C
Charlotte Marx


Para astrologia, o mês de março é decisivo, uma vez que encerra os signos do zodíaco com peixes, frequentemente tidos como carente e sofredores e inicia um novo ciclo com ariés, tidos como impacientes e impulsivos. Esse convívio de entidades tão intensas só se confirma na melodia de Tom Jobim que adiciona ainda um novo significado a essas águas, são promessas de vida de um coração. Para Marina Belmont, uma pediatra de renome no Rio de Janeiro, é o desejo de engravidar, mesmo diante as dificuldades de sua transsexualidade. Assim, ela abandona um noivado de anos e vai em busca de um tratamento hormonal junto a uma cirurgia revolucionária de transplante de útero em Londres. No entanto, engana-se quem pensa ser fácil. Inseminações, fertilizações e abortos acometem seu solitário destino até conhecer um homem, um homem que a faz sentir sentimentos adormecidos, até ele revelar sua outra personalidade. Ele somente não, todos.


LGBT+ No para niños menores de 13.

#trans #gravidez #relacionamento #ciencia #londres #violência #amor #vingança #família
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A revelação

Atravessando o morro do Pão de Açúcar, eis a cidade maravilhosa. É pau, é pedra, é o fim do caminho, é um resto de toco, é um pouco sozinho, é um caco de vidro, é a vida, é o sol,  é a noite, é a morte, é um laço, é o anzol, é peroba no campo, é o nó da madeira, Caingá Candeia, é o matita Pereira. Os quiosques nas praias começam ser abertos, os primeiros raios do sol despontam no oceano. Coqueiros provocam as primeiras sombras pela caçada. Na avenida Atlântica, algumas pessoas e casais aproveitam a aurora para caminhar, outros preferem a bicicleta. É madeira de vento, tombo da ribanceira, é o mistério profundo, é o queira ou não queira, é o vento ventando, é o fim da ladeira. É a viga, é o vão, festa da ciumeira, é a chuva chovendo, é a conversa ribeira. Gaivotas caçam mariscos onde as ondas caem. Pegadas dos apaixonados formam uma fileira pela sílica. O cheiro molhado e salgado de maresia invade a esquina da Rua Anchieta, onde no Edifício Mascarenhas, é possível na varanda de um apartamento do sétimo andar, escutar a doce composição de Tom Jobim e Elis Regina no rodar de um disco de vinil. Ao lado, é possível se notar uma espreguiçadeira com um cinzeiro. Nele, ainda sobre sua roupa de banho, Marina acaba de deixar a última bituca de seu Marlboro. Finalmente terminara de rascunhar o desfecho de sua trama folhetinesca. Passarinho na mão, pedra de atiradeira. Uma ave no céu, uma ave no chão, é um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão. Retirou a agulha e a vitrola desligou. Despiu-se a caminho do banheiro e ligando o gás, abriu o registro do chuveiro, deixando a água cair sobre seu corpo moreno.

                                                                ***

  • Mamãe, aquilo é o Mickey?

Marina já sobre seu jaleco branco, achou graça daquele comentário em relação ao adesivo fosforescente no alto da parede. Era seu décimo paciente aquele dia. Ela era pediatra e simplesmente era apaixonada pela sua profissão. Entrou na curiosidade do menino.

  • Será que é o Mickey? Está mais para a Minnie, não acha? Olha o formato do vestidinho.

Ele a surpreendeu com a réplica

  • Mas nada impede que seja um Mickey de uma saia! Não é mesmo? Vai que ele gosta de usar saia e não sabemos!

Marina se encantou com aquela manifestação pró-diversidade, mas resolveu não apoiar, porque a mãe do menino que o acompanhava fez uma cara de desgosto e logo interveio.

  • Deixa de falar asneira, Pedrinho! Homem não usa saias, isso é coisa de mulher, meu filho. Podemos ir logo com a consulta, Doutora?
  • Claro!

Ela fez uma anamnese bem detalhada e mesmo concluindo ser uma amigdalite rotineira e tomando cuidado para não passar benzetacil afinal poderia traumatizar a criança, encaminhou para um otorrinolaringologista já que dada a frequência dos episódios de infecção, talvez fosse necessário retirar as tonsilas.

                                                                             ***

Terminou de pesar seu prato no self-services do hospital e foi até a mesa, em que sua amiga e colega de trabalho, pediatra também, Letícia a aguardava.

  • Menina, me conta essa história direito! Como assim a criança esboçou empatia com a diversidade, mesmo a Mãe sendo conservadora!
  • Isso me encheu os olhos de lágrimas, Lê! É por isso que eu te falo, eu acredito nas gerações futuras, nós vamos mudar essa realidade!

Letícia discorda.

