Complicado e perfeitinho, Doyoung apareceu.
E era tudo o que Jaehyun queria.
Não era astrônomo, mas acabou tornando-se um pseudo-entendedor de astros celestes ao conhecê-lo, brilhante e volátil como uma estrela cadente, iluminando o crepúsculo que até então era o seu coração. Para entendê-lo, era preciso mapear até as suas partículas que, juntas, pareciam torná-lo maior que o sol, ainda que Jaehyun o comparasse com mais frequência à lua.
Conheceu-o em sua fase crescente, quando ele ficava tímido e falava baixo consigo, tão doce quanto uma bala, tão suave quanto o toque de uma pena. Naquela época, Jaehyun ainda acreditava que Doyoung era o garoto de ouro, protegido dos pais e bonzinho demais para o seu padrão. Não que passasse horas no tumblr falando sobre como gostava de garotos maus, nada disso. Apenas não conseguia se ver próximo do ex-presidente do clube de astronomia na época da escola que tinha uma séria obsessão por linhas retas e objetos agrupados por cores.
Porém, conforme a sombra que o encobria se dissipava e sua fase cheia ficava mais e mais próxima, Jaehyun aos poucos começava a ver quem realmente era Kim Doyoung. Conheceram-se melhor durante saídas com amigos em comum entre, goles de cerveja e partidas de sinuca, onde a conversa de elevador saía e os assuntos pessoais entravam. E quando deu-se conta, Jaehyun não conseguia mais tirar os olhos de Doyoung em todo o seu esplendor, com todos os holofotes voltados para si, era profissional na arte de pentelhar e aziar, um verdadeiro campeão do mundo.
E de seu coração também.
Diferente da lua, Doyoung não tinha um ciclo. Uma hora estava na fase crescente ou minguante, e na outra já se soltava assim que a lua brilhava em seu céu.
A inconstância de Doyoung lhe colocava em situações repletas de antíteses, como a que se encontrava naquela noite, a qual acordou seminu em sua cama com ele lhe batendo com um travesseiro, ainda que até poucos momentos atrás, ele estava lhe beijando e fazendo juras de amor que até poderiam soar piegas, mas como saíram da boca de Doyoung, foi como ouvir um elogio em um dia ruim.
— Ei, ei, ei, eu já ‘tô acordado, você já pode tentar parar de me causar uma contusão. — falou, tentando segurar os braços de seu namorado, que por fim jogou o travesseiro em seu colo — Mas o que deu em você?
— O que deu em mim? Jaehyun, os seus pais acabaram de chegar em casa! Sai já dessa cama e vai vestir alguma coisa decente antes que eles subam até aqui.
Jaehyun conteve um sorriso; Kim Doyoung era realmente uma gracinha. Ele conseguia lhe encantar quando estava com o corpo colado ao seu pedindo por mais, mas também arrancava os seus melhores sorrisos quando ficava estressadinho por detalhes como aquele. Ficava ainda mais fofo quando inflava as bochechas e tornava-se a humanização exata de um coelhinho, o que alimentava ainda mais a tese de Jaehyun sobre Doyoung ser uma lua de brilho próprio.
Não era muito ligado no folclore regional, mas sabia sobre o mito do Coelho Lunar, cujo a crença se baseava na existência de um coelho morando na Lua devido à identificação dos relevos lunares como a figura de um coelho socando um almofariz.
Apesar de que no caso de Doyoung não seria um almofariz, e sim qualquer pessoa que ousasse irritá-lo em uma de suas fases ruins.
— Você não parecia muito preocupado com os meus pais quando a gente tava tr- — Doyoung jogou o outro travesseiro em seu rosto — Okay, okay, já entendi o recado.
O que era para ser uma simples tarde de estudos — já que as provas da faculdade estavam próximas e Jaehyun não queria passar os próximos meses vendendo a alma para conseguir a nota necessária para passar — se transformou em mais uma sessão de amassos e aventuras entre os lençóis.
Quem olhasse de longe para aquela situação provavelmente pensaria que Jaehyun já estava com segundas intenções desde o momento em que cogitou pedir a ajuda de Doyoung com a matéria, e que ele estava aos poucos pervertendo o aluno de ouro da sala e orgulho dos pais.
Achou errado otário.
Jaehyun só queria entender o que raios o seus professor queria dizer com “admoesta”. Só isso.
