bom demais para ser verdade, mas era… Sem criminalidade, miséria, pobreza extrema, doenças terminais, catástrofes naturais, acidentes, brigas de bar, viciados, alcoólatras, violência doméstica, intolerância religiosa. O único ponto a divergir de toda essa ascensão, era a devoção à lendas e superstições.
Visto isso, Dener permitiu que Benjamin visitasse o centro da cidade sempre que quisesse. Concluiu que logo seu garoto faria amizade com as crianças locais. Deu-lhe uma boa quantia e instruiu para que usasse com sabedoria. Em um dos bancos da praça, pai e filho conversaram por um longo tempo e muitas recomendações foram feitas para o pequeno.
Ao entardecer. Sr. Laskaris foi embora com um certo pesar, mas confiante de que estavam no melhor lugar possível. Já no amanhecer seguinte, mal o galo cantou e, Benjamin já estava de pé anunciando para a sua sonolenta mãe, que exploraria a área central da cidade. Nimel consentiu com um murmúrio preguiçoso e virou-se para o canto.
Engolindo seu café da manhã, o garoto quase tropeçou nas próprias pernas ao sair correndo para explorar o desconhecido e fazer novas amizades. Assim foi, primeiramente ele visitou a padaria de onde vinha um cheiro delicioso, como mal tinha se alimentado, comprou um farto pedaço de torta e outras besteiras mais. Não demorou para que as crianças do lugar ficassem curiosas a respeito do forasteiro.
A torta da padaria foi o tiro inicial para começar um assunto que evoluiu para coleção de cartinhas, berlinde, outros jogos e brincadeiras que descobriram ter em comum. No começo ele estava conversando com apenas dois garotos e outros se aproximaram. Não demorou muito e já tinham crianças o suficiente para brincar de rouba bandeira, pique-esconde e cabo de guerra.
Benjamin regressou á pousada para almoçar e depois retornou para mais uma rodada de brincadeiras. Em meses ele poderia dizer que aquele foi um dos seus dias mais felizes. Quando o sol começava a se pôr, as crianças se despediram e rumaram para seus respectivos lares. O pequeno Laskaris chegou na hospedaria cheio de aventuras para narrar, com uma gigantesca listas de novos colegas.
Benjamin não era de falar muito, mas sua agitação era tanta, que Nimel teve que pedi-lo para conter as narrativas, que durava desde a sua chegada, hora do banho e estendendo-se ao jantar e já estava saturando a todos. Obediente, ele anuiu e se limitou a jantar, mantendo bons modos. Naquela noite o menino nem ficou ouvindo os grilos e coaxar dos sapos, que tanto apreciava, praticamente desmaiou.
…
Após devorar o café da manhã e sair em disparado para o jardim central, Benjamin encontrou-se com o grupinho de crianças já reunidos em um círculo, sentados em lotos. Suas expressões não estavam das melhores. Laskaris cumprimentou ressabiado e as respostas foram murmúrios desanimados. Desconfortáveis, os pequenos começaram a trocar olhares estranhos como se tivessem algo a dizer, mas esperassem que o outro dissesse.
Demóstenes era considerado como uma espécie de líder, talvez por ser mais velho e consequentemente o mais alto. Coçou os cabelos cacheados e deu um suspiro desgostoso. Ele explicou a Benjamin que não poderiam mais ser amigos, portanto ele não faria parte das brincadeiras. O pequeno Laskaris mesmo abalado, contestou de modo a saber o que fizera de errado, de que forma e em que momento os ofendera, mas a resposta não veio.
O fato era que as crianças também pareceram perder o ânimo para brincar, mesmo entre si. Educadas, todas se desculparam e saíram cabisbaixas, cada uma para um rumo. O menino ficou ali parado sem entender o que houve. Nos dias decorrentes, ele voltou naquele local em busca de respostas ou de amigos, mas não encontrou nada. A única coisa que encontrou foi sua velha companheira amarga; a solidão.
Benjamin não contou sobre, o estranho ocorrido, para a mãe, pois seu pai havia lhe instruído a não preocupá-la. No entanto, se ele ficasse no terreno da pousada a brincar com a criação e escalar as árvores do pomar, como fizera nas primeiras semanas, Nimel o questionaria o motivo de não ir mais ao encontro dos amigos. O jeito era sair para perambular solitário pela cidade, comprar as guloseimas e sentar no banco da praça imaginando o que tinha de errado consigo.
Ele nunca teve facilidades para arrumar amigos, mas quando Noah estava vivo os dois sempre brincavam juntos. Às vezes se desentendiam, mas logo voltavam as pazes. Talvez seu falecido irmão fosse o único que realmente gostava dele. Estava sendo difícil superar a falta que sentia. Ele não queria voltar para a sua casa triste e vazia onde ele tinha a impressão de que a qualquer momento o mais velho surgiria para lhe pentelhar, mas também não queria ficar alí.
