Entende-se que se conheceram num recreio qualquer numa escola de ensino fundamental de um bairro qualquer da capital. Eles próprios eram crianças como quaisquer outras, entrando e saindo por aquele portão pesado e preto. O ano era 2000, novinho em folha, movimentado e repleto de mudanças.
Ela era novata na escola e passou por uma dezena de perrengues até encontrar algumas amiguinhas para brincar. Comprava cachorros-quentes ou trazia bolachas recheadas de chocolate para comer. Gostava de Português, História, Geografia e Inglês e tinha uma inabilidade declarada para o atletismo. Feliz dela que nunca pensou em ser ginasta ou jogadora de vôlei, almejava apenas ter média suficiente para passar de ano.
Já havia passado e muito aquela fase de segregação entre meninos e meninas e as paixonites despontavam às pencas. Ela achava aquilo uma tolice, chorar por causa de garotos não fazia o menor sentido, eles nem mereciam. Triste mesmo era se sair mal nas provas da Professora Sandra, de matemática, pegar recuperação ou ficar com dor de barriga. Rígida, disciplinada, aquela professora era uma guerreira de guarda-pó, com os seus cabelos curtos num tom de avelã e olhos grandes, observadores, maternais. Muitos não valorizavam seus ensinamentos, não atinavam que a sabedoria fornecida por ela não se limitava às equações. Suas broncas visavam mostrar o potencial escondido de cada um.
Ela tinha muitos amiguinhos com quem trocava ideias e dava risadas. Ficavam de mal, depois a zanga passava. Coisa de criança.
Entre seus amiguinhos, ele.
Alexandre.
Amigos por essa maneira se associarem, sem firulas por demasia. Compartilhando bolachas recheadas e pensamentos sobre os professores, descobriram o nome um do outro. Ela estava no sexto ano, ele no quinto. Por coincidência, ambos tinham onze anos e passavam pelas transformações silenciosas tecidas a cada amanhecer.
Mariana ainda usava suas longas marias-chiquinhas e brincava de boneca, sem vergonha alguma namorava as caixas coloridas nas prateleiras do mercado, se lambuzava com o molho do cachorro-quente e apostava corridas com as meninas nos recreios, enchendo os bolsos da calça do uniforme com balas recheadas. Muitos a chamavam de “infantil” pelo fato de ela não se diminuir para caber nas expectativas de companhias frívolas.
Ele era gorduchinho e tinha uma risada fina, estava sempre de bem com a vida, não levava agravo de nada, pelo menos não a priori e sua simpatia era dom inegável porque além de tudo dispunha de uma coragem sobremaneira para se aproximar das garotas. Bem, como todo garoto que se preze nessa idade, invitou um amigo para ter a resposta sem rodeios.
― O Alexandre me pediu pra te perguntar se você quer ficar com ele... ― fez o amigo, ansioso pela resposta.
― FICAR?
― Você quer ficar com ele?
Ficar era o mesmo que namorar?
Ficar era... beijar? Beijar de verdade?
Tipo... beijar que nem nas novelas?
― O que é que eu digo pra ele? ― Indagou o amigo, o cupido incumbido de dizer sim ou não.
― Eu vou pensar...
― Pensar?
― Tá... Eu fico com ele!
Ele, insatisfeito, veio ter a confirmação pessoalmente:
― Você quer mesmo ficar comigo?
― Eu vou ficar com você... mas só quando eu fizer 12 anos.
― Você vai fazer 12 anos amanhã... ― refletiu ele, na cancha, onde eles se encontravam. E tinha razão. O aniversário dela seria no dia seguinte. ― Você vai fazer 12 anos do mesmo jeito, qual é a diferença?
― Eu só vou ficar com você quando tiver 12 anos.
12 anos parecia uma idade razoável para ponderar aquela proposta. 11 anos, muito nova, pelas suas contas.
Para ela fazia, ainda que a simbologia não possuísse nenhum enigma digno de discorrer nesses reles e esquecidos parágrafos. Selada estava à promessa e ele, interessado, assentiu em concordância.
No dia do aniversário dela, sexta-feira, nenhum sinal dela no colégio. Estava prometida de levar ovadas.
Gracias por leer!