O problema começou quando Doyoung teve a incrível ideia de beijá-lo daquele jeito que só ele sabia, pedindo por mais entre os toques com sua voz manhosa, mesmo que no fundo os dois já sabiam onde aquilo iria terminar. Não conseguia resistir ao charme de Doyoung lhe olhando daquele jeito que deixava-lhe na palma de sua mãos.
Depois de se vestirem para poder cumprimentar os adultos como se nada tivesse acontecido naquele quarto, Jaehyun acompanhou-o até a portaria do prédio, onde estavam enrolando para se despedir com um abraço mais longo do que o considerado normal.
— Vai, eu mereço pelo menos um beijinho de “até amanhã”. — Doyoung pediu.
— Eu não sei se eu deveria, já que hoje você tentou fazer uma rinoplastia à moda antiga em mim.
— Aaah qual é Jaehyunnie! Você sabe que eu não fiz por mal… — praticamente ronronou, esfregando sua cabeça na bochecha de Jaehyun — Só um beijinho, por favor…
Naquele momento, onde os olhos afiados de Kim Doyoung se assemelhavam às lâmpadas que ladeavam os muros do prédio — incandescentes, numa claridade que, falhando em cegar Jaehyun, contentava-se em consumi-lo — ele se sentiu um pouco tolo.
Tolo como, ele queimaria um dia por querer tanto por esse único garoto.
Tolo como, queimar nem soava tão desfavorável assim. Rotineiro frente aos olhos brilhantes de Doyoung numa noite de Lua imensa, brisa fria.
— Só um beijinho, — repetiu, e suspirou como se fosse uma tarefa que lhe custasse realizar. Ele sempre tentava enganar Doyoung sobre as coisas que não faria por ele (faria tudo até o limite de homicídio, dependendo do homicídio). — O quê você não me pede sorrindo que eu não faço chorando, e recém agredido, Doyoung?
O revirar de olhos de Doyoung foi interrompido pela mão que Jaehyun subiu pelo lado de seu rosto. Neste ponto o contato visual tornou-se insuportável, pois ambos tinham um péssimo uso de palavras e um grande hábito de expressar significado com o corpo.
O peito de Jaehyun simulou algo como uma arritmia. Sua mão deslizou do final do cenho até os cantos da boca de Doyoung, entrepartindo a boca sem nem perceber que o fazia.
Doyoung fechou os olhos e pendeu a cabeça levemente, só o bastante para trespassar o espaço de Jaehyun, e então inclinou-se mais para unir a boca com a sua.
E não parou com um beijinho, nunca parava.
Jaehyun encostou-o na parede, deixando seus corpos próximos o suficiente para que pudessem sentir a temperatura um do outro. Seus dedos divertiam-se apertando a cintura delgada e ameaçando adentrar a camisa, já esbarrando na base das costas largas e consequentemente deixando fluir ali uma onda de arrepios eletrizantes. Os toques progrediam como o desabrochar de uma rosa conforme o calor fugaz alastrava-se por onde suas mãos passavam, explorando o que já era conhecido. Era o mesmo sentimento de finalizar um toque apenas para ter o prazer de começá-lo, apenas para sentir a vontade de ter mais.
Doyoung chupava e mordia seus lábios, tocando seus ombros e clavículas, de alguma forma tentando trazê-lo ainda mais para perto, se é que isso era possível. Queria sentir o homem que com contentamento chamava de seu, aquele que não o fazia ver estrelas, mas sim a via láctea inteira quando se encontravam. A forma que suas língua tocavam-se, quase devorando uma a outra, era suficiente para derretê-lo entre seus braços firmes, principalmente quando ele provocava, beijando apenas o canto de seus lábios e mordendo o espaço entre seu maxilar e o lóbulo da orelha.
A melhor parte era quando Doyoung fingia ainda estar tímido, mesmo que Jaehyun soubesse que ele estava apenas guardando o seu melhor para depois, incitando o prolongar daquele contato.
Tinham consciência de que não iriam muito longe naquele fim de noite, apenas os dois e as estrelas, já a própria Lua estava ali, entregando-se aos toques de Jaehyun, que quando deu por si, percebeu que o astro original parecia diminuir, acanhada, lá no céu muito menor do que quando eles tinham começado toda a rotina já ensaiada de ir pra casa. Estava mais escuro, e as sombras do rosto de Doyoung — seu cabelo, as bolsas sob seus olhos, o corte de seu maxilar — o tornavam mais atraente.
