O sorriso que gradativamente surgia naquele rosto era a recompensa mais gratificante para Chanyeol.
Cada ruga contendo o peso de vários anos era suavizada pela emoção esboçada nos lábios do pai, tão semelhantes aos seus – ainda que um pouco mais estreitos – e ele se permitiu uma respiração profunda, sentindo uma gratidão profunda inundar-lhe o peito, usufruindo de uma felicidade plena e rara.
Era a primeira vez que Park Sung-Jin ia ao teatro, no auge de seus sessenta e cinco anos de existência. E aquele fora o melhor presente que seu filho mais velho conseguira pensar em lhe proporcionar em celebração ao dia dos pais. Na realidade, poderia dizer que fora um presente coletivo, uma vez que toda a sua família se encontrava ali, vivenciando a mesma experiência – com exceção do próprio Chanyeol e a esposa, que já tinham frequentado aquele mesmo teatro algumas poucas vezes anteriormente.
Soon-Bok, diferentemente dele, apreciava a arte em forma de dança e encenações, e vez e outra conseguia arrastar o neurologista de quarenta e cinco anos, com o qual estava casada há treze anos, para acompanhá-la aos espetáculos. Não que lhe desagradasse, mas Chanyeol costumava ter uma vida corrida, perdido entre plantões e clínicas diversas, e quando tinha tempo livre queria passá-lo em casa, com a filha de dez anos e sua bela esposa entre seus braços, por mais piegas e meloso que isso soasse aos ouvidos desavisados acerca de sua natureza afetuosa.
Ainda observando as reações do patriarca, sentado ao seu lado direito, Chanyeol contemplou a forma como seus cabelos pareciam mais prateados desde a última vez em que o vira rapidamente, quase um mês atrás. Provavelmente fosse apenas impressão sua, devido à meia luz do ambiente, uma vez que o espetáculo iniciara alguns instantes antes. Mesmo assim, até o número de sulcos em volta dos olhos castanhos amendoados – que se intensificavam quando ele sorria mais abertamente – não pareciam ter aumentado de número, e isso dava a ele uma falsa impressão de que o tempo desacelerara um pouco.
Talvez aquele fosse o sonho de todo filho; que o tempo jamais passasse para aqueles que lhe deram a vida, que pudessem tê-los ao seu lado para sempre.
Seguramente, um querer egoísta, mas tão inevitável quanto respirar.
Conforme os bailarinos passeavam pelo palco, um nível acima deles, que ocupavam uma dentre as primeiras fileiras de assentos estofados em vermelho a preencher o amplo espaço do Chongdong Theatre, os lábios de Sung-Ji se partiam de surpresa e encantamento, curvando-se novamente num sorriso que crescia a cada minuto. Instintivamente, Chanyeol buscou uma das mãos de dedos grossos e a envolveu entre as suas, afagando-a.
Quando o pai o encarou, contente, ele lhe sorriu largamente de volta, recebendo um beijo no topo da cabeça de cabelos castanhos escuros, onde alguns fios platinados se infiltravam com sutileza, e o mais jovem riu, vendo-o voltar sua atenção para o palco.
Lançando um beijo e uma piscadela para a mãe, Young-Mi, que também lhe sorria agradecida, Chanyeol olhou para a esposa e a pequena Hae-Won, ambas sentadas ao seu lado esquerdo, afagando os cabelos cor de mel e repetindo o gesto que seu pai fizera em si, tocando os fios ocres da filha com seus lábios e, em seguida, selando-os na boca da beldade acomodada na poltrona ao lado, roçando seus dedos longos na barriga proeminente, que embalava uma nova vida que viria à tona em poucos meses. Desta vez, ele seria pai de outro menino.
Quando seus olhos voltaram a se abrir, volveu-os para o palco, disposto a apreciar todos os detalhes daquele espetáculo, que lhes era tão especial.
Tal particularidade não se devia ao fato de se tratar de uma das maiores companhias de dança da Ásia, reconhecida internacionalmente pela excelência de seus integrantes, cuidadosamente selecionados a dedo por seus orientadores. Nem mesmo o fato de, após terem viajado por todo continente europeu e asiático, a referida companhia estava de volta à Coreia do Sul – tal temporada de shows resultando numa viagem que perdurara por longos doze meses de apresentações frenéticas –, e que agora agraciavam a noite de cerca de quinhentas pessoas confortavelmente acomodadas pelo interior do prédio opulento.
Na verdade, o motivo que trouxera a família Park até ali fora um, apenas. E que se misturava entre os outros bailarinos, usando roupas semelhantes e em materiais que se moldavam aos corpos atléticos, adornados com pedras que cintilavam a cada gesto, os rostos maquiados artisticamente agitando-se para lá e para cá no mesmo compasso das sapatilhas de cetim. A orquestra, cujos músicos se encontravam em um nível entre as poltronas e o próprio palco, era conduzida por um silencioso maestro, que agitava os braços no ritmo da melodia entoada pelos instrumentos diversos, cada um deles se sobressaindo em momentos específicos da canção.
A ansiedade crescia e se alastrava pelo interior dos cinco indivíduos que admiravam, extasiados, a execução da peça de balé em questão, mal podendo esperar pelo solista que viria na sequência.
E ele viera, trajando roupas brancas – a calça justa em contraste com a blusa ampla, de mangas compridas e tecido leve –, seus cabelos castanhos estavam penteados para trás, permitindo que o rosto moreno de traços cinzelados ficasse à mostra, realçado pela maquiagem que o cobria. Não era necessário entender muito de dança para compreender a vitalidade e energia impregnada em cada rodopio, salto ou gesto feito pelo jovem que tomava para si a atenção de todos os presentes. Seus trejeitos adicionavam ainda mais emoção à performance, os braços se contorcendo no ar como se ele fosse um pássaro prestes a alçar vôo, flutuando sobre as cabeças diante de si.
Os holofotes pareciam ter nascido para iluminar seu corpo esguio e comprido, da mesma forma que Chanyeol parecia destinado a admirá-lo em todo o esplendor da sua aura vívida e reluzente, rodopiando e ondulando seu corpo a cada movimento gracioso que executava; neste ponto, os olhos do homem, vidrados em Jongin, não conseguiam emitir a mesma luz potente – que jorrava de todos os ângulos sobre o ele –, porém, ele sabia que todo o amor que alimentara em seu coração ao longo daqueles vinte e três anos estava ali, transbordando pelos cantos de seus olhos.
Porque Jongin era feito de vontade de viver, forjado em amor, talhado em talento e superação.
