sandranaua Sandra Braz

Ritinha tinha o sonho de comprar um televisor moderno e quando finalmente pode comprar um, percebeu que poderia ficar sem seu objeto de desejo.


Histoire courte Tout public.

#televisor #sonho #desemprego
Histoire courte
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Ritinha está sentada na mesa de um botequim sozinha às 3 da tarde de uma segunda-feira bebendo cerveja barata. O sol estava tinindo e ela olhava para o nada enquanto refletia sobre os acontecimentos frescos. Fora dispensada do emprego. Era garçonete numa churrascaria granfina da cidade. Ficou feliz quando conseguiu o emprego para ganhar 20% mais do que recebia no salão de beleza onde trabalhava feito condenada como manicure aturando madames e o cheiro forte dos seus perfumes importados. No restaurante as encontrava também, mas o contato era menos intenso. Sorveu um gole da cerveja e reparou na toalha xadrez com manchas de molho de pimenta ou catchup. Bogaça, o proprietário do boteco chamado Saca-rolhas servia churrasquinhos à noite, morava nos fundos e não pagava impostos. Ela fora demitida porque derrubou uma bandeja abarrotada louças, inclusive com sobras de comida na cabeça de uma senhora de 88 anos. Foi um Deus nos acuda. Um escarcéu. Demitiram-na ali, no ato entre xingamentos e acusações. Ela achou injusto, afinal não foi intencional. Mas reconheceu que aquela mania de querer economizar tempo poderia ter uma desastrosa consequência cedo ou tarde. Veio cedo demais. Ritinha estava preocupada com as 10 parcelas de 12 do televisor novo de LCD 34 polegadas que comprara. Ela não teria direito a seguro-desemprego, pois ainda estava em fase de experiência. “Merda!”, praguejou. Aquela TV era a fonte de felicidade de Ritinha que convocou com euforia inocente os vizinhos mais chegados pra exibir a nova aquisição. Todos concordaram que era um belo aparelho. Alguns sentiram uma ponta de inveja, mas nada ao ponto de sair dali e pôr o nome da moça na boca de um sapo e depois costurá-la. Ritinha prometeu que quando fosse passar um filme bom na Globo no fim de semana, convidaria a todos. Ela assistia a todas as novelas que conseguia e seria divertido presenciá-la xingando vilões e sofrendo com os mocinhos. “Ora, mas tu é muito besta criatura! Como deixa essa jararaca te fazer de gato e sapato? Se fosse eu já teria dado uns caritipapos!” Indignava-se. A garrafa de cerveja esvaziou e Ritinha dirigiu-se a Bogaça no balcão, este que assistia a um programa policial com um pano encardido pousado no ombro. Sem pestanejar ele absorvia os detalhes da cena de um crime em algum lugar não muito longe dali. "Todo dia é isso", pensou alto, mas aquele era o seu passatempo preferido. Acontecesse o que acontecesse o televisor estaria ligado aquela hora e ele estava sempre ansioso pra ver mortos, feridos, acidentes, apreensões de drogas,bêbados que perturbaram a ordem e casais que chegaram as vias de fato. Rita olhou a cena sem muito interesse, aquele excesso de realidade não a atraia, preferia mil vezes as novelas. Pagou a bebida, despediu-se, mas Bogaça tão concentrando estava, não ouviu, era bem na hora em que exibiam a cabeça esfolada da vítima. Um horror. Ritinha andaria por algumas ruelas estreitas e sujas até chegar em casa. Enquanto caminhava ignorando as garrafas, sacolas, caixas e frutas podres espalhadas pelo percurso, pensava no televisor. E se lhe tomassem? “Não!” Sentiu certo pânico. “Minha televisão não tiram de mim.” Pensou como se isso lhe desse alguma segurança. “Vou fazer promessa pra Santa Rita de Cássia, minha santinha há de ouvir minhas preces e intervirá para que nenhum abelhudo leve minha TV.” A imagem de uma santa piedosa confortou o coração de Ritinha. E no último caso poderia se mudar por uns tempos pra casa da tia Almira, cogitou. Livre daquela preocupação, ela se imaginou uma mocinha de novela, um sorriso no canto da boca se desenhava enquanto ela se fantasiava meiga, com a pele lisa e sem manchas de sol, trajando um vestido chique nos braços de um homem rico, másculo, carinhoso e fiel. Ele lhe daria uma vida de glamour e ela seria feliz para sempre. Para sempre. Pensou enquanto ajeitava o headband que comprou na feira sábado passado.

14 Juillet 2020 20:57 0 Rapport Incorporer Suivre l’histoire
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La fin

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