Bem, pelo menos para Jaehyun, mas ele tem um claro viés. Era um valor atípico e não deve ser contabilizado.
E era hora de ir pra casa.
— Até amanhã, — Jaehyun disse, voz leve.
— Até, — mais um selar de despedida, — toma cuidado.
— Você quem está voltando tão tarde pra casa, mané.
— Mas eu sei me cuidar. Longe de mim, quem pode garantir que você não se meta em encrenca?
E Jaehyun quase bufou, soltou o começo de uma risada meio maldosa. — Você é quem me mete em encrenca. — Os olhos de Doyoung fizeram um arco completo, mas ele já estava desgrudando os dedos dos de Jaehyun e andando de costas pela rua, através do portão. — Sabe que eu estou certo!
A voz de Doyoung elevou-se na noite. — Infrutífero debater com um doido. Até mais, amor! — Até sob um sorriso imenso a frase soava irônica. Mas não era. Quando Doyoung demonstrava carinho deveria haver uma mordida, uma pegadinha, mas Jaehyun nunca achava.
Seu homem de fases seguiu o caminho até em casa e ele demorou-se na portaria, incapaz de desgrudar os olhos das costas que diminuíam na distância.
☾
Eram cerca de quatro da tarde, Johnny e Jaehyun estavam no quarto deste último, sentados em cima da cama, cercados por uma pilha de CDs de shows acústicos e um rádio comprado há pelo menos uns dez anos atrás, mas que ainda funcionava razoavelmente bem. Era costume dos dois usarem momentos mais simples como aquele para desabafar, como Jaehyun estava fazendo agora, gesticulando nervosamente e falando mais rápido que o normal. Johnny tentava acompanhá-lo, mas perdia o foco toda vez que ele pausava o desenrolar dos acontecimentos para falar sobre como Doyoung era adorável quando fazia isso ou aquilo, e depois lembrava-se que ainda estava bravo com ele.
Acredite, Jaehyun conseguia fazer isso várias vezes em um intervalo de tempo não muito considerável.
— Espera, deixa eu ver se eu entendi direito. — interrompeu-o, abraçando um dos vários animais de pelúcia que estavam sob a cama — Vocês brigaram por que os pais dele não gostam que você toque berimbau de boca, é isso mesmo?
— Não! — Jaehyun deitou-se, sentindo o cheiro de Doyoung impregnado nos lençóis — Quer dizer, é um pouco disso, mas o buraco é muito mais embaixo. Ele ainda é muito filhinho de papai, sabe? Ele aceita qualquer coisa que os dois enfiam na cabeça dele. E agora os bonitos inventaram de falar que eu não sou bom pra ele, que ele ‘tá desperdiçando o tempo dele comigo, que eu sou um perrapado desempregado que não faz nada útil da vida e-
— Mas essa última parte é verdade, ué. — Jaehyun acertou-o com um coelho de pelúcia, mania que pegou do namorado.
— Como eu ia dizendo, por causa deles o Doyoung ‘tá no meu ouvido a semana inteira falando pra eu parar com esse lance do berimbau de boca porque não vai dar em lugar nenhum e que eu ‘tô jogando o meu futuro no lixo. Agora imagina como eu fico ouvindo isso praticamente sete dias por semana. Porra, teve uma hora que eu não aguentei mais, sabe? Beleza, eu até entendo que ele liga muito para o que os pais dele falam, mas que eles não venham meter o dedo no nosso relacionamento. Aí pra completar a merda, a gente começou a discutir e no fim eu mandei um “Então sai logo do meu colchão e volta lá pra saia da sua mãe”, só que ele ficou puto comigo e jogou meu berimbau de boca pela janela. Agora eu ‘tô sem namorado e sem berimbau de boca.
Por mais companheiros que fossem, as vezes Johnny tinha vontade de colocar as mãos ao redor do pescoço de Jaehyun e apertá-lo só um pouquinho.