Vendo-o agora, no auge de suas pouco mais de duas décadas de existência e com uma carreira brilhante em ascensão, Chanyeol conseguia se lembrar claramente do dia que ele surgira em suas vidas, seu corpo delicado quase cabendo nas palmas de suas mãos grandes. E, pela milionésima vez naqueles vários anos, deu graças a Deus por ter permanecido até mais tarde estudando na biblioteca da universidade naquela noite fria e chuvosa em Seul.
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A lembrança permanecia vívida em sua mente, apesar de a cidade ter estado mergulhada em cores acinzentadas naquela noite de junho, acentuadas pela escuridão que ameaçava tragar os prédios a despeito das luzes artificiais dos postes e letreiros, conforme Chanyeol se esquivava por alguns becos mal iluminados. Ainda era verão, mas era comum chover bastante naquela época do ano, e à noite o tempo esfriava bastante devido à umidade no ar. Ciente deste fato, assim que deixara seu apartamento – localizado no mesmo bairro da universidade onde ele cursava medicina –, pouco após o alvorecer, levara consigo a mochila de couro escura e repleta de livros, o jaleco que utilizava no estágio pendurado sobre um dos antebraços e, trajando as roupas brancas de costume, apanhara um dos casacos pendurados ao lado da porta, vestindo-o apenas quando saíra do enorme prédio de sete andares, quando a megalópole já estava imersa na noite, sentindo o ar gélido resvalar em suas bochechas. Sentia-se tão cansado que talvez a exaustão ocasionada pelo dia inteiramente preenchido por estudos dentro e fora da sala de aula fosse a responsável por fazê-lo sentir mais frio do que deveria.
Ajeitando a mochila nas costas e enfiando as mãos geladas dentro dos bolsos, encolhera-se dentro do casaco quente e acolhedor, sentindo as partículas de água que flutuavam na atmosfera umedecer seus cabelos conforme caminhava apressadamente. Já estava perto das oito da noite, ele sabia, e mal podia esperar para chegar a sua casa, preparar um lámen instantâneo qualquer após um belo banho quente e largar-se na cama que ele quase nunca arrumava devido à correria da faculdade.
Medicina definitivamente era um curso feito para os fortes.
Chanyeol estava na metade do terceiro ano do curso e morava sozinho desde então. Filho único de uma família de classe média alta, os pais ficaram resistentes em deixá-lo morar sozinho naquele pequeno apartamento a apenas algumas quadras de distância do campus, mas aquela fora a saída mais viável, já que não havia vagas nos dormitórios da instituição. Além disso, o jovem de um metro e oitenta e cinco centímetros de altura, cabelos castanhos escuros e fartos – que lhe caiam em suaves ondulações pela testa –, olhos grandes, orelhas proeminentes e de sorriso fácil, já gozava de sua maioridade há pelo menos três anos. E, afinal, ele viera se virando muito bem desde o dia que saíra da casa onde nascera, num condomínio fechado em Icheon, ligando para seus pais sempre ao final do dia para lhes avisar que estava tudo bem.
Seus olhos escuros olharam distraidamente a sua volta enquanto ele vencia a distância que o separava do prédio modesto onde residia, admirando a forma como o asfalto das ruas – agora contendo pequenas poças de água aqui e ali –, refletiam as construções e as poucas árvores que acresciam um pouco de natureza e cor no meio de todo aquele amontoado de concreto; o líquido incolor cintilando contra as luzes dos faróis dos carros que passavam. Olhando para ambos os lados da via, o universitário correra para atravessar a rua, seguindo ainda a passos rápidos. Chanyeol estava próximo de seu destino; só precisava virar na próxima esquina e estaria no conforto de seu apê...
Um barulho estridente se elevara acima dos sons típicos de metrópoles – uma mistura de vozes, música e outros barulhos que vertiam dos estabelecimentos distribuídos pelas calçadas, mas que não eram notados à distância, longe de serem ensurdecedores – e ele se surpreendera com o fato de sua audição ter sido capaz de distingui-lo, parando de andar automaticamente. Com as sobrancelhas erguidas, virara-se em direção ao ruído, que lembrava o miado de um filhote de gato – ao menos era a melhor comparação que surgira em sua mente no momento –, tentando identificar do que e de onde o barulho provinha. Tratava-se de um minúsculo beco sem saída e parcamente iluminado, localizado à sua direita, formado por dois grandes prédios comerciais. Lá havia entulho, restos de comida e embalagens rasgadas espalhadas sobre o chão, bem como caixas de papelão e latas de lixo posicionadas junto às paredes altas. Aguçando os ouvidos e dando dois passos em direção ao beco, aguardara alguns segundos, apenas ouvindo o som abafado que lhe chamara a atenção.
Talvez realmente fosse um filhotinho que se perdera da mãe ou que estava faminto, implorando da única maneira que conseguia em busca de auxílio, e Chanyeol até poderia ignorá-lo se não fosse sua paixão por animais e a sensação estranha que o tomara. Aquela noite estivera realmente fria, dada a estação, e ainda chuviscara, o que não colaborara em nada para a temperatura se manter, no mínimo, razoável. E, conforme ele focara no som, cada vez menos lhe parecera se tratar apenas de um animalzinho indefeso.
Retirando as mãos dos bolsos e afastando os fios escuros e fartos que lhe grudavam na testa para poder enxergar melhor, embrenhara o espaço, sacando o celular do bolso de seus jeans para utilizar a lanterna como assistência. Deixara-se guiar pela audição e o feixe de luz forte projetado à sua frente, que o levara a parar diante de uma das caixas de papelão, sobreposta por outra, que estava vazia, permitindo-lhe ver apenas uma brecha escura de onde o som brotava, ficando mais alto a cada passo dado pelo jovem. Retirando o objeto de cima do outro, ele ofegara de assombro assim que seus olhos focaram no conteúdo da caixa. De fato não era um gatinho, mas se tratara de um ser diminuto tão sensível e quebrável quanto.
Envolto em um lençol verde, pequeno e fino, encontrava-se um bebê.
Embora os olhos inchados estivessem fechados e os membros parecessem flácidos, a criança gemia; a boca pequena e sem dentes emitira o que não passava de um esguicho, deixando evidente seu cansaço pelo esforço contínuo de se fazer ouvir por alguém que pudesse vir em seu socorro, e isso fizera Chanyeol ponderar a quanto tempo ela devia estar ali, sozinha e desesperada, chorando furiosamente até que o cansaço e o frio a venceram. O corpo do bebê em si estava intumescido, cuja pele possuía aspecto avermelhado e ele arriscaria dizer que era resultado da exposição excessiva ao frio, olhando com preocupação para os lábios e demais extremidades arroxeadas, em claros sinais de acrocianose¹.
