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PEIXE

MANTEVE OS OLHOS GRUDADOS no horizonte alaranjado que banhava o Lago Paranoá. Suas mãos trêmulas agarravam o alumínio do barco de pesca; evitava encarar a água serena que os cercava. Entendeu os motivos de seu pai, mas se perguntava se o homem não poderia ter escolhido uma atividade que não envolvia tanto contato com a natureza. Sua viagem para a Itália aconteceria no dia seguinte. Passaria seis meses em intercâmbio; mergulharia em museus, arte e história. Os meses de distância motivaram seu pai a fazer uma proposta inusitada: se despediriam em uma manhã gloriosamente monótona de pesca. Reconhecera o misto de orgulho e melancolia no olhar escuro de seu pai ao receber a notícia de sua viagem e, portanto, nunca seria capaz de recusar seu convite.

— Certeza que você consegue pegar tucunarés hoje — disse seu pai enquanto revirava suas coleções de iscas em pequenos compartimentos. — Vai adorar.

— Eu não entendo nada de peixe, pai. — Ao notar o tom displicente do comentário, pigarreou antes de continuar. — Mas vou adorar sim. É agradável aqui.

— Agradável? — O homem de meia-idade riu com rouquidão, devorara maços de cigarro por décadas. — Você tá quase se borrando de medo aí.

— Como você consegue ficar tão calmo? — Também riu após a brincadeira de seu pai. Não conseguiu esconder o nervosismo na risada vacilante. — Eu sinto que vou me afogar o tempo todo.

— Eu faço isso há muito tempo, filho — seu pai comentou baixo. Estava concentrado no nó complexo da linha em torno da argola do anzol. — Pesquei durante toda minha vida.

— Quando começou? — Assistia ao ritual praticado pelo homem com fascínio, seus movimentos eram naturais e não pediam esforço.

— Seu avô me ensinou a pescar quando eu tinha só oito anos. — O pai abriu um sorriso amarelado repleto de nostalgia, desviando sua atenção do anzol para ele. — Eu só tô fazendo isso quando você já tem dezenove. Quase indo embora.

O sorriso saudoso desapareceu. Sentiu sua garganta pesar e o coração apertar quando percebeu o tremor crescente nos lábios pressionados de seu pai. Subitamente, esqueceu o medo que sentia da imensidão azul ali embaixo; se pôs de pé e avançou pelo barco em passos hesitantes, envolvendo seu pai em um abraço tão firme quanto amedrontado. Se abraçaram por um minuto inteiro, não falavam e nem choravam, apesar da angústia que invadia o peito.

— Desculpa. — Ouviu o sussurro do pai e apertou seu corpo um pouco mais.

— Vai passar rapidinho. — Precisava se certificar de que ele não havia se rendido ao choro, se afastou discretamente e admirou seu rosto. Seu pai tinha a pele castigada pelo sol, cabelo grisalho e longo, marcas de expressão acentuadas e traços grossos, cansados. Suas maçãs do rosto estavam úmidas. — Eu volto logo.

— Tô muito orgulhoso. — Abriu um novo sorriso, mas esse não se prendia ao passado; mirava o futuro. — Vamos pegar tucunarés?

— Um monte, pai. — Acompanhou a risada do pai e sentaram-se para amarrar anzóis.

O sol finalmente nasceu no Lago Paranoá.

4 Octobre 2020 22:57 3 Rapport Incorporer Suivre l’histoire
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Alice Tkotz Alice Tkotz
Chega a ser ridículo como a vibe do barco é completamente palpável para os leitores... Minha admiração sem limites ao autor! Será que pegaram muitos tucunarés? Se sim, será que almoçaram tucunarés depois? Emocionei... 💕
October 20, 2020, 01:30

  • Gabriel Amaro Gabriel Amaro
    ai tão fofa <3 brigadoooo espero que tenham peixe pra semana inteira kkkkkkkkk October 20, 2020, 01:44
~

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