O lance do berimbau de boca foi mais um dos momentos de loucura impulsiva dele. Basicamente, ele estava navegando na internet de madrugada assistindo vídeos sobre idols agindo de acordo com seus signos por dez minutos inteiro, quando acabou descobrindo um vídeo de um cara com um cabelo bacana tocando o bendito instrumento. Então, o fascínio foi quase instântaneo; Jaehyun passava oitenta por cento de seu tempo falando sobre o berimbau de boca e passava os outros vinte por cento torcendo para que alguém falasse sobre ele.
— Essa foi a DR mais idiota que eu já ouvi na minha vida. — desviou de outro animal de pelúcia — Mas e aí, como que vocês ‘tão?
— A gente não “‘tá”, esse é o problema. Eu ‘tô evitando ele desde esse dia, e eu acho que ele também ‘tá me evitando. E ninguém vai parar de se evitar até um dos dois dar o primeiro passo e falar “Okay, vamos conversar direito”, mas é óbvio que a gente nunca vai dar esse primeiro passo. — abraçou a pelúcia de um dos Ursinhos Carinhosos. O orgulho era de fato a pior característica daquele relacionamento — Só que eu sinto falta dele… tipo, eu me arrependo de ter falado aquele monte de merda pra ele, mas será que ele também se arrepende do que ele falou pra mim? Porque não é justo só eu ter que me desculpar. Eu sei que eu errei, mas ele também errou!
Johnny respirou fundo. Por que pelo menos uma vez na vida Jaehyun não poderia arranjar um relacionamento normal?
— E por que você não pode simplesmente ir lá falar com ele?
— Porque eu ‘tô bravo com ele.
— Mas você quer voltar a falar com ele, certo?
— Sim.
— ENTÃO VAI LÁ E FALA COM ELE PORRA!
☾
No entanto, Jaehyun não foi lá falar com ele.
Se tentar ser mais mesquinho que Kim Doyoung for o dever de um tolo, então Jaehyun era, tipo, totalmente um tolo. Um completo idiota. Compartilhava uma aula de Editoração com Doyoung e ainda assim, no meio de pelo menos cinquenta pessoas, o silêncio entre eles era mais alto do que se estivessem se falando. Mas eles não estavam se falando. Deus, D.Rs eram tão cansativas.
Se Jaehyun tivesse uma escolha, e ele não tinha, nunca mais brigaria com Doyoung. Brigar com ele era quando você estava assistindo aquela série que passa todo domingo na HBO e de repente a energia cai. Blecaute. Brigar com Doyoung envolvia os mesmos sentimentos de dias ensolarados que se tornavam chuvosos, café que acaba aguado e gelado, contorcer-se entre os lençóis da cama e não encontrar costas-largas-cabelo-preto-panturrilhas-monstruosas.
Agora que não se dividia em mimar ou ser mimado pelo namorado, Jaehyun tinha muito tempo para sintetizar versos tristes sobre a curva da boca de Kim Doyoung e imaginar as besteiras que poderia fazer agora que estava numa Guerra Fria. Decidiu que compraria uma motocicleta, rasparia o cabelo, e comeria manga com leite. Estava prestes a pedir um jogo de facas no canal de Televendas, pateticamente animado com o prospecto de poder cortar todas as carnes hipotéticas que quisesse.
Decidiu que dançaria bêbado na chuva, pois as Comédias Românticas envolviam coisas similares. Johnny só o olhou da varanda de sua casa como quem olhava um acidente de carro acontecendo.
— Se com poucos dias você já está delirando desse jeito, — Johnny começava a murmurar, — porque não poupa sua dignidade e dá logo o braço a torcer?
— Eu prefiro morrer cento e vinte-e-sete mil vezes, — bradou Jaehyun, imaginando-se muito blasé, muito que-se-foda. A verdade é que a chuva era gelo queimando sua pele. Sua fala foi mais como um choramingo. Seus sapatos acolhiam água e ele sentia-se miserável fisicamente. E ficar miserável fisicamente, moletom pesado e desconfortável no corpo, dentes rangendo e dedos do pé ensopados, era diretamente proporcional à sua miserabilidade emocional.
— Eu sinto falta dele, — Jaehyun fungou. E aí espirrou e tropeçou numa pedrinha que Deus ele mesmo decidiu pôr ali. Quando recuperou o equilíbrio, deu mais um passo, tropeçou em outra pedrinha e só aí caiu na grama ressecada da casa de Johnny Seo.
E o próprio continuou murmurando,
— Santo Judas, patrono das causas perdidas, socorra estes dois gays melodramáticos.