Olhando em volta, correra rapidamente para fora do beco, tentando identificar o indivíduo desalmado que abandonara aquele bebê dentro de uma caixa de papelão num lugar inóspito como aquele, deixando-o à mercê da própria sorte, mas não haveria como ele saber; poucas pessoas perambulavam por aquele trecho do bairro e ninguém se portara de maneira suspeita, aparentemente. Além do que era óbvio que a pessoa que deixara aquela criança ali desaparecera muito antes que o próprio universitário tivesse deixado o prédio da faculdade, vários minutos antes.
Desistindo de sua empreitada, voltara a se aproximar da criança às pressas. Ela parecera ser recém-nascida, e Chanyeol viera a confirmar suas suspeitas assim que remexera no lençol, que a cobria de forma precária, vendo as manchas de sangue e o cordão umbilical ainda atrelado ao abdômen do pequeno, que se tratava de um menino. Com os olhos marejados, tocara-lhe a testa, verificando como a pele delicada estava frígida, causando um pequeno susto ao bebê, que embora tivesse se sobressaltado, não esboçara outra reação diante do contato estranho, praticamente inconsciente.
– Shhhhh... – Chanyeol sussurrara o mais suave que seu timbre grave lhe permitira, fungando enquanto tentara segurar o choro que lhe apertara o peito e a garganta. Desligando a luz do celular e guardando-o em um de seus bolsos traseiros, alisara os fios escuros e ralos que cobriam a cabeça diminuta, espalmando suas mãos grandes e de dedos longos por toda sua extensão. Um dos fatos que ele aprendera naqueles poucos anos de estudos médicos era que recém-nascidos não tinham capacidade de reter calor no próprio corpo por muito tempo e que geralmente o perdiam pela cabeça.
Sentira-se meio apavorado, mas forçara-se a pensar com calma e clareza. Tinha uma vida literalmente em suas mãos e precisava salvá-la, por isso reagira rápido apesar os olhos embaçados, e isso o fizera piscar várias vezes para afastar as lágrimas, fazendo o melhor que podia com as condições do momento.
Ajeitando o lençol em volta do corpo pequenino, deixara a mochila cair no chão para poder remover seu casaco, colocando-o sobre uma das caixas de papelão próximas. Com todo o cuidado, tomara a criança em seus braços, falando-lhe baixo e calmamente, embora não soubesse se ela poderia ouvi-lo, de fato, num gesto que buscara acalmar a ambos, no fim das contas. Sentindo-a firmemente apoiada em um de seus braços, estendeu o outro para o casaco, envolvendo o bebê na peça, pegando a mochila abandonada com uma mão e jogando-a sobre um dos ombros em seguida.
– Calma, bebê... – murmurara, caminhando de volta à calçada, os olhos fixos no rostinho rechonchudo. – Você não está mais sozinho, está bem? Vamos dar um jeito nisso e você ficará bem, eu prometo...
Chanyeol não se arriscara a realizar os primeiros socorros a um recém-nascido em um ambiente como aquele, que poderia causar-lhe infecções letais e ainda mais sofrimento desnecessário. Sendo assim, rapidamente ele abandonara o beco, levando consigo aquela pequena porção de vida em risco, andando apressadamente – já que correr seria perigoso demais para ambos, visto que ele poderia cair ou derrubar o bebê – e seguindo na mesma direção da qual viera, ainda tentando embalar e amenizar os gemidos do pequeno no processo. Em poucos minutos alcançara a entrada do hospital universitário, onde ele e os colegas estagiavam quase todas as manhãs. Era um prédio ainda maior que a influente e reconhecida universidade, e também era o local mais próximo que poderia oferecer os primeiros cuidados àquela criança. Ofegante, chegara à emergência, explicando a situação rapidamente aos profissionais de plantão – cuja maioria ele conhecia e que estranharam vê-lo aparecer ali tão agitado e desesperado, os sorrisos simpáticos e curiosos que lhe foram ofertados morrendo assim que os olhos pousaram no menininho em seus braços.
Zhang Yixing, um jovem enfermeiro com o qual Chanyeol desenvolvera uma relação de camaradagem ao longo daqueles últimos meses de estágio no setor de pediatria, fora o primeiro a alcançá-lo ao identificar os resmungos do bebê, visivelmente confuso com a situação inusitada. O chinês, que estava próximo dos trinta anos, era um pouco mais baixo que o universitário, mas igualmente magro, possuía cabelos escuros e lisos, cujos fios levemente crescidos caiam sobre um dos lados de sua testa, e feições leves e harmônicas.
Bastara um olhar para o rosto apavorado diante de si para que ele puxasse o mais novo pelo ombro sem nada dizer, guiando-o em direção ao pronto socorro infantil, pegando o recém-nascido dos braços do rapaz antes de adentrá-lo, o mais alto seguindo-o logo atrás. Tendo obtido permissão para permanecer lá, Chanyeol acompanhara os procedimentos realizados pelos enfermeiros e a médica presentes, seus orbes castanhos escuros não perdendo de vista nenhum dos atos realizados como forma de aprendizagem e, de certa forma, fiscalizando um serviço que nem ele mesmo conhecia plenamente, seu instinto protetor aflorado por aquela criança que ele conhecera há poucos minutos.
Assim que tudo fora concluído, Yixing e uma enfermeira guiaram o bebê, confortavelmente acomodado em um berço aquecido, conduzindo-o pelos corredores até o que Chanyeol acreditava ser a UCI – Unidade de Cuidados Intensivos, que se equiparava a uma "semi UTI", por assim dizer –, onde a criança ficaria em observação e receberia os demais cuidados necessários para sua recuperação.
Então, ele largara a mochila em um dos assentos vazios próximos, juntamente com o casaco sujo, jogando-se em outro deles, sentindo o cansaço retornar com força total após a adrenalina cessar em seu organismo. Suspirara profundamente, apoiando a cabeça na parede atrás de si, ainda preocupado demais com o menininho, que a cada centímetro que as rodinhas do berço deslizavam pelo piso claro do hospital, ficava mais distante de sua vigilância. Fechando os olhos, repassara na mente os últimos minutos, que fluíram como se sua mente não tivesse tido tempo suficiente para assimilá-lo. E de fato não houvera; fora tudo tão rápido que parecera não ter sido real.
