E mais uma vez encaro o fim, diante meus olhos um abismo se abre, trazendo as sombras do passado que achei ter enterrado.

Oh amor que me sangra fundo e me queima a carne, amor que me renova e onde renasço. Oh amor que em felicidade me afoga e em prazer me consome. Oh amor que com dez letras se soletra, só te peço que não se vá tão de repente quanto surgiu.

A arte é dolorosa Não é aquela inspiração bela que vemos os críticos e fãs dizerem e apreciarem É o grito que te acorda durante a madrugada, implorando para sair Um impulso que precisa sair Que quando sufocado parece adormecer, mas nunca te deixará em paz Pulsando nos momentos de distração, pedindo para sair de qualquer jeito Que se impele e rasga sua pele, te escravizando no prazer de criar, um impulso que só morre quando o artista morre

Soube que havia algo errado quando olhei para o lado e ela não estava mais lá. Olhando ao redor não pude achá-la, porém percebi que outras pessoas pareciam perdidas. Um estrondo ecoou pelas ruas, estilhaçando cada vidraça ao redor. Quando o barulho parou os gritos tomaram o lugar dele, foi quando percebi que também gritava. Não sabia porque, mas tremia de medo. Devagar as primeiras gotas vermelhas caíram dos céus.

Eles chegaram, com palavras estranhas e objetos brilhantes. Trouxeram bebidas, comidas exóticas, ferramentas modernas. Logo sugeriram que nossa fé estava errada, que não poderíamos nos vestir de tal forma, nem comer o que estava em nossas mesas. Nos negamos em aceitar as crenças que nos impuseram e isso os mudou. Queimaram nossos deuses, mataram nossas crianças, destruíram as plantações e derrubaram as cidades. Nosso povo se tornou escravo e hoje já não existe mais.

Seis balas e seis homens, o pistoleiro foi cercado. Mesmo todos os anos de experiência não o permitiriam escapar daquela situação. O pistoleiro jogou o poncho por cima do ombro, respirou fundo observando cada alvo, seria o último duelo da vida dele, mas não desistiria fácil assim. Ele sacou, derrubando dois antes que a primeira bala o atingisse, mais um se foi quando caiu de joelhos, outros dois morreram antes que desse o último suspiro. Somente um sobreviveu, para que a lenda fosse contada.

Eu vi, levou apenas um instante, um segundo sol surgiu no centro da praça, muito mais brilhante do que a estrela iluminando os céus. Um calor que nunca senti me consumiu rapidamente, sequer tive tempo de senti-lo. Da minha minha existência restou apenas uma mancha escura na parede, a marca de que alguém esteve ali, porém ninguém poderia dizer quem.

Do abismo o rei dragão olha os céus e faz os anjos estremecerem. De cima o arcanjo aguarda o dia em que a trombeta tocará e ele poderá terminar a batalha de tanto tempo atrás. O dragão anseia pela liberdade, aumentando os números de seu exército enquanto aguarda a chance de vingança. Com tristeza o arcanjo espera libertar o antigo irmão da própria soberba. Entre eles o mundo carnal segue alheio ao fim que se aproxima.

Na escuridão o herói caminha guiado apenas pelo tato. Ele sabe da criatura que o aguarda no centro do labirinto e sabe que deve temê-lo. Não leva arma consigo, uma oferenda não deve defender-se. O herói sabe que as chances não estão ao seu favor e isso torna a glória maior que o medo. A criatura bate os cascos com firmeza, mas o herói sabe que não há glória sem medo. O minotauro arrasta o machado, já cego, e o jovem mantém a fé nos punhos, pois a sorte favorece os audazes.

A primeira se impôs e por isso foi condenada, não mais poderia estar no jardim, pela terra da dor e dos espinhos deveria caminhar, sozinha. Abandonada ela caminhou, com os pés feridos e a fome que a devorava entre bestas-feras que tentavam devorá-la, porém não arrependeu-se. Todo aquele sofrimento não era comparável a liberdade que conquistou. A revolta da primeira atraiu o senhor das chamas, que a levou em vida para o seu reino, onde pode ser verdadeiramente livre.