Johnny nem era religioso. Quão rude.
E Jaehyun não falou com ele, pois não estava errado. Ele só vivia sua verdade (a de futuro-jornalista-tocador-de-berimbau-de-boca, com gripado anexado), e se Doyoung não estivesse satisfeito com isso e quisesse quebrar mais berimbaus-de-boca…
Jaehyun não aguentaria calado.
Ele choraria muito em segredo, apesar de tudo.
Quando chegou o dia da maldita aula de Editoração, Jaehyun já tinha passado por todas as paranóias disponíveis sem pressa alguma. Mesmo com a cabeça atordoada pela gripe que adquiriu de seus delírios cinematográficos, seu cérebro conseguia equilibrar diversas atividades. Um lobo cerebral para revirar Doyoung como um cubo mágico. Um lobo para lamentar fracamente sobre como iria reprovar Editoração. Um outro lobo para planejar o almoço.
Ele correria para o Subway daquele campus e daria seu melhor sorriso para o atendente. Talvez o Beef Bacon Chipotle, mas ele era parcial ao Beef Bacon Barbecue. Pimenta do reino, pimenta-calabresa, orégano, azeite. Pediria batata rosti, e bacon extra, e o dobro de recheio. Estava mentalmente entre o pão de Granola e Mel e o de Manteiga Temperada quando o mundo sacudiu.
Bem, Jaehyun sacudiu. Espirrou como um elefante espirra, quase deslizando para fora da carteira.
Foi instantâneo: recebeu olhares feios, mais do que podia contar, pelo estardalhaço. Fungou da forma mais triste possível, pois é pecado desejar mal para os enfermos. Estas pessoas deveriam se comover. Mas logo, a aula estava começando.
E o mundo continuou sacudindo.
Jaehyun espirrava com tanta frequência e força que se sentia zonzo. Toda vez que movia o cotovelo para o nariz, o espirro fazia seu pescoço dobrar involuntariamente, seu nariz ser amassado e sua visão adquirir manchas multicoloridas. O espirro passava por seu corpo inteiro. Até os dedinhos do pé.
E mais dedinhos do pé se aproximando num tênis todo surrado. Tecido branco com um rabisco de coração feito de caneta BIC. Ah.
Antes que Jaehyun pudesse encarar Doyoung nos olhos, uma caixa de lencinhos foi posta em sua carteira. Não posta, algo como, suavemente deslizada. Mesmo que Doyoung não parecesse extremamente amigável, seus dedos tamborilavam lentamente os lados do pacote.
— Se tu espirrar de novo eu juro que te faço engolir essa caixa. — disse Doyoung.— Assoa esse nariz aí, ranho-boy.
Jaehyun só pôde continuar encarando.
Ele tinha uma teoria.
As fases de Doyoung nunca deixariam de resultar em sua língua seca. Seu coração minimamente acelerado, tímido em deixar-se afirmar que estava prestando muita atenção. O Doyoung de hoje é mais bonito que o Doyoung de ontem. O Doyoung de hoje é mais incandescente, não é? O Doyoung de hoje está diferente, não está?
Algo muda. Jaehyun não sabe o quê muda, mas ele sempre sabe que muda. Os olhos de Doyoung seguram o olhar dele antes de respirar fundo e bufar; Jaehyun vacila um pouquinho quando ele troca o peso do corpo de pé.
Só que Doyoung só está puxando um lencinho da caixa. Os dedos dele dobram o lenço e Jaehyun assiste o movimento, quietamente. Tem medo de falar algo e Doyoung fugir, assustado como um coelhinho.
De alguma forma, tentou decifrar o que passava naquela cabecinha ao permanecer com o olhar fixo nas orbes redondas e escuras, apenas para perder-se em sua imensidão. Podia jurar que era possível ver uma galáxia formando-se em cada íris, com cometas passando ao rasgarem a escuridão e estrelas queimando incandescentemente; nem mesmo as luzes da cidade conseguiam ofuscar aqueles olhos. Contemplá-los era como ver pela primeira vez o espaço através de um telescópio; você sente-se pequeno diante de tamanho fascínio, tamanha beleza e esplendor, sendo tragado pelo encanto que trazia-se junto a vastidão do universo.