Como um ser humano tivera coragem de abandonar uma criança tão indefesa e frágil daquela maneira, ainda retendo na pele tão fina quanto papel de seda os resquícios dos fluidos que o mantiveram no ventre durante a gestação? Nem mesmo tiveram a decência de remover o cordão umbilical, banhá-lo ou vesti-lo com roupas quentes para que não adoecesse!... O simples pensamento fizera Chanyeol ranger os dentes e cerrar os punhos, tamanha a revolta que o dominava, enquanto os olhos ardiam sob as pálpebras cerradas. Fora um verdadeiro milagre que nada tivesse acontecido antes que ele passasse pelo beco. Havia cachorros perambulando naquela região, além de ratos enormes, principalmente em locais sujos como aquele em que fora abandonado... Sem falar nas pessoas mal intencionadas...
Abrindo os olhos e volvendo-os para o teto branco, o jovem refletira em como as coisas teriam sido diferentes caso ele não tivesse permanecido estudando parte dos conteúdos já ministrados em sala de aula como forma de acentuar sua preparação para os exames finais. Do contrário, ele não teria como salvá-lo... Isto é, tentar salvá-lo, já que sabia o quão vulneráveis são os recém-nascidos, e ciente também de que o mesmo ficara exposto ao frio por mais tempo do que seria concebível, tendo estado no início de um quadro de hipotermia.
As portas do elevador pelo qual Yixing havia desaparecido minutos atrás voltaram a se abrir, e ele olhara naquela direção, vendo o enfermeiro caminhar em sua direção calmamente, sentando-se ao seu lado e abaixando a máscara descartável que cobria metade de seu rosto para a altura do queixo.
– Como ele está? – indagara-lhe, fitando-o de volta e examinando com minúcia a expressão serena no rosto do mais velho.
– Fizemos todos os procedimentos necessários, mas teremos que aguardar para termos certeza – dissera-lhe de volta, suavemente. – Por enquanto o bebê ficará na UCI, em observação.
Chanyeol assentira com a cabeça, olhando para suas mãos, caídas sobre seu colo, o cenho franzido. Sentira Yixing acariciar seu ombro, como se o confortasse e isso o fizera encará-lo novamente, notando um pequeno sorriso encorajador se abrir em sua face.
– Não se preocupe, Chanyeol. Aquele garotão ficará bem. Preciso dizer que cuidaremos direitinho dele?
– Eu sei – murmurara fracamente. Então, suspirara antes de acrescentar: – Só não consigo evitar ficar preocupado. Ele parece tão frágil...
– E você está completamente correto, mas não esqueça que o socorreu de maneira apropriada, aquecendo-o o melhor que pôde enquanto o trazia para cá. E isso fará muita diferença no desfecho desta situação – continuara, dando algumas batidinhas no braço do rapaz. – Para o momento, você precisará ser paciente, está bem? Você fez o que pôde e nós também; agora é com o bebê.
Chanyeol assentira mais uma vez, sem nada dizer.
– E, a propósito, por que ainda está usando essas roupas? – Yixing perguntara-lhe, segundos depois, cruzando seus braços frente ao peito achatado. – Não vai me dizer que você estava na universidade até agora...
Olhando para seus tênis brancos, maculados pela sujeira do chão úmido pelo qual vagueara às pressas, os jeans e a camiseta branca – que também não estava impecável como outrora –, desviando o olhar de volta para o rosto inexpressivo do chinês.
Brevemente, explicara-lhe toda a história de como ficara até mais tarde estudando, finalizando o relato no ponto em que achara o bebê abandonado.
– Esse bebê teve muita sorte – Yixing comentara assim que o rapaz encerrara a narração dos fatos, esticando as pernas a sua frente, numa expressão pensativa. – Encontrar um acadêmico de medicina a esta hora, numa noite fria, sendo ele um dos alunos mais aplicados do curso, diga-se de passagem, que agiu rápido e o socorreu... Qual a probabilidade de algo assim acontecer?
Chanyeol nunca acreditara em probabilidades, mas pela primeira vez em sua vida ele esperava que elas tendessem a resultados positivos.
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Felizmente, suas pseudo-preces foram ouvidas – ele nunca fora uma pessoa religiosa, afinal – e o bebê se recuperara bem, apesar de dias depois apresentar sintomas de bronquilite² e ter de respirar com auxílio de aparelhos, além dos fios que foram fixados ao seu corpinho para monitorar-lhe os sinais vitais. Apesar disso, Chanyeol agradecera aos céus por não se tratar de uma enfermidade mais grave e preocupante, como onfalite – infecção da pele e tecidos moles do umbigo e regiões circundantes –, por exemplo, considerando-se a falta de higiene e as condições do local onde o pequeno fora encontrado por ele. Ademais, o fato de a criança estar internada no mesmo hospital onde ele estagiava facilitara-lhe o acesso a ela, e ele o visitara todos os dias, ainda que só pudesse vê-lo através da superfície transparente na qual ele sempre se apoiara.
A despeito dos fios e máquinas a rodear o pequeno berço, o jovem fixara sua atenção nos fios castanhos que escapavam pela pequena touca amarela que lhe cobria a cabeça, e nas mãozinhas e pesinhos que raramente se agitavam no ar. Entretanto, o que mais o encantava era a pele levemente dourada do bebê, apesar dos traços orientais. Era, de fato, uma pequena raridade em meio a tantas peles translúcidas e maquiadas para parecem ainda mais alvas do que o eram naturalmente. Um bebê ímpar. Uma vida que fora condenada, mas que resistira, e estava ali, diante de seus olhos fascinados, disposta a contrariar todas as expectativas.
– Gostaria de ajudar com o nenê? – Yixing lhe oferecera certa vez, quando o encontrara admirando-o através do vidro que tomava metade da parede que ligava o quarto ao corredor daquela ala.
– Eu posso?
– Claro! Eu tomei a liberdade de falar com o doutor Oh Sehun e ele não viu problemas. Será incluído no seu estágio e você poderia ficar mais próximo dele, se quiser – o enfermeiro sorrira, permitindo que suas covinhas nas bochechas dessem o ar das graças enquanto lhe lançava uma piscadela marota. – E eu sei que quer.
Chanyeol rira, envergonhado, mas feliz com o oferecimento.
– Obrigado – apertara o ombro do outro, num agradecimento quase emocionado.
– Não por isso – Yixing dera de ombros, voltando seus olhos para o bebê. – Seu orientador disse que você pode começar hoje mesmo, inclusive.