Sozinho já a muitas horas naquele banco, esperando sinal de qualquer criança que fosse, na esperança de que esta mudasse de ideia e o chamasse para brincar, Benjamin teve a impressão de ter visto Noah do outro lado da rua. Mas não poderia ser ele? O vira em seu caixão sendo trancado, jogado em uma grande cova e coberto com terra. Talvez fosse só uma criança que se assemelhasse com ele. Impelido por um impulso maior, o garoto levantou-se e atravessou para encarar o outro mais perto.
Como se convidasse Benjamin para uma caçada, o suposto sósia de seu falecido irmão, correu pelas vielas, revestidas de paralelepípedo, da cidade e se embrenhou em meio a floresta. O pequeno Laskaris freou o passo e se lembrou das diversas lendas que os coleguinhas dali contaram sobre aquele local, desde a reclusa Dama Branca, sugadora de almas, a bestial fera que devora pessoas vivas arrancando-lhes membros a membro.
Reunindo toda a sua coragem, ele desconsiderou os mitos e também se embrenhou na floresta. No começo, ainda podia ver o vulto do garoto a correr por entre as árvores velhas e, ouvir suas gargalhadas, mas repentinamente os risos cessaram e a sombra desapareceu. Benjamin se viu sozinho em meio a mata fechada e silenciosa, um calafrio lhe subiu pelo dorso e bifurcou no inferior da cabeça. Sua impressão era de ser observado nas sombras e agora aquelas lendas começavam a assombrá-lo completamente. Girou a procura de uma saída, mas tudo parecia igual e não tinha rastros de onde viera.
Em um ato desesperado, temendo por ter sua alma sugada ou seu corpo devorado, ele correu sem rumo. As galhas de arbustos selvagens lhe arranhando a face, puxando os cabelos, espinhos e carrapichos agredindo-lhe a pele alva e fina. Tudo aquilo parecia estar animado e o atacando propositalmente, além da impressão de estar sendo perseguido, até que, por correr olhando para trás na ânsia de identificar um possível perseguidor, o menino despencou de um barranco torcendo e ferindo o tornozelo, batendo a cabeça em uma pedra.
Lá estava Benjamin Laskaris em meio a brumosa e densa floresta fechada, inconsciente em meio a um vasto tapete de folhas secas, frias e murchas pela umidade da neblina. Talvez estivesse fadado a ter sua alma sugada pela famigerada Dama Branca. Talvez seu corpo fosse devorado pela horripilante besta. Quem poderia saber, se ali estava exposto a tantos perigos mais, insetos peçonhentos, predadores. Estaria ele, fadado a morrer sozinho e perdido naquele lugar esquecido por Deus?
Terra Prisma é uma realidade alternativa e paralela a nossa que, se desenvolveu com algumas diferenças embora apresente o mesmo desenvolvimento tecnológico que nosso mundo, na mesma proporção evolutiva, tem diferenças socioeconômicas e religiosas. Para começar, o grande líder religioso de eras passadas, desceu do mundo dos deuses com a missão de acabar com a escravidão entre os povos e exigir igualdade para as mulheres. Desde tempos medievais as mulheres tiveram direito a estudar a aprender artes de lutas. Diferente da nossa realidade, na Terra Prisma, os negros nunca foram vistos de forma pejorativa, já que em eras onde existia escravidão, não era inerente a eles. Alguns nomes importantes da nossa história, poderão ser substituidos por mulheres, como elas foram letradas, existiram muitas cientistas, guerreiras e politicas importantes. Terra Prisma tem um véu dimensional muito tênue, portanto é suscetível a brechas e rupturas com outros universos, o que gera a invasão de muitos seres sobrenaturais a procura de caça ou mera diversão, sendo estes mais evoluídos ou não, belos ou horrendos. Nessa Terra lendas e mitos nunca são infundados, sempre tem uma pitada de veracidade. En savoir plus Terra Prisma "Diga Meu Nome".
Merci pour la lecture!
Com uma narrativa envolvente e uma pressima igualmente atrativa, sem dúvidas merece uma vaga em qualquer lista de leitura.
O solitário Benjamin cria laços com uma criatura sombria, linda e misteriosa ao passo que a utópica cidade de Elísios vai nos mostrando que pode esconder segredos macabros por trás de toda fabula de gente simples e hospitaleira. Tudo i numa narrativa cativante. Recomendadissima!
Uma narrativa irresistível sobre uma família lidando com uma perda pessoal. Uma leitura a ser considerada pelas ótimas descrições e personagens cativantes do primeiro parágrafo até a última frase.
Que perfeição, leitura rápida e leve num suspense que te prende, excelente escrita e muito promissor!
Primeiro contato do Benjamin com a lenda local, uma explosão de sensações e embate de mundos diferentes. Perfeito
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