Talvez tudo isso fosse um delírio de sua mente gripada, já que para todas as outras pessoas Doyoung apenas tinha um par de olhos castanho-escuros e nada mais.
Ou apenas estava sofrendo sintomas da síndrome do amor, sendo um deles a fascinação por cada milímetro do outro.
Entretanto, o momento de fascínio acabou quando deu-se conta de que Doyoung colocou o lencinho sob seu nariz, olhando-o como se estivesse esperando que fizesse algo como… assoar o nariz?
Até parecia um pouco óbvio, mas Jaehyun não podia deixar de achar tal abordagem um pouco bizarra, ainda que viesse de Doyoung.
— Assoa. — ele repete quando o silêncio já é constrangedor, e desfaz o contato visual. Jaehyun pode ver as orelhas vermelhas. Então assoa e se sente um pouco mais descongestionado; Doyoung tira o lenço de seu nariz e encara como, Mas que merda?, porém não tão amargo.
Um momento passa e Doyoung já se vira para sair. É tolice de Jaehyun, não é? Segurar o fôlego por qualquer coisa que possa vir a acontecer.
O Doyoung de hoje é bonito, mas o de amanhã vai ser mais. Jaehyun espera ver ele, espera poder observar, mesmo que se sinta retalhado por dentro de uma forma que nem papel pode chegar.
Em trinta segundos ele cruza a sala até a lixeira e permanece em pé, lá.
Doyoung ajusta a alça da mochila no ombro e lança um olhar enfático para a porta. Sua posição é toda inquieta, e Jaehyun entende.
Eles precisam conversar.
Então, Jaehyun finalmente foi lá falar com ele.
☾
Estavam escondidos embaixo da arquibancada da quadra poliesportiva, local que já foi lar de seus amassos fervorosos de início de relacionamento. Alguns poderiam achar aquilo nojento, expositivo ou anti-direitos humanos, mas Jaehyun gostava de dizer que era apenas o ninho romântico dos dois, já que eram os pombinhos.
Doyoung quase se mudou para a Lua quando ouviu aquilo, mas nada que uma sessão de abraços e beijos não tivesse resolvido depois.
Mas naquele momento, aquele lugar era moradia das incertezas de Jaehyun. Afinal, Doyoung o levou até lá segurando em sua mão, porém mal olhou em seu rosto enquanto o fazia. Juntar as pecinhas do quebra-cabeças que era o seu namorado consistia em uma tarefa complicada, que requer anos e anos de treino e estudo.
E, bem, Jaehyun só tinha um berimbau de boca.
Talvez também uma boa lábia e uma pegada que fazia seu namorado ver constelações inteiras, mas não sabia disso, já que Doyoung evitava o falar em voz alta para que não começasse a ficar muito convencido e cheio de si.
Sentaram-se no chão, com o silêncio pairando no ar.
— Então, — disse Doyoung. — Precisamos conversar, Jae.
A mão dele pendia frouxamente na sua, por isso garantiu de apertar para assegurá-lo.
Doyoung apertou de volta.
Jaehyun entortou a cabeça.
— Deixa eu adivinhar…— puxou o ar pelos dentes. — Você está grávido?
As mãos dele levantaram, e não chegou a bateu em Jaehyun, o que foi uma surpresa. Abaixou-as novamente e respirou fundo antes de falar, entredentes:
— Engraçado. Não. Mas…
— Mas?
— Eu vim pedir desculpas.
Do canto do olho, Jaehyun conferiu o céu. Nem estava chovendo porcos, quem diria.
— O milagre chega para todos, — comentou Jaehyun, como quem não queria nada, — Euzinho recebendo um pedido de desculpas de Kim Doyoung? Foi Cristo, não foi?
— Eu sinto sua falta, — Doyoung cortou, impaciente, e o tom dele soava mais surpreso do que outra coisa.
— Não que eu não achasse que sentiria, é só que… — continuou, engolindo em seco. — Não tanta, não dessa forma: sufocante, debilitante. Eu quis nunca mais brigar com você, mas para isso acho que devia consertar a briga atual. — Os dedos dele contraíram junto aos de Jaehyun. Kim Doyoung tinha os ombros largos, a voz melodiosa, o semblante cético, mas ali era só o moleque nervoso que Jaehyun só via às vezes. — Eu não devia ter… Deixado as coisas que meus pais falaram me afetarem à ponto de eu te afetar também. Eu sinto muito. Tem uma linha entre a gente e o que dizem da gente, e eu devia ter… Te protegido.