E assim o fizera. E, destaque-se, fora uma das experiências mais enternecedoras que já vivera. Nem ele seria capaz de colocar em palavras o que sentira ao poder cuidar daquele bebê que parecera reconhecer em seus toques suaves o carinho que emanava de seu coração. Numa visão extremamente romântica, o menininho aparentara reconhecê-lo. Mas se você perguntasse a Chanyeol qual fora a sua melhor lembrança sobre aquelas duas semanas que zelara pelo pequeno, sem dúvidas ele citaria a primeira vez em que o bebê abrira os olhos castanhos escuros, e o universitário se debruçara sobre o berço para ficar no seu campo de visão, fitando-o com um sorriso orgulhoso. Sabia que ele não poderia encará-lo, visto a tenra idade, porém, poderia jurar que seus olhares se encontraram por uma fração de segundo.
– Parece que alguém está apaixonado – a voz suave e masculina se fizera ouvir ao seu lado, de repente, mas Chanyeol não se sobressaltara, sorrindo-lhe de volta.
– Quantos dias mais ele terá que permanecer aqui?
– Creio que mais uns dois ou três. Nosso pequeno está evoluindo.
Corrigindo sua postura, olhara apreensivamente para o chinês.
– E então?
Yixing lhe devolvera o olhar, o sorriso diminuindo de forma considerável conforme entendia ao que o mais novo se referia.
– Bom, provavelmente o bebê será levado para algum abrigo enquanto os profissionais da assistência social providenciarão um local mais adequado. Ou, é claro, se algum casal quiser adotá-lo – fizera uma pausa, analisando a expressão soturna do outro homem. – Você sabe, Chanyeol... Ele não poderá ficar para sempre aqui.
– Eu sei, só... Não tinha pensado direito sobre isso – murmurara, coçando a própria nuca.
Seu olhar retornara para o pequeno a sua frente e isso o fizera morder o lábio, sentindo uma inquietação horrível começar a corroê-lo.
– Você, por acaso, está pensando em...
Chanyeol arregalara os olhos para o enfermeiro, compreendendo-o.
– Não! Como eu poderia? – dissera-lhe, deixando escapar uma risada nervosa. – Eu mal sei cuidar de mim mesmo.
– Como se isso fosse verdade... Você tem feito um ótimo trabalho e ele parece gostar de você, mas tem razão – Yixing suspirara. – Com a sua rotina e pouca idade, seria inviável... Sendo assim, precisamos notificar às autoridades e deixar nas mãos delas o destino do bebê. É só o que podemos fazer agora.
Novamente lá estavam elas, as probabilidades, desafiando-os.
Não. Ao contrário do que Yixing dissera, havia mais uma coisa que poderia ser feita. E conforme se propusera a pensar sobre o assunto, mais a idéia se moldara e solidificara em sua mente. Chanyeol só precisaria de alguns telefonemas, uma visita inesperada e altas doses de persistência e teimosia.
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Era um sábado de manhã e inicio de julho quando ele descera do táxi diante da casa de dois andares quase totalmente eclipsada pelo muro amplo que a circundava, trazendo consigo uma mala pequena – esta posicionada sobre o chão –, em um dos ombros uma bolsa infantil e nos braços um bebê. Sim, o mesmo bebê que ele encontrara quase um mês antes, e, sim, ele estava disposto a forçar seus pais a adotá-lo. Chanyeol era filho único e sempre desejara um irmãzinho para si. E tudo bem que ele já era um homem feito, praticamente, mas a idéia de deixar o pequeno aos cuidados de estranhos, abandonando-o a mercê da vontade de outras pessoas que talvez não o amassem tanto assim, era inconcebível.
Aquelas foram às férias mais conturbadas que ele já tivera. Os pais não esperavam sua chegada tão cedo e sem aviso prévio, muito menos com um recém-nascido à tira colo, e o universitário tivera que ouvir seus longos e intermináveis protestos para poder colocar tudo em pratos limpos, contando-lhes como aquele menininho chegara até sua vida.
– Você enlouqueceu! – sua mãe exclamara, meneando a cabeça. – Nós não podemos ficar com este bebê, Chanyeol! O que você pensou?
– Mãe, por favor, fale baixo! – insistira, ouvindo o bebê resmungar levemente – Vai assustá-lo.
Estavam na sala e ele se sentara no sofá, acomodando a criança no assento ao seu lado, usando os dedos para brincar com as mãos pequeninas.
– Isso está fora de cogitação – ela acrescentara, num tom mais ameno.
Chanyeol voltara os olhos para a mulher que o gerara vinte dois anos atrás:
– Mãezinha – iniciara, respirando profundamente antes de prosseguir, vendo-a revirar os olhos diante da expressão carinhosa cheia de intenções que acabara de sair de sua boca. – Nós não podemos deixá-lo ir parar em um orfanato ou algo parecido. Ele já sofreu tanto em tão pouco tempo de vida...
Ela suspirara.
– Chanyeol...
– Eu acredito que tudo nessa vida tem um propósito – ele prosseguira, firmemente –, independentemente de quem esteja por trás disso. Algo, ou alguém, quis que eu encontrasse esta criança naquela noite. Ele não teve o direito de escolher, ainda que não tenha pedido para nascer. Tinha que ser eu, mãe... Têm que ser nós.
– E quanto à faculdade? – agora fora o pai a se manifestar – Você precisa ser razoável, meu filho. Não podemos simplesmente pegar uma criança e chamá-la de nossa assim, sem mais nem menos.
– Mas, pai–
– Não podemos ficar com esse menino – o homem de meia idade falara com firmeza. – Isso é apenas um capricho seu que logo passará. Não concordamos com isso e você devolverá essa criança para o hospital para que-
– Eu já o registrei em meu nome.
O queixo de sua mãe poderia ter despencado ali mesmo, sobre o tapete vinho e felpudo que cobria o piso de mármore creme, se fossem outras as circunstâncias. Seu pai, por sua vez, sentira necessidade de sentar no outro sofá, ao lado da esposa, tamanho o choque o dominara ao tomar conhecimento do fato.
– Você o quê?!
– Eu sabia que vocês não concordariam com isso – Chanyeol explicara, evitando sorrir de satisfação por sua ousadia –, mas eu não conseguiria ficar sem fazer nada e ver Jongin ficar sujeito à vontade de outras pessoas que nem sequer o conhece, que não sabem de sua história, nem o amam como eu amo.
– Sinceramente... – Sung-Jin esfregara seu rosto com uma mão, tentando acalmar os ânimos alterados. – Esse garoto... Eu vou enlouquecer...
