invisibilecoccinella Mary

Se ele olhar para trás, poderá perceber que a simplicidade não significa de maneira nenhuma o fracasso retumbante do homem. Tem mais a ver com princípios. Faz-se necessário partir em busca de um equilíbrio. Não correr contra o tempo, não procrastinar, não tentar passar a vida inteira sendo vassalo de tantas regras que no fim das contas são palpites pessoais.


Poesía Todo público.

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Bloqueio de escritor

Tapumes invisíveis cercaram a inspiração. Ela declarou greve por tempo indeterminado. Não quis nem se pronunciar, cruzou logo os braços e teimosa como só ela sabe ser, diz que não muda de ideia.

O pobre autor que já não aguenta mais tomar café e rabiscar em guardanapos virtuais lança a própria (falta de) sorte. Sem a inspiração, ele está acabado, como se padecesse a uma incurável e destrutiva insônia criativa.

A dor se agiganta. Os reflexos do desânimo dissipam em todas as direções, sob um prisma de amargura. Basta olhar as coloridas estantes e a prolixidade estar à solta, disfarçada por títulos atraentes e capas instigantes. O preço é salgado. As lágrimas dele poderiam preencher uma biblioteca de clássicos vazios.

Os rabiscos rememoram aqueles tempos de animação, de quando brigava com os minutos para não perder o compasso. Entenderiam seu estado como uma euforia desenfreada e anormal. Ele costumava chamar essa pequena bênção de felicidade.

As mãos dele continuam soltas, os dedos ainda se movem em harmonia com o teclado por conta do excruciante hábito de administrar sua vida virtual, um avatar de si mesmo, as vozes mudas de um universo extremamente competitivo. Ele poderia se considerar aquele filhote de zebra que não vai sobreviver ao ataque do bando faminto de leões.

Há muito já se desvencilhou daquela arrogância de iniciante de querer fugir do clichê e se considerar "original".

A crise eclode dos gatilhos. Tantos deles. Estalam e hipnotizam. O elogio tem gosto de veneno.

"Nada faz sentido", repete ele que perdeu o sono, o hábito de guardar os sonhos debaixo do travesseiro.

Será outro a sucumbir aos cifrões?

Terá ele nada aprendido com a crise anterior?

Nada sobre o acordo que travou com a inspiração?

A crise é professora e lição. O maior mérito de aprender e seguir em frente são justamente a capacidade de enxergar bem além...

Benditos sejam os frutos da vaidade. Estão todos os chacais se devorando vivos por medalhas invisíveis, todos esperando sanar a insatisfação pessoal com um punhado de hipocrisia, muitos farsantes se passando por mestres prolíficos. Muitos críticos, poucos argumentos. Diante de absurdos sem tamanho, o silêncio é o acordo mais justo.

Uma ferida durante o dilúvio pessoal se assemelha a um precipício de amargura. Ali dentro, no meio daquele vazio milimetricamente orgulhoso, está a desistência ecoando, chamando o autor para mais pertinho, para ver de que cor é o infinito.

Não se sabe ao certo o quanto a inspiração anda cansada de ser maltratada, banalizada, tratada como se fosse serpentina para falsas estrelas. Ela está exausta de ser tão caluniada quando tudo o que deseja é um pouquinho de paz.

Pobre garota! Antes de entrar na vida dos outros deveria pelo menos saber se será bem-vinda. Na calada da noite, encarapitada no colo da lua, joga conversa fora com quem apesar do enorme prestígio, nunca abriu mão da sensibilidade. Sutileza também é poesia.

O autor sente falta da sua velha amiga. Ela bem que poderia derrubar esses tapumes invisíveis e aceitar um café por conta da casa, sem compromisso algum. Em missão de paz.

A inspiração reconsidera. Um bom amigo não erra de propósito. A vaidade consome até os desprevenidos. A popularidade sobrepujou o caráter. Os números ditam as regras sórdidas e a simplicidade se limita a um efeito retrô. Os personagens de si mesmos buscam com suas artimanhas convencerem de que são os melhores do mundo, mas o mundo gira o tempo todo, amanhã o novo será ultrapassado.

Ele se queixa da falta de reconhecimento. Fala para uma plateia pequena. Talvez não seja o perfil de quem busca comercializar o dom das palavras, mas seu respeitável público lhe mostra que o mesmo mundo que sufoca por ser cruel também tem estrelas solitárias que mesmo sendo tão pequeninas e nem sempre vistas, estão ali, estão escutando e sentindo a poesia, estão vivendo aqueles versos, respirando daqueles sonhos...

E ele, embora pense que não faz mais sentido, ainda faz, porque as lágrimas correm dos seus olhos, as palavras ainda o tocam, e seu coração ainda bate...

Se ele olhar para trás, poderá perceber que a simplicidade não significa de maneira nenhuma o fracasso retumbante do homem. Tem mais a ver com princípios. Faz-se necessário partir em busca de um equilíbrio. Não correr contra o tempo, não procrastinar, não tentar passar a vida inteira sendo vassalo de tantas regras que no fim das contas são palpites pessoais.

Cada autor, se parar para analisar, é um mundo único e a crise, uma possibilidade a mais que se abre para que os olhos atentos consigam captar o subliminar.

O bloqueio é o meio e jamais o ponto final.

10 de Marzo de 2019 a las 14:51 0 Reporte Insertar Seguir historia
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Fin

Conoce al autor

Mary uma joaninha itinerante que atende por Maria, Mary, Marisol, que ama previsão do tempo e também contar histórias. na maior parte do tempo, invisível.

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