Jung Jaehyun, protegido.
Imaginou-se no alto de uma torre com dragões e Doyoung usava uma armadura cintilante. Não lembrava-se se era Rapunzel ou Shrek, mas tanto faz. Ele não era bem uma princesa. Tinha um metro e oitenta, uma fisionomia relativamente definida e sabia correr. Algumas princesas eram fortes, mas Jaehyun era, tipo, muito forte.
Mas Doyoung, Doyoung que possuía um anos a mais e tinha braços de espaguete, sentia que devia proteger ele. Quando era Jaehyun que necessitava mais que tudo proteger o mais velho.
Soava até engraçado.
Mas era eles.
— Eu entendo, — Jaehyun disse. — Fiquei muito puto e perdi minha paciência e quis, tipo, ouvir um pedido de desculpas mais que tudo. Só que agora que o pedido está aqui, eu só consigo sentir sua falta. Mesmo que você tenha quebrado meu berimbau-de-boca. Devo ser mesmo um tolo, não é?
— Deve, — Doyoung disse, incapaz de segurar a tirada. Mal conseguiu segurar um revirar de olhos. — Eu sinto muito pelo seu berimbau-de-boca, também. Pobre coisinha.
— Pobre coisinha. — concordou Jaehyun.
Olhou para as mãos entrelaçadas.
— Não faz isso de novo, — pediu Jaehyun, baixinho, mas Doyoung sempre escutava. — Não vai tão longe assim, de novo. Não aguento.
— Eu também não, droga, — respondeu Doyoung, tão baixo quanto ele. — Você também, tudo bem? Não vai longe. Eu não vou mais, sei lá, vou tentar te entender mais e te pressionar menos, mas eu preciso de ti por perto.
Jaehyun disse O.K, e Doyoung repetiu o O.K. Era essa a parte do filme em que…
Jaehyun ia embora.
Levantou-se do chão, limpando o cascalho dos jeans, para costurar entre as vigas de metais que sustentavam aquelas arquibancadas. Mesmo preenchido de bitucas de cigarros, de embalagens de salgadinhos e latinhas de refri, palco da decadência de quem assistia às partidas do time da universidade, na lista de lugares favoritos para namorar Doyoung… Era o segundo.
Olhou para o namorado do fim do ninho romântico.
— Ainda tens aula, aonde vais... — murmura Doyoung, baixo demais para soar como uma pergunta, enquanto olhava para os tênis. Parece de todo envergonhado: topo das orelhas tingidos de rosa. O rubor se espalhava até as bochechas, até onde Jaehyun ainda não podia ver. E ele queria ver.
— Eu sei, eu sei, só que… Falamos tanto que sentimos falta, — respondeu Jaehyun, entonando toda a manhã que conseguia. Pensou somente um pouquinho no que diria em seguida. — Você não sente falta de outras coisas também?
— Não faz muito tempo.
— Faz muito tempo, sim. — protestou Jaehyun. Mas Doyoung não estava lhe rebatendo tão agressivamente, já puxava a própria mochila e caminhava em sua direção.
Quando ficou a dois passos de Jaehyun, dois palmos, duas mãos serpenteando sua cintura, foi aí que ele se permitiu respirar.
O cheiro de flor de laranjeira da gola da camiseta de Doyoung era como oxigênio. E se Jaehyun pudesse carregar aquele perfume consigo ainda não seria mesma coisa. O cheiro só se tornava especial por ser cheiro de Doyoung. O sabonete líquido de pêssego que Doyoung tinha comprado para Jaehyun e aí prontamente afanado de volta por gostar demais. O shampoo neutro que cheirava como algo mentolado. O mais velho odiava fragrâncias masculinas que cheiram à azeite de oliva, e Jaehyun, de algum jeito, também desenvolveu afeição por aromas florais e cítricos.