– Vamos todos nos acalmar – sua mãe pedira, afagando os ombros do marido com as mãos trêmulas, e por um momento o universitário se sentira mal por fazê-los passar por tudo aquilo. Só por um breve momento.
Sentindo o olhar do outro homem sobre si, ele erguera o olhar para encará-lo de volta após uma longa e tensa pausa no debate.
– Você sabe das consequências, não sabe?
– Sei e estou disposto a arcar com todas elas, eu prometo – Chanyeol fitava-o com firmeza. – Só não o abandone também como todos os outros fizeram.
Sabia que somente suas palavras não surtiriam efeito suficiente para demovê-lo da idéia, mas Chanyeol deixaria que seu pequeno achado fizesse sua parte no plano, ainda que o mesmo apenas respirasse e movesse seus membros pequeninos, balbuciando sons incompreensíveis. Ninguém resistia ao charme natural que o seu bebê exalava só por existir.
A discussão cessara naquele ponto e o jovem se limitara a passar grande parte do dia a sós com o bebê em seu antigo quarto, dando aos pais espaço para pensarem, conversarem e digerirem a avalanche que despejara sobre eles; sabia que aquilo era necessário. Todavia, Chanyeol estava disposto a ficar com a criança, de qualquer maneira. Tinha plena consciência que tê-la reconhecido como sua fora uma pequena loucura e os primeiros dias em que tivera que se habituar a cuidar de um recém-nascido provaram isso. Foram noites insones e dias cansativos, além de várias horas de pesquisa e telefonemas à Yixing, que o auxiliara nos cuidados ao bebê, juntamente com uma babá, que tomava conta da criança enquanto estava na universidade. Todavia, as olheiras profundas a envolver os olhos grandes, bem como a aprovação no final do semestre com médias excelentes e um Jongin sem uma assadura sequer eram provas de que havia sobrevivido muito bem, obrigado.
Naquele dia, ele deixara seu quarto apenas para almoçar a mesa com os pais – numa tarefa incomodamente silenciosa – e para preparar a mamadeira do pequeno. No fim da tarde, decidira banhá-lo, e como ali não havia uma banheira infantil, decidira banhar-se com ele aninhado em seus braços e peito para facilitar a tarefa, deixando que água sutilmente morna que caia do chuveiro os molhasse. Aquela não fora a primeira vez que o fizera. Chanyeol já estava habituado a cuidar daquele bebê, uma vez que contava pouco mais de uma semana que o tinha consigo.
Devidamente limpos, Chanyeol vestira-o com um macacão com temática de marinheiro, deixando a cabeçinha descoberta, onde os fios finos e abundantes foram penteados cuidadosamente por ele, vestindo-se com uma camiseta e bermuda para poderem descer; estava disposto a levá-lo para conhecer o jardim amplo da casa onde crescera. Os raios de sol feneciam pouco a pouco e o céu começava a oscilar do azul límpido para tons de púrpura conforme alcançava a linha do horizonte. A brisa era fresca e amenizava o calor que já dava sinais de despedida, visto a proximidade do outono. Passeara por entre os canteiros admirando as flores que persistiam nas plantas que a mãe cultivava, conversando com o pequeno em voz baixa, deixando que ele segurasse um de seus dedos entre as mãos diminutas.
A grama ainda prevalecia por todo o espaço e abafara os passos que se aproximaram deles calmamente. Só percebera que não estavam sozinhos quando o pai pigarreara. Virara-se no próprio eixo, ficando de frente para o recém-chegado, que os observara atentamente, com as mãos enfiadas nos bolsos da calça de linho.
– Por que "Jongin"?
Chanyeol sorrira, sendo pego de surpresa pela pergunta súbita.
– Significa "bondade, benevolência, humanidade" – dissera, ainda brincando com o serzinho em seus braços. – Achei apropriado.
– É bonito...
Sung-Jin permanecera o encarando ainda por alguns segundos antes de respirar fundo e dar alguns passos à frente, esticando os braços para que ele lhe entregasse a criança, o que Chanyeol fizera com gosto, observando os dois em crescente expectativa.
– Ele é bonito também – o pai comentara, afagando os fios que despontavam sobre a testa do bebê, que emitiu alguns balbucios, agitando as mãozinhas no ar até agarrar um dos dedos do homem que o segurava. – E forte também! – ele rira, divertido.
– Ele não teria sobrevivido se não fosse assim.
Ficaram vários minutos em silêncio, os olhares oscilando entre eles e o bebê até que um suspiro condescendente escapara dos lábios do mais velho. Os olhos escuros perscrutaram os seus, sondando.
– Você realmente ama esta criança?
Chanyeol sentira os olhos marejarem. Sabia que haviam vencido e o alívio quase o fizera estremecer violentamente de emoção. Sorrindo e deixando que a voz saísse embargada livremente, declarara:
– Com todo o ar que eu respiro, pai.
O mais velho assentira, pigarreando enquanto fitava o bebê com atenção.
– Você tem um irmão muito atrevido, Jongin – sussurrara para ele, lançando um olhar enviesado para seu primogênito, deixando bem claro que falava seriamente apesar do tom doce em sua voz. – E ele nem pense em fazer algo assim novamente porque eu não serei tão generoso.
Daquela vez Chanyeol não conseguira conter o riso que escancarara seus lábios, afagando um dos braços do pai enquanto depositara um beijo em sua bochecha.
:: 🌸 ::
Passara o restante de suas merecidas férias com sua família, que a partir dali contava com um novo e encantador integrante. Conforme esperara, Jongin conquistara o coração de seu pai desde aquela tarde – que apesar da postura séria e levemente indiferente, tinha um coração tão mole quanto o próprio Chanyeol. Quanto a sua mãe, esta lhe endereçara um entortar de lábios numa tentativa falha de disfarçar o sorriso em seu rosto com uma expressão severa assim que os três adentraram a cozinha, minutos depois da conversa breve. E naqueles dias a casa de dois andares parecera tão aconchegante e cheia de amor como jamais o fora outrora. Yong-Mi lhe ensinara alguns truques e cuidados para se ter com o bebê, intercalando cada experiência com comentários sobre a infância do próprio Chanyeol e suas preferências. E ele jamais vira a mãe tão contente e radiante, já que sabia de sua vontade de ter tido outras crianças além dele, não fosse à gravidez arriscada e as complicações que ceifara seu sonho de ter uma família maior.