  • Ai amiga, eu queria ter esse seu otimismo! Mas todos nós sabemos que depois daquele impeachment arbitrário da Dilma Rousseff em 2016, as coisas desandaram. Eduardo Bolsonaro já vai para o segundo mandato, depois de oito anos do pai! Doze anos com a extrema direita no poder! Escola sem partido, criminalização do MST, destruição da previdência social pública, anulação do casamento gay, retroação de aborto permitido em caso de estupro! Isso aqui se tornou um circo dos horrores!
  • Impeachment arbitrário coisa alguma! Foi golpe mesmo! Não me conformo como ninguém enxerga nada! Estão totalmente manipulados! Virados contra seus próprios direito! Outro dia escutei de um gari lá na rua, tem que flexibilizar as leis mesmos, os pobres mamam demais na teta do estado! Quase virei! E você meu filho, é o quê? Isso é complexo de vira lata ou o quê? É revoltante!
  • Nem me fale! Obrigada, querido! Não, não! É sem açúcar mesmo, não se preocupe! Agora, vem cá, você pretende contar ao Hector hoje mesmo?

Marina confirma.

  • Sim! Eu posterguei isso demais! Não tive coragem! Eu amo demais aquele homem! Não quero perdê-lo! Mas diante a minha viagem fica difícil não contar! Só que tem outro lado de mim que tem medo, Lê! Dele não me entender! Será que não é melhor, eu ir fazer essa cirurgia, sem comunicá-lo?

Letícia é conclusiva

  • Que isso Mari? Ele merece saber da verdade! E o tempo que ficará lá fora? Ele vai desconfiar! É melhor abrir o jogo logo de uma vez! Se ele não te entender, saberás que ele não te ama da mesma forma! O que interessa se você nasceu uma mulher ou se tornou uma depois? Não importa se você é cis ou trans! Você é uma mulher! Uma mulher linda e empoderada! Ele te conheceu assim! Se ele te deixar, ele não merece você! Não merece ser o pai de seus filhos!

***

Hector chega de seu escritório de advocacia, deixando sua pasta em cima do sofá. Ele afrouxa a gravata e retira os sapatos, pegando-o nas mãos e caminhando até o quarto, onde Marina o aguardava fumando. Ele sobe na cama e a rouba um beijo. No entanto, os olhos da mulher não conseguem se entregar ao sentimento como de costume. Quando ele vai ao banheiro, ela dispara.

  • Nós precisamos conversar! - O tom era sério.

Ele se volta curioso.

  • Aconteceu alguma coisa?

Ela não se aguenta e começa a chorar.

  • Sim!

Ele se aproxima preocupado e limpa suas lágrimas.

  • Hey! O que está acontecendo?
  • Eu nem sei por onde começar, meu amor!

Hector se preocupa.

  • A situação é grave? Fala para mim, querida! O que houve?

Marina se levanta, não conseguindo encará-lo.

  • Eu vou fazer uma viagem no fim de semana!

Hector estranha.

  • Uma viagem? Você não me disse nada! É em relação a que? Congresso?

Marina abaixando a cabeça revela.

  • Não! É uma cirurgia que vou fazer!

Hector não entende nada e a abraça por trás.

  • Uma cirurgia? Como assim? Você está com algum problema de saúde? É isso que tem para me contar? Você vai morrer? Pelo amor de Deus! Não me...

Marina fecha os lábios dele com seus dedos.

  • Não! Meu amor! Minha saúde está boa! Essa cirurgia...como eu vou te falar isso, meu Deus? É cirúrgia de… um transplante de útero!

Ele cai sentado na cama. Ela ainda de costas para ele se apoia num criado mudo, chorava desesperadamente. Ele a questiona.

  • Como assim? Transplante de útero? Seu útero não está...

Ela se vira tomando coragem e braveja.

  • Eu nunca tive útero! Hector! Nunca!

Lágrimas começam a escorrer pelo canto dos olhos dele.

  • Você...nasceu sem útero por alguma...

Ela senta ao lado dele na cama e pega suas mãos.

  • O que eu vou te contar, não é nada fácil! Mas você precisa me prometer que vai ser forte e que vai ficar do meu lado! Hector! Você é o homem da minha vida! Sem você! A vida não tem a menor graça! Por favor, você precisa me…

Ele se levanta transtornado, já desconfiava do que podia ser. Contemplou-a por um instante em silêncio.

  • Não pode ser! Você não aparenta ser! Não pode!

Ela confirma. Entendeu que ele percebera.

  • Mas é! Essa é a mais pura verdade! Eu, Hector! A Marina que você conheceu, é uma mulher trans!

A face do homem se desfalece. Continua

12 de Enero de 2019 a las 22:23 0 Reporte Insertar Seguir historia
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