V
Vitor Veiga


Um terremoto atinge uma pequena aldeia, restando apenas seis sobreviventes. Amor, Felicidade, Medo, Ódio, Prazer e Tristeza precisam sair debaixo dos escombros e lutar para se esconder e proteger do ser mais poderoso que se pode ver: a Morte.


Cuento No para niños menores de 13.
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Num Piscar De Olhos

1: Tristeza

Tudo estava escuro. Todas as casas de nossa aldeia haviam ido ao chão. Nenhum de nós seis tinha esperanças de que alguém mais tivesse sobrevivido a tamanho desastre. Nossa aldeia não vivia bons tempos, é verdade, mas sairíamos dessa. Sempre saíamos. Porém, desta vez, até a mãe natureza atuava contra nossa capacidade de sobreviver a situações ruins.

O vento soprava forte e a tempestade não parava. E se acha que este era o motivo de estarmos presos naqueles escombros, saiba que não era. Nos olhávamos com seriedade. Não sabíamos se tivemos sorte por sobreviver a um terremoto de tamanha magnitude, ou se tivemos azar de nossa casa não desmoronar completamente e nos deixar presos em condições desumanas.

Como disse, éramos seis. O primeiro e mais jovem de nós, era um rapaz alto, bonito, porém muito bruto e esquentado. Não se podia dizer ou criticar nada que dissesse respeito à sua pessoa ou à sua amada. Seu nome, era Ódio. A segunda mais nova, era uma linda moça de meia idade. Porém toda essa beleza se resumia á estética. Assim como seu amado, Ódio, cujo amor era recíproco, era grossa e não se preocupava se suas palavras e atos poderiam machucar alguém. Todos a achavam linda e majestosa. Porém, podia acabar com a mente de qualquer pessoa se esta não tomasse cuidado. Seu nome era Amor. O terceiro, era um homem branco quase albino, grande e forte, porém tímido, calado. Muito cauteloso, não fazia nada sem antes considerar tudo, ou quase tudo, o que podia dar errado. Seu nome era Medo. O quarto, era um homem de aproximadamente cinquenta anos. Era muito magro e baixo, conseguia entrar onde quisesse e onde quisessem que ele entrasse. Era irreverente, descontraído e brincalhão, um dos mais adorados pelo grupo. Porém, era extremamente imaturo, e via a vida apenas como um jeito de se divertir. Seu nome era Prazer. A quinta já era quase uma senhora. Com aproximadamente sessenta anos de vida, quando jovem costumava ser a mais bonita da aldeia, porém com a idade chegando se deixou ser tomada pelas rugas. Irmã mais velha do Medo, era sempre positiva e otimista, tentando contagiar todos o seu bom humor. Seu nome era Felicidade. Deve estar pensando: E você, quem é? Bom, uns dizem que sou pessimista, e sempre contagio os outros com pensamentos negativos. Mas tudo o que faço é ver a vida e a realidade como elas realmente são, sem fantasias ou sonhos hipócritas. Apesar de ser a mais velha do grupo, sou a mais forte e a mais presente na vida de todos. O meu nome é Tristeza.

Estávamos cada vez mais famintos. Nossa sede era maior à cada instante. Há dois dias não comíamos nem bebíamos nada. E todos nós tínhamos em mente que não havia como escapar daquela situação. Era apenas uma questão de tempo até recebermos a visita daquela que já havia levado todos os outros daquela aldeia. Porém, todos nós passávamos longe de sermos burros. Devia ter previsto o plano dos outros cinco. Porém, foi uma enorme surpresa e decepção quando aconteceu.

Ouvimos um barulho de algo grande tirando os escombros que tapavam a saída por cima. De repente, a casa havia sido tomada pela luz solar. Seria esta a nossa salvação? Pelo contrário. Um ser gigante, frio, escuro e encapuzado apareceu. Era a Morte, que vinha a levar o resto que faltava de nossa aldeia. Me agarrou primeiro, por ser a mais velha. Estava prestes a dar um fim à minha história, porém voltou atrás quando percebeu o que acabara de acontecer. Os outros cinco correram pelo buraco que a Morte abriu. Fui a única que não consegui correr. Me deixaram de isca, pois sabiam que era a mais velha, e fugiram enquanto a Morte acertava seus assuntos comigo.