Até o relacionamento dos pais parecera ter reacendido de alguma forma. Preocupavam-se com o bem-estar de Jongin, e tudo girava praticamente em torno deste, o que fazia Chanyeol rir consigo ao imaginar o quão paparicado e mimado o mais novo da família seria caso seus pais não amenizassem a atenção excessiva, tal constatação quase o fizera sentir uma pontinha de ciúmes ante os privilégios dados ao outro. Em verdade, a relação familiar como um todo havia se solidificado e isso o deixara satisfeito acima de qualquer emoção.
A despeito daquele intervalo até o próximo semestre atribulado, ele aproveitara para estudar algumas horas todos os dias, no intuito de manter o ritmo e agregar conhecimento, músicas clássicas instrumentais preenchendo seu quarto enquanto o fazia. Não que fosse de seu feitio ouvir aquele estilo musical, mas ele o ajudava a relaxar e absorver melhor os conteúdos complexos. Nestas vezes, Jongin estivera consigo, e os sons também pareceram agradá-lo, uma vez que o menino sempre se acalmara e até adormecera em seu carrinho recém-adquirido entre os acordes de pianos e violinos, e talvez aquela prática despretensiosa tenha sido a responsável pelos gostos artísticos futuros do jovem.
Quando aquele mês acabara e Chanyeol tivera que retornar à Seul, seu coração ficara pequenininho ao ter de se despedir da família e, principalmente, de seu Jongin, que crescia saudável e esperto, ainda que estivesse consciente sobre isso desde o início. Não fora fácil acompanhar o crescimento dele à distância, mas o universitário fizera "das tripas, coração" para não perder os principais momentos, passando as férias e datas comemorativas sempre ao lado deles. Seus pais lhe enviaram fotos e fizeram chamadas de vídeo para que pudesse vê-lo passar de um bebê para um menino encantador, e Chanyeol viajava para Incheon em alguns finais de semana. Fosse como fosse, infelizmente ele não pudera estar presente quando Jongin balbuciara suas primeiras palavras nem dera seus primeiros passos desajeitados, mas tivera o gosto de ouvi-lo chamá-lo de "Yeol" e tivera o coração partido cada vez que o vira chorar a plenos pulmões ao vê-lo ir embora.
Vendo-o rodopiar pelo palco, agora como um adulto, Chanyeol recordou a primeira apresentação escolar, quando ele contava apenas três anos. Fora uma dramatização com direito a crianças vestidas de animais, árvores e outros elementos da natureza. Desde aquele dia, ele sentira em Jongin sua inclinação para as artes cênicas. E não lhe surpreendera em nada quando ele demonstrara, aos cinco anos de idade, seu desejo de dançar balé. Seus pais resistiram um pouco, dado o conservadorismo e preconceito que abarcara aquele país desde sempre, no entanto acabaram por ceder graças às insistências do próprio Chanyeol e a maneira como o menino adorava assistir aos espetáculos de dança na televisão, os olhos escuros permanecendo vidrados à tela enquanto o corpinho tentava reproduzir os passos.
– Olha, Yeollie! – gritara-lhe certa vez, quando estavam só os dois na sala de casa, e Jongin se pusera a tentar imitar alguns movimentos de dança que vira certa vez.
– Uau! Quem é você e o que fizeram com meu pequeno?! – Chanyeol brincara, espalmando suas mãos aos lados do rosto.
O garoto correra em direção a ele, pulando em seu colo.
– Sou eu, Jongin, ué! Porque disse isso?
– Porque achei que fosse algum bailarino muito famoso desses que a gente vê na TV.
Jongin suspirara, tirando os cabelos que lhe grudavam na testa suada, encostando um dos lados do rosto no peito do irmão.
– Eu queria ser um bailarino famoso...
O tom desanimado não passara despercebido a ele.
– Ei – Chanyeol o fizera olhá-lo, erguendo-lhe o queixo para encará-lo. Sorrira maroto. – Você pode ser tudo o que quiser, Nini. Nunca esqueça isso.
Seus olhinhos cintilaram de esperança, observando as feições do mais velho com intensidade.
– Qualquer coisa mesmo?
Chanyeol assentira com a cabeça.
– Você vai me ajudar? Papai e mamãe não querem que eu faça balé.
– Daremos um jeito nisso, mas precisamos respeitar a opinião deles, está bem? – Jongin concordara com um gesto frenético de cabeça. Chanyeol rira, bagunçando-lhe os cabelos. – Isso ai! Teremos que ter o quê...?
– "Paciência, gafanhoto"! – o menor respondera-lhe, sorrindo.
Chanyeol convencera Sung-Ji e Young-Mi a acompanhá-los na primeira aula demonstrativa da academia de dança que havia no bairro, de forma descompromissada e como uma experiência, mas fora decisivo; se antes eles tiveram reservas quanto ao talento de seu filho, naquele dia lhes parecera insuportável privá-lo da atividade, vendo cada sorriso luminoso e a risada espalhafatosa que ecoava pelo estúdio durante aquela uma hora de prática, misturando-se aos risos das outras crianças da mesma idade. E o universitário tivera o privilégio de assistir à apresentação de estréia da turma de balé da qual seu irmão fizera parte e quase todas as outras que a sucederam – e cuja residência e plantões permitiram.
:: 🌸 ::
O espetáculo fora finalizado e a onda estrondosa de palmas e ovações que retumbara no interior do teatro trouxeram-no de volta ao presente. Sacudindo a cabeça, Chanyeol repetiu os gestos dos presentes, erguendo-se do assento. Lançando um olhar para o homem ao seu lado, notou-lhe o semblante umedecido pelas lágrimas que ainda rolavam por suas bochechas, e isso o motivou a passar um de seus braços sobre os ombros dele, afagando-lhe os braços. Trocaram apenas um olhar rápido e sorridente, mas o médico pôde ler nas íris escuras um agradecimento implícito.
Dali a pouco todos os artistas envolvidos no show apresentaram-se lado a lado, tomando todo o palco para os agradecimentos. O dono da companhia falara poucas palavras, cumprimentando a todos e retribuindo a atenção dada ao seu trabalho. E fora com surpresa que Chanyeol vira o homem de meia idade passar o microfone que utilizara para a figura morena e alta ao seu lado, que sorria levemente para todos. Após uma reverência e assim que a salva de palmas cessou, os olhos castanhos passearam pelas cadeiras até encontrá-los antes de começar a falar.
– Boa noite a todos! Eu me chamo Kai, sou coreano e é a primeira vez que me apresento no país onde nasci – sua voz grave ressoava por todos os cantos. – Estou muito feliz por estar aqui hoje, com minhas duas famílias ao meu lado. A companhia que eu escolhi para construir minha carreira – indicou para os colegas de trabalho, olhando-os rapidamente. – E a família que me acolheu como seu – seu sorriso cresceu quando ele fitou as cinco figuras alguns metros adiante e que esboçavam no rosto felicidade e orgulho através dos lábios esticados. – Appa, omma... Eu os amo muito! Obrigado por serem meus, por cuidarem de mim e me fazerem ser uma pessoa de bem.