A pequena bruxa ama as criaturas do bosque. O bosque cuida da pequenina. As árvores lhe dão abrigo, os arbustos a alimentam e os bichos fazem companhia para ela. Apenas alegria reside no coração da bruxa. Sem aviso as chamas consomem o bosque. A fumaça sufoca as criaturas e a pequena bruxa vê tudo transformar-se em cinzas. A grande bruxa se ergue. Sem piedade cada aldeia humana é devastada. No lugar da destruição árvores surgem, como se sempre estivessem ali.

Nem mesmo um toque é necessário, a simples presença do cavaleiro é capaz de dizimar toda a vida ao redor. Ele caminha pelo mundo, ceifando cidades inteiras, até que sua cota seja alcançada ele não irá parar ou descansar. Todas as almas impuras são enviadas ao fogo, o próprio cavaleiro é juiz e carrasco. O juízo final acaba de começar.

Eu vi. Vi a face pálida na rua escura, me encarando com os olhos vazios. Pude sentir a ameaça vinda daquele estranho ser. Um desejo de sangue gigantesco, que seria facilmente saciado ao julgar pela estatura descomunal. Soube que aquele seria meu fim, porém não consegui correr. Permaneci ali, paralisado, até perceber a máscara pendurada em um galho.

As pedras cortavam minhas mãos e o sangue tornava mais difícil segurá-las. Cada centímetro que subia sentia-me mais próximo da liberdade. A luz no topo do abismo me atraía com tanta força que não poderia ignorar. Quando meus pés tocaram a terra macia senti a verdadeira liberdade, a luz banhou minha pele e a queimou, criando bolhas de imediato. Ali descobri, aqueles que nascem nas trevas não podem estar sob a luz.

As despedidas são sempre difíceis, mesmo sabendo que nos veremos em breve. Aqueles beijos com gosto de "fica mais" são deliciosos e tristes. Passei quase toda minha vida esperando que você aparecesse, não quero mais nem um dia sem o seu brilho, sua luz é o que aquece meu coração.

A mancha na parede parecia um rosto, eu sempre a observava antes de apagar as luzes. Em certos dias ela se parecia ainda mais com uma pessoa, talvez até alguém conhecido. Por anos eu a olhei e ela me olhou de volta, estática. Uma noite, antes que soprasse a vela, pude vê-la piscar para mim. Naquela manhã não acordei na minha cama, embora pudesse me ver deitado sobre ela. Estava paralisado, observando os arredores, obcecado pelo monstro que dormia no meu lugar.

Olhei no fundo de seus olhos escuros e um calafrio percorreu minha espinha. Ela permanecia sentada, me encarando com um olhar distante, seu rosto sem expressão, combinando com a sala escura. Não poderia dizer com certeza se ainda estava viva, mas implorei a Deus que sim. Seus olhos se moveram, me percebendo, um leve sorriso tomou seu rosto, ali soube que já estava morta e eu logo também estaria.

Não diga meu nome.Não em voz alta. Palavras tem poder e podem trazer maldições. Uma palavra pode trazer a vida seres que deveriam permanecer nas sombras do esquecimento. Não diga meu nome pois prefiro estar deste lado. Não sei o que posso fazer se atravessar, tenho medo do que posso me tornar, não me chame, não diga meu nome.

Em um muro da cidade vi uma pixação. Um coração com as letras G e E, e um sinal de mais entre elas. Por um momento me perguntei se G ainda amava E e o contrário, já haviam se amado ou seria aquela apenas uma declaração? Teria dado certo? Provável que nunca saiba a resposta, então apenas sigo meu caminho.

Ele ergue seu braço, liberando as trevas sobre a terra. Na escuridão os mortais tremem, perseguidos pelos quatro, enquanto as pragas não dão descanso. Sem paz nesse ou no outro mundo as trevas possuem suas almas.

Olho no fundo de seus olhos e vejo chamas, tão ardentes que assustam por um momento. Ela se aproxima com seu gingado hipnótico e não posso reagir. Seus dedos deslizam pelo meu rosto enquanto estremeço. Os lábios murmuram uma canção doce, em alguma língua que não posso entender. Sei o que é. Uma súcubo. É uma bela visão antes de se morrer.

A brisa sopra suave, fazendo uma sinfonia com as folhas secas que caem. Uma música melancólica sobre o inverno que chega, sobre a dureza da vida e os amores não correspondidos. Pendurado em um galho balanço junto as folhas, sem sentir o frio na pele.