Dizem que se apaixonar é como se tornar cada vez mais como a pessoa amada. Qualquer casamenteira que tenha primeiro entoado esta declaração, ela estava metade certa. Só isso poderia explicar como pelas palmas de Doyoung ele já se sentia mais um inteiro. Contornou o seu pescoço e apoiou o queixo ali, puxando os fios escuros da nuca. Não necessitava tocar, não era necessidade, era como,
Ele viveria se não pudesse passar as mãos no cabelo de Doyoung, se não pudesse aconchegar-se no abraço conhecido. Mas seria viver se não se sentisse assim? Houve anos da sua vida sem Doyoung, é claro que houve. Só que, sem Jaehyun perceber ou ao menos ser notificado, esses anos se tornaram uma contagem regressiva e Doyoung era a linha de chegada. Não pôde ficar muito bravo.
De volta ao lar, não é?
Eles se abraçaram por um longo tempo. Apertado demais, sufocante demais. Eles demais, afinal. O homem de fases e o pseudo-entendedor unidos sem distinção. Corpos celestes no exato momento que colidiram, nem um segundo depois e nem um a mais.
Ele sente quando Doyoung respira fundo e se afasta, procurando os olhos do namorado.
Doyoung encaixa a palma debaixo do queixo de Jaehyun e contempla. Contempla como, espécime raro e inédito. Contempla como, o que eu faço com você? Que é uma frase que Jaehyun ouviu muitas, muitas vezes.
— Faz um tempinho sim, — Doyoung relutantemente entrega.
Isso confunde Jaehyun por um momento, que já estava a anos-luz pensando em lençóis de algodão enrolados em voltas de ambas as cinturas. O contorno do corpo de Doyoung sob a luz amarelada de seu quarto. Pisca um monte de vezes para se situar.
— Você vai entrar no hábito de concordar comigo o tempo todo agora, é?
— Não se acostume, — retruca, seco.
— Eu poderia me acostumar, — Jaehyun insiste. — Vê, eu sou muito friorento, então ajuda, sabe, estar coberto de razão o tempo todo. E meu pobre coraçãozinho ficaria tão, tão contente por Kim Doyoung, o próprio, me dando cabimento que— e é cortado sem muita cerimônia pela língua do citado sendo enfiada em sua garganta.
Por mais que quisesse retratar como romântico, não era, era obsceno, voraz e necessitado. Obscenos os sons que era incitado a fazer por Doyoung, fincando os dedos em sua cintura como se, sei lá, parou de ser coelhinho e se tornou o gavião agarrando o tal coelhinho. Deveria cortar as unhas. E foi nisso que Jaehyun pensou quando elas subiram pelas costas de sua camiseta. Doyoung dedilhou pelas suas omoplatas, subiu uma mão diferente pelo lado de seu torso e acabou com a palma grudada em sua nuca.
Quando ele riscava, quando puxava uma mecha, Jaehyun paralisava um pouco por um momento. Boca aberta recuperando-se do choque prazeroso e a testa de Doyoung encostando-se na sua. Eles arfavam como… Obsceno.
O olhar afiado perfurou o seu. — Jaehyunnie, — chamou. A voz no volume de um murmúrio, só para ele. — Só mais um beijinho?
— Se parar de tentar fazer um corte de cabelo à moda antiga em mim. Sempre tão violento, Doyoungie.
— Quem mandou você gostar de mim?
— Você quem gostou de mim primeiro, — acusou Jaehyun, e arriscou um selar. Mais outro, até que conseguisse roubar um sorriso merecido de Doyoung.
E quando Doyoung sorria, ele já desviava o olhar do seu, o pousava em sua boca.
— Não deixe o sucesso subir pra cabeça — bagunçou-lhe os cabelos ao perceber a dupla interpretação de Jaehyun ao ouvi-lo — As duas.
Jaehyun mordeu os lábios, contendo uma risada genuína e deixando-se ser beijado por Doyoung, dessa vez com um pouco mais de calma. O que antes era obsceno tornou-se modesto, com direito à alguns sorrisos antecedendo o contato entre os lábios úmidos. Era quente e ardia, independente do quão frio estivesse, Doyoung sempre seria mais quente, mais brilhante. Até na falta de luz era possível enxergá-lo por baixo dos lençóis que já eram tão familiares.
Poderia dizer que Doyoung era sua estrela da sorte, que à noite parecia crescer e tornar-se maior do qualquer outro astro, mas na verdade, ele era tudo isso e mais um pouco.
“Pouco” que pode ser lido como “muito, mas muito mesmo”.
Complicado e perfeitinho, Doyoung apareceu.
E era tudo o que Jaehyun queria.
O seu homem de fases.
Gracias por leer!
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