- Seus amigos a abandonaram para salvar suas vidas. – Me disse o ser encapuzado, com um tom e surpresa na voz. – Não há desonra maior.

Eu apenas olhava para sua cabeça, tentando enxergar seu rosto, mas era impossível.

- Pessoas como seus amigos não merecem estar vivos, não importa a idade em que estejam. Merecem ser levados antes que você. Vou atrás deles, mas um dia, a sua hora irá chegar. – Me disse, enquanto me colocava no chão.

- Não! – Gritei. – Me leve com a senhora. Estou morrendo de sede, não tenho nada para beber. Não há motivos para me manter viva. Por favor dona Morte. – Imporei.

A Morte olhou nos meus olhos e fez algum tipo de magia. Por um segundo via uma fumaça preta saindo dos meus olhos.

- Quando estiver em grande sofrimento, água sairá de seus olhos. Isso a manterá viva até que eu volte para busca-la. – Disse a Morte, enquanto virava as costas e sumia de minha vista.

- Espere!


2: Medo


Todos nos sentíamos culpados pelo que fizemos com Tristeza. Porém, era necessário. Fugimos o mais rápido que pudemos para uma caverna, a aproximadamente dois quilômetros de nossa vila, ou o que restou dela. Matamos uma ovelha que pastava perto da região e fizemos uma fogueira. Tentávamos nos nutrir, para se esconder pelo maior tempo possível da Morte.

A tensão de toda aquela situação já estava refletindo na maneira em que nós cinco convivíamos um com o outro. Em uma discussão forte e barulhenta com a Felicidade, o Prazer resolveu seguir sua jornada sozinho. Apesar de suas personalidades serem bem parecidas, não viam o mundo da mesma forma. Um se achava mais importante que o outro, e era apenas uma questão de tempo para que esta briga ocorresse.

Estávamos em silêncio na caverna. Não estávamos totalmente cheios, mas a fome desesperadora que sentíamos a um dia atrás havia ido embora. Achávamos que estávamos livres, que a Morte não iria nos achar tão cedo. Porém, ela não era o único perigo naquela região. Um bando de assaltantes, que pareciam estar em condições miseráveis como estávamos algumas horas atrás nos achou. Estavam armados com facas de pedra, feitas à mão. Queriam nossa comida e nossas roupas.

Todos tentamos correr. Amor e Ódio foram para um lado e eu e minha irmã para o outro. A idade de minha irmã nos atrasou e fez com que conseguissem nos alcançar. Apareceram na nossa frente e nos encurralaram. Não sei o que deu em mim. Simplesmente congelei quando ameaçaram nos esfaquear. E foi o que fizeram. Então, o ser encapuzado que tanto temíamos surgiu. Fiquei parado à sua frente apenas olhando. Felicidade, porém, parecia tranquila. A Morte então nos disse:

- Não há desonra maior que abandonar alguém que não o abandonaria. – Eu e felicidade nos olhamos. Sabíamos que estava falando de tristeza. – Para pagar eternamente pelo que fizeram, estarão amaldiçoados por todas as suas futuras encarnações. Você, meu rapaz, terá o corpo inteiro tremendo todas as vezes que se sentir ameaçado. – Apenas escutava a Morte, seu esboçar reação nenhuma. Iria apenas piorar tudo.

- Porque simplesmente não nos leva? – Perguntou Felicidade, antes da Morte cair na risada.

- Você acha que ser levada é um castigo? Todos são levados um dia. Castigo é algo que lhe faz sofrer, lhe faz pagar. Você, irá mostrar seus dentes podres e suas bochechas se encherão de rugas toda vez que se sentir bem com alguma situação. – Felicidade não possuía os dentes bonitos, como os de Amor. Eram grandes e amarelos, mas não por sua culpa. Não era possível ter total higiene na vila pobre em que vivíamos.

Então, a Morte nos pegou, um em cada mão e nos disse:

- Sua hora chegou.

Ainda estava paralisado, tremendo. Olhei para o lado e vi Felicidade, com as rugas de suas bochechas extremamente visíveis, pois seu rosto estava contraído. Seus dentes amarelos a mostra e um olhar que claramente me dizia algo. Não entendi no primeiro momento, mas não demorou muito. Estava bem com a situação em que estava sendo levada pela morte, ou seja, ao lado de seu irmão. E em um piscar de olhos, não estávamos mais no mundo. E assim, a Morte levou os dois primeiros sobreviventes.