Um pequeno sorriso surge em seu rosto, encaro fixamente aquela face que tanto amei e me pergunto como as coisas puderam dar tão errado. Ela acaricia meu rosto com a ponta dos dedos, cobrindo-o com traços vermelhos. Uma lágrimas escorre por meu rosto, manchando a pintura macabra. Seu sorriso cresce quando a faca atravessa meu estômago mais uma vez, com delicadeza ela afasta meus cabelos e sussurra: — Nunca mais...

O tempo passa devagar. Hoje encontrei um pedaço seu no meu travesseiro. Um pequeno fio de cabelo, preso na espuma. Sorri, me lembrando do seu cheiro doce, dos olhos meigos e da boca sedutora. Outra sexta-feira chega, meus braços te enlaçam com força, queria viver nesse momento. Como o tempo voa.

Ele sorriu sarcástico, me olhando de cima, satisfeito por como acabou. Eu assinava os papéis com raiva, pressionado a caneta quase a ponto de rasgá-los. Não sabia o que faria dali em diante, aquele emprego era tudo que tinha, havia deixado todo resto de lado, família, amigos e lazer, mas no fim eu já não era mais útil à empresa. Naquela noite não voltei para casa, não quis encarar a solidão que causei, mas ele também não voltou, e acabou por dormir em baixo do rio, preso com concreto.

O vento gelado fere meu rosto. Já não sinto os dedos dos pés e mal consigo mover os das mãos. Mordo um pedaço de carne seca enquanto vejo a fúria da nevasca lá fora e rezo para que se acalme, já fazem três dias. Histórias são contadas sobre os que alcançaram a glória do topo, mas quem fala sobre os que falharam? Na caverna escura percebo que trocaria mil glórias pelo abraço quente do meu cobertor.

Naquela praia me ajoelhei e nunca me arrependi. Declarei meu amor eterno entre as ondas e mais uma vez na areia. Você sorriu sem jeito, sem saber se era verdade ou bricadeira. Bati o pé insistindo que te amava além da vida, te queria ao meu lado, na saúde e na doença, e ainda hoje quero. Hoje declaro aos quatro cantos que meu amor cresce a cada dia, desde que ouvi aquele sincero e simples: "Sim."

De olhos amarelos e sorriso afiado, ele vaga pela noite buscando presas assustadas. Enquanto caminha entre as casas nem mesmo o olhar mais afiado é capaz de percebê-lo. Quando finalmente encontra sua vítima seu sorriso parece flutuar na escuridão, cheio de dentes. Seja quem for teme a visão pela janela, alguns correm de imediato, outros, mais espertos, permanecem imóveis, até que mostre seus olhos. No fim todos tentam fugir, lhe dando as costas, virando seus rostos e todos encontram a escuridão.

Te sinto distante e temo perdê-la. Não sei se está mal ou se perde o interesse. Não quero que se vá, mas não posso prendê-la. Cada dia longe é uma tortura, mas, sempre que estou ao seu lado, percebo que seu silêncio não é frio.

Tenho medo. Medo de te perder. Te afastar. Medo que meus medos te assustem. E toda vez que penso nisso os temo ainda mais. Talvez eu seja um covarde ou apenas ferido demais. Estou cansado de ter medo, queria ter sua coragem, sua certeza, mas, no fim, elas também me dão medo.

Você chegou e ficou. Nos escolheu. Esteve sempre lá. Há tanto tempo que não acreditávamos que iria mudar. Nos últimos anos já não via tão bem, nem tinha tanta energia, mas sempre esteve ali, ao nosso lado. Já nos preparavamos para quando nosso último dia juntos chegasse, porém ele nunca veio. Naquela noite chuvosa você apenas se foi. E o que mais machuca é a incerteza.

Seus olhos cor de mel me prenderam. Os cachos do cabelo balançavam com a brisa leve. A face corada ofuscava a bela paisagem ao fundo. Um pequeno sorriso tomava seus lábios enquanto falava. — O que acha? — me perguntou. — O quê? — foi o que pude responder.

Sentiu suas pernas falharem e caiu de joelhos ante a figura sombria. Uma brisa fria tocou sua pele, fazendo-o estremecer. Sabia que era o fim. Diante o frio da morte, todos os mortais tremem.