Sinto o cheiro doce de podridão
O quarto todo fede a rancor
A culpa não habita minha consciência
O corpo sem vida do homem ainda tem cor
O vermelho que se espalha
Lembra meus cortes com navalha
Despejo o vinho na taça para abrandar a dor.
Continuo olhando fixamente o corpo seminu
De repente um suspiro estala
Assusto-me com a situação desagradável
Meu marido ainda entre vida e morte intercala
Então aos poucos vejo sua alma o abandonar
Viro outro gole, minha mente a vagar
A morte rente ao berço o embala.
Sempre imaginei como seria a morte
Mas agora que a vejo nada sinto
Aproximo-me do defunto com aparência deplorável
A adaga brilhante e vermelha no meio do recinto
Decisões, poucas escolhas próximas
Minha essência propõe ideias eróticas
Realmente aprecio vinho tinto.
Seus olhos estão entreabertos
Seu rosto exprime a mais terrível agonia
Mal penso em sua amante Tyelive
Que veio para assassinar minha monotonia
Salpicando de ácido minha lucidez
Estuprando meu âmago com fluidez
Apresentou-me ao inferno com cortesia.
Se minha mãe me visse nesse instante
Teria a certeza de seus pressentimentos
Quando criança ela dizia me ver sozinha
Conversando entretida no quarto de mantimentos
Ao meu lado uma figura transcendental
Que questionava sua saúde mental
Padres e bispos banharam-me com benzimentos.
Talvez tivesse funcionado pela fé
Ou apenas ocultou meu desejo insano
Que despertou pelo complexo sentimento do amor
Causado pelo combatente franciscano
Responsável junto com a amante de meu marido
Pela atrocidade imperdoável que tinha cometido
Meu corpo está banhado pelo pecado mundano.
O franciscano que havia se hospedado em minha casa
Poucas palavras trocou em minha sala
Tinha sido ferido em combate injusto
E meu marido como falso puritano o ajudara
As conversas eram mera poesia
Mas seu olhar convidava-me ao erro com maestria
Sucumbi ao desejo que me tomara
Em noite e meia, desperta por um sonho
Lembrei-me do sensual convite calado
E amargurada por um casamento enfadonho
Lancei-me nos braços do pecado
Experimentando pela primeira vez cada sensação
Conhecendo brevemente a palavra emoção
Nada arrependo-me de ter experimentado.
Mas a culpa foi minha companheira mais íntima
Olhava meu marido e sentia o nojo de minha fraqueza
Não conseguia ao menos olhar em seus olhos
Tentava inutilmente agradá-lo com delicadeza
Mas o infeliz deferia-me palavras amargas
Que fixaram raiz e deixaram marcas
Sua maneira comum de me tratar era a aspereza.
Vendo agora seu cadáver fétido
Sinto a pequena ponta da vingança
A adaga que usei para matá-lo
Era do franciscano que amei em minha temperança
Tomei o último gole de vinho da taça
O ar de vitória estampado em minha face
Tudo causado pela falta de confiança.
Pensar na ideia descontente
De não ser a amada de meu companheiro
Pois a admiração foi roubada por uma libertina
Que lhe garantiu o destino derradeiro
Assinando sua própria sentença
Sem nem se preocupar coma desavença
Perfurando como um espinho verdadeiro.
Lendo despreocupado em tarde floral
O traidor fumando charuto despreocupado
Fui ao encontro de uma prima enferma
Deixando meu marido desacompanhado
Saí depositando-lhe um breve beijo no rosto
Talvez percebendo a traição pelo gosto
Meu íntimo acusava o enganador batendo descompassadamente
Passadas poucas horas dispersas
Marcando retorno imediatamente
Irrompo à porta de meu quarto
E desgraçada imagem não desocupa minha mente
A amante nua em cima de meu marido sorrindo
Pela primeira vez dei vazão ao meu instinto
Cravei-lhe a adaga no peito instantaneamente
O homem desesperado pela imobilizante dor
Encarou meus olhos friamente
Vi sua expressão de reconhecimento
Ainda proferiu poucas palavras vorazmente:
"Prostituta infeliz dos infernos,
Fugaz ninfa dos invernos,
Atormentarei tua alma eternamente".
Assim que seus pulmões pararam
Retomei o introspecto da razão
Virei-me para a amante em transe
E persegui-a sem espaço para reação
Canalizei toda minha força contida
E cortei-lhe a garganta, deixando-a gravemente ferida
Oh que sentimento cortante ao coração.
A esvoaçante camélia
Com seus belos cachos ruivos e arrogantes
Gritou qual um anjo fatalmente atingido
Um desequilíbrio em questão de instantes
Ela atravessou a janela entreaberta
E mergulhou no ar cortante da morte certa
A essa altura suas almas estão distantes.
O sangue oxigenado que banha minha roupa
Mancha minha essência profundamente
Os corpos são a prova sublime
Do crime que ficará marcado na história eterna
E o comprometimento de minha felicidade
Foi ocasionado pela promiscuidade
E pelo franciscano que sempre habitará minha mente.
Gracias por leer!
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