3: Prazer


Não conseguia acreditar em tamanha arrogância. Não é possível que ela realmente se ache mais importante para o grupo que eu. Mas tudo bem, não discuti. Apenas fui embora, para que se dê conta do quão importante sou. Saí andando por uma estrada de terra dentro de uma floresta. Foi quando vi a mulher do corpo mais lindo deste mundo.

Me apresentei. Estávamos indo na mesma direção, então fomos juntos, conversando. Me contou sobre onde vivia. Uma pequena cabana feita de madeira, que por sorte havia resistido ao terremoto. Demorou mais uma hora para chegarmos. Assim que chegamos à frente da cabana, me convidou para entrar. Foi o que eu fiz. Conversamos por um tempo, e quando me dei conta, estava em uma cama feita de palha, com seu corpo nu sobre o meu. Senti algo que nunca havia sentido na vida. Era a sensação mais gostosa e satisfatória que já havia passado pelo meu cérebro.

No dia seguinte, acordei na mesma cama de palha, com seu corpo, ainda nu, abraçado ao meu. Tentei levantar sem acordá-la, mas não consegui. Ela acordou, me deu um beijo na bochecha, levantou e se vestiu. Foi até uma pequena mesa feita de madeira de pinheiro e pegou um pote redondo, com uma espécie de pó dentro. Pegou um pouco em seu dedo e inalou aquele pó. Fiquei olhando sem entender, e perguntei:

- O que é isso?

- E eu sei? Uma amiga uma vez me deu um pouco. Me senti melhor do que nunca quando cheirei pela primeira vez. Toma, experimente um pouco.

Seduzido pelo convite, é claro que experimentei. Afinal que mal poderia fazer? Provei e adorei. Havia sentido novamente aquela sensação tão boa que senti na noite anterior. Comecei a passar mais tempo com a moça. E todos os dias cheirava um pouco daquele pó. Com o tempo, fui usando mais e mais. Não conseguia simplesmente não usar. E nem queria parar. Aquela coisa me fazia sentir tão bem... Até que ficou fora de controle. A jovem moça tentou me avisar para ir mais devagar, mas me deixei levar por uma sensação traiçoeira. Fui consumindo mais do que aguentava, até que um dia, comecei a passar a mal, repentinamente. Caí no chão. Por mais que estivesse surpreso, sabia qual era a causa do ataque. Felicidade estava certa. Uma boa sensação nem sempre é bom para a sua vida. Ia levantar e ir à caverna, me desculpar. Porém, a Morte me achou antes . Deu risada do meu estado e me pegou na mão. Não tinha forças para reagir ou correr. Logo percebeu o mesmo que eu havia percebido e que estava indo me desculpar com Felicidade. Então lançou sua maldição:

- Você nunca encontrará Felicidade. Ficará longe dela eternamente e terá que viver com a culpa.

Não respondi. Apenas aceitei, e em um piscar de olhos, não estava mais neste mundo. E a Morte, então, levava mais um sobrevivente.


4: Amor


Corremos como nunca havíamos corrido antes. Ódio e eu, de mãos dadas, pelo meio da floresta, não conseguíamos ver nada. As altas e densas árvores tapavam toda a nossa visão do que estava ao nosso redor. Não sabíamos se conseguimos despistar os assaltantes ou o que havia acontecido com Medo e Felicidade.

Andamos por aproximadamente uma hora, até que chegamos em uma espécie de riacho no meio da floresta. Bebemos a água sem mesmo saber se era limpa ou não. Descansamos por uns dez minutos e seguimos viagem. Era a primeira vez que estávamos a sós. Não sabia o que dizer. Estávamos os dois calados, tomando coragem para dizer algo. Honestamente, eu não sabia o que sentia por ele, mas sabia que era algo forte. Algo que me fizesse pensar como se Ódio fosse a única coisa que importasse para mim em todo o mundo.

Estávamos famintos depois de toda a correria, mas perdemos o alimento que havíamos conseguido no caminho. Todos os animais que podíamos matar para comer eram mais ágeis que nós. Atravessamos a floresta e chegamos a uma espécie de campo aberto, com algumas vacas soltas. Ódio pegou uma pedaço da casca de uma árvore, que estava meio curvado e usou como prato, ao ordenhar uma das vacas. Me deu o prato de leite e disse:

- Beba.