Novas ovações se elevaram no ar antes que ele continuasse.
– E, por ser dia dos pais, eu não poderia deixar de parabenizar todos os pais presentes e ausentes, expressando também a minha gratidão e carinho por aquele que não me gerou, mas me deu uma chance de viver – Jongin agora encarava Chanyeol intensamente e ambos os olhares cintilavam de emoção. – Mais que um irmão mais velho, você é o meu salvador, meu primeiro lar. Obrigado, hyung. Eu te amo! Feliz dia dos pais para você também!
As lágrimas turvaram a visão de Chanyeol enquanto ele sorria-lhe de volta, ouvindo Jongin balbuciar mais algumas palavras, sendo aplaudido novamente, e ele acompanhou a platéia, secando as bochechas com os antebraços para poder enxergar melhor, encontrando com o sorriso divertido do moreno ainda a lhe encarar de cima do palco, como se estivesse divertido, muito embora ele tenha secado os cantos dos próprios olhos disfarçadamente logo em seguida.
Brevemente, os artistas se despediram, as cortinas se fecharam e os holofotes cessaram. Desocupando as cadeiras, a família Park seguiu em direção ao espaçoso saguão de entrada do teatro, onde aguardariam o moreno encontrá-los. E ele o fez, algum tempo depois, abrindo os braços para acolher a sobrinha, que correra em sua direção assim que o vislumbrara no espaço, girando-a no ar e causando-lhe uma risada de deleite. Aquilo fizera Chanyeol relembrar a primeira vez em que Jongin vira a sobrinha, ainda no hospital, segurando-a nos braços esguios cuidadosamente. Ele contava treze anos na época e se encantara pela menininha a sua frente, zelando por ela como se fosse um irmão mais velho nos anos que se seguiram.
Apesar de formalmente constar o nome de Chanyeol como seu tutor, Jongin – que adotara Kai como seu nome artístico – fora criado por seus pais – ou avós –, efetivamente, tornando-se pouco a pouco um homem de beleza singular e extremamente habilidoso, dotado de uma personalidade carismática e afável. A conexão que se instalara entre eles desde que seus caminhos se cruzaram, naquele beco frio, fora fortalecido ao longo dos vinte três anos que Jongin contava de existência, pois não se tratava de um vinculo físico, como um cordão umbilical que não fora capaz de uni-lo à mulher que o gerara; os fios que os ligavam provinham do coração, do afeto mútuo que nutriam.
Sorrindo de volta para a menina, Jongin colocara Hae-Won no chão e Chanyeol se limitava a observar a interação entre seus dois "filhos" quietamente, vendo os se aproximarem do pequeno grupo de mãos dadas.
Quando Jongin abraçou cada um deles, trocando algumas palavras nesse meio tempo, Chanyeol ouviu vagamente os elogios que foram balbuciados para ele, que sorria com simplicidade e com leves pinceladas de timidez, agradecendo pelos gracejos que lhe foram ofertados, recebendo beijos da mãe e do pai em seu rosto bonito. Então os olhos amendoados – ainda menores devido ao sorriso – encontraram os seus, caminhando em sua direção e envolvendo-o em um abraço caloroso.
– Você foi incrível – sussurrara ao seu ouvido, dando-lhe tapinhas nas costas e depois nas bochechas magras assim que ele se afastou um pouco. – Estou muito orgulhoso!
– Claro que está – Jongin revirou os olhos, brincando. Ficou sério de súbito, voltando a abraçá-lo apertado. – Senti sua falta, hyung. Muita mesmo!
– Eu também, meu menino – Chanyeol afagou seus cabelos. – Eu também – afastando-o um pouco para encará-lo, acrescentou: - Mas valeu a pena, não?
– Sim! Conheci muito lugares. Foi maravilhoso!
Lançando um olhar para a esposa de seu irmão, seus olhos se arregalaram levemente, apesar de já ter conhecimento de que ganharia um novo sobrinho/irmão.
– Eu posso? – indagara à Soon Bok, indicando para o seu abdômen projetado sob as vestes que ela usava.
Ela sorrira lindamente para ele.
– Claro que sim! – respondera, posicionando as mãos abaixo do ventre, de forma que a barriga ficasse mais evidente.
Jongin se ajoelhou, aproximando suas mãos lentamente até tocar o tecido leve, sentindo o calor proveniente daquela região contra sua palma, aproximando um dos ouvidos. Ao sentir uma leve batida, recuara, com a boca entreaberta de surpresa.
– Aigo! Ele chutou!
Todos riram.
– Acho que é a maneira dele de te dar boas-vindas – Chanyeo comentara.
– Já escolheram o nome?
– Sim.
– Qual?
– Kyungsoo – Hae-Won dissera, apoiando-se ao lado do tio, que a envolveu pela cintura com um braço, ainda abaixado.
– Eu gostei – Jongin comentou, voltando a tocar a barriga da mulher a sua frente.
– Gostaríamos que você fosse o padrinho – disse Soon Bok – e não aceitamos não como resposta!
Ele piscara algumas vezes, resfolegando uma risada de surpresa.
– Eu adoraria! – falou, emocionado – Obrigado.
Então voltando a aproximar o rosto do ventre que ainda acolhia aquele pequeno ser, Jongin sussurrara:
– Mal posso esperar para conhecê-lo, Kyungsoo. Continue crescendo saudável para que possamos brincar um bocado aqui fora, está bem?
Erguendo os olhos rapidamente para todos ao seu redor, demorando-se, por fim, em Chanyeol, que encarava a cena de braços cruzados e com um meio sorriso, acrescentara:
– E se quer saber, você terá a melhor família do mundo. Acredite, eu sei.
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essa história é muito especial pra mim e apesar de não ser uma das mais "famosinhas" dentre as minhas obras, ela é uma das que mais me tocou o coração. espero ter conseguido transmitir o que significa amar alguém no sentido mais puro do termo e como família nem sempre são as pessoas que têm o mesmo vínculo sanguíneo que o nosso. obrigada a todos os pais, em especial ao meu - que não está mais entre nós - e a todos aqueles que escolhem ser um lar para alguém. vocês fazem deste mundo um lugar melhor, acreditem ♥️
cheeeeeiro!
Gracias por leer!
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