- Não, beba você. – Retruquei.

- Não estou pedindo, Amor. Beba logo, antes que a Morte nos ache. – Foi naquele momento que percebi que o tal sentimento forte que sentia era recíproco.

Peguei a casca e dei um gole. Deixei todo o resto para que ele bebesse. Estava visivelmente faminto, prestes a desmaiar. Decidimos então, ficar por ali. Conseguimos fazer um cercado para que as vacas não fugissem. Construímos uma cabana com a madeira da selva, com telhado feito de folhas. Ódio fez uma faca com suas próprias mãos, usando algumas pedras da região para nos proteger dos assaltantes ou de qualquer um que nos oferece algum risco A vida estava tão boa que começávamos a pensar que o terremoto tinha sido bom para nós dois. E lá ficamos por anos. Envelhecemos, e quando atingimos a terceira idade, Ódio adoeceu, e a Morte não perdeu tempo ao vir busca-lo. Eu o escondi. Contra a sua vontade, é verdade, mas tinha que fazer isso. E não pensei duas vezes ao fazer o que fiz quando a Morte arrancou nosso telhado de folhas. Fingi que a doente era eu. Para a minha surpresa, a Morte acreditou no que dizia. Me pegou em sua mão e eu estava indo de boa vontade. E o tal sentimento forte me consumia inteiramente naquele momento. Estava confirmando a minha desconfiança que faria qualquer coisa por Ódio.

Porém, o mesmo sentimento fez com que Ódio conseguisse se levantar e impedir a Morte de me levar. Pegou o facão feito de pedra e apontou para a enorme criatura. A Morte deu risada novamente.

- Vocês não cansam de tentar me enganar, não é? – Reclamou enquanto pegava Ódio em sua outra mão. E, como já desconfiava, lançou um castigo em mim. – Você, moça, se preocupa mesmo com os outros não é mesmo? Pois então irá destruir os sentimentos de qualquer um que se aproxime de você. E você, meu senhor...

- Me largue! – Exigiu Ódio.

- Você, meu senhor, não há castigo melhor que vê-la morrer por você. – Disse a Morte, enquanto transformava Amor em apenas um pouco de fumaça preta. E em um piscar de olhos, não estava mais lá.

- Não! – Ódio sentia algo que nunca havia sentido. Era uma espécie de fúria dentro do corpo, que desejasse tudo de mal á Morte, que faria tudo para acabar com ela. Toda a sua racionalidade havia sumido.

- Muito bem, chegou a sua vez, caro homem. – Disse o ser frio e encapuzado, e em um piscar de olhos, estava de mãos vazias novamente. E assim, a Morte levava mais dois sobreviventes.


5: Tristeza


Para mim a vida não fazia mais sentido. Todos que conhecia morreram ou me largaram para morrer. Estava sozinha. Por mais que o sofrimento da sede tivesse ido embora com a dádiva da Morte, sentia um sofrimento que supera qualquer outro: a solidão.

Vagava sozinha pelas estradas. Água não parava de sair de meus olhos. E assim fiquei por anos. Não é possível que a Morte ainda não havia levado os outros cinco. Algumas pessoas tentavam se aproximar de mim e me ajudar, me oferecer um lugar para morar, me alimentar. Porém eu apenas ignorava qualquer um que tentasse chegar perto. Não via a hora de minha velha amiga encapuzada me visitar novamente.

Fui aguentando toda essa dor, até que, aos meus oitenta e sete anos não suportei mais. Passava ao lado de um penhasco, quando decidi que estava cansada de esperar pela Morte. Eu mesma precisava chamá-la. Parei diante da enorme queda, juntei os pés e pulei. Não senti a dor do impacto. Então abri os olhos e lá estava ela, enorme, fria e encapuzada, me segurando em sua mão esquerda.

- Por que demorou tanto? – Perguntei.

- Eu que lhe pergunto. Por que demorou tanto? – Respondeu.

Olhei para ela com satisfação. Entendi o que a Morte queria dizer. Ela então não perdeu tempo e me levou. Fui de boa vontade. Apenas fechei o olhos. E em um piscar de olhos, meu desejo se tornou realidade. Em um piscar de olhos, todo o meu sofrimento desapareceu.

25 de Septiembre de 2019 a las 00:21 0 Reporte Insertar Seguir historia
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Fin

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