A sala em que estou é ampla. Há uma pequena roda com mais ou menos dez pessoa contando comigo, alguns conversam entre si e outros olham pra algum ponto onde não precisem manter contanto com ninguém. O ambiente me deixa mais calma, as conversas são baixas e isso não me incomoda. A sala não é chamativa e as paredes são limpas e bem pintadas.
Já faz certo tempo que não saio sozinha. Talvez pela preocupação dos que estão em minha volta ou por eu mesma não gostar de interagir com pessoas que não conheço muito bem, mas hoje é um dia diferente e apesar de Ino insistir em vir, preferi vir só. Shikamaru, diferente de Ino, me incentivou a vir sozinha e teceu muitos elogios a respeito da reunião, já que ele veio semana passada. Isso tudo era um experiência nova, e é bom porque já faz um bom tempo que eu tento sentir coisas novas.
Olhando em volta eu podia perceber o nervosismo de alguns. Sei que todos aqui foram diagnosticados a menos de um ano e o que mais precisam agora é de alguém que possa representá-los, alguém que possa expor suas próprias experiências para ajudá-los nesse momento. E é por isso que estou aqui.
A reunião começou com o que seria o "líder" falando um pouco enquanto todos prestavam atenção. Depois de um tempo ele se dirigiu a mim e me senti estranha por todos me olharem, esperando que eu diga algo. Mas sei que estou pronta e vou fazer isso. Sorri, respirei fundo e comecei a falar:
— Meu nome é Sakura Haruno, tenho 26 anos e fui diagnosticada aos 19.
ANTES
Minha primeira lembrança de infância (que pode até ter sido um sonho ou algo assim) é da minha mãe em pé com um lindo sorriso. Ela se inclinava um pouco em direção ao chão e me chamava com braços abertos. Pode parecer que eu lembre vários momentos como esse, mas infelizmente não. Minha infância foi uma das épocas mais confusas da minha vida, onde mesmo com pouca idade eu já me questionava sobre quem eu era. É difícil, mas posso tentar por alguns desses momentos em ordem.
Quando eu tinha cinco anos ganhei um vestido rosa, que acabou se tornando minha obsessão. Na verdade, a obsessão era a cor rosa, fazendo com que eu quisesse que tudo fosse daquela cor. Desde então, sempre fazia questão de usar algo rosa, seja o tal vestido, seja alguma presilha de cabelo ou até mesmo uma simples meia rosinha bem fofinha.
Com oito anos, percebi que apesar de dizer que não gostava da escola, eu gostava dela sim. Ler, escrever, estudar e aprender. O que me fazia não gostar de frequentar era o barulho, as pessoas e as crianças correndo. Tudo aquilo me deixava ansiosa e nervosa ao mesmo tempo, inclusive, acho que foi justamente quando comecei meu hábito de estalar os dedos, como uma maneira de me deixar mais calma e fazer a ansiedade passar. O que mais me agradava nessa fase era o ritual que fazia quando chegava da escola: tirava meus sapatos, pegava o terceiro livro da prateleira e me deitava para ler. Era assim todo santo dia, e confesso que até hoje ainda repito isso sempre que posso.
— Você é uma criança normal, Sakura — disse minha mãe, quando eu tinha 12 anos e havia acabado de escutar algumas garotas da escola falar que eu era uma esquisitona. A expressão da minha mãe era estranha, mas eu não conseguia distinguir isso naquela época (hoje já tenho uma noção). Ainda nessa época, apesar das suas palavras gentis e acolhedoras, ela também me achava estranha, afinal não sabia quem eu era ou o quê eu era. O que tinha a menina Haruno? Ela era quieta, não falava muito e tinha manias esquisitas.
Foi nessa idade que comecei a me notar como uma pessoa diferente, já que mesmo depois de ver na TV (em alguma daquelas novelas adolescentes) "maneiras de fazer amigos", eu simplesmente não conseguia reproduzir aquilo. Tinha as maiores notas da sala, lia mais livros do que o esperado para minha idade, mas interagir socialmente era o pior dos pesadelos. Não seria exagero dizer que naquele tempo a única pessoa com quem eu conversava era minha mãe. Ah, havia meu pai também, nas poucas vezes que ele se lembrava de me visitar. Mas ele me deixava mais nervosa ainda, reclamando dos meus estalar de dedos ou de como eu falava baixo e de maneira “diferente”. Isso foi outra coisa que pude notar. Tudo o que fazia de maneira fora do habitual era visto como estranho e me julgavam por isso.
Então, fiz 13 anos e minha nova turma na escola era ainda mais barulhenta. Eu sentava na frente da professora e tentava ficar invisível ali. O aluno novo chegou e a voz dele se destacou entre as outras. Percebi que apesar dele falar tão alto quanto os outros, o tom da sua voz era grave e isso me agradava de alguma forma. Naruto, o novo barulhento, sentou atrás de mim e parecia não parar de falar nunca. Levantava-se a todo instante e parecia sempre a beira de brigar com alguém. Ouvi a professora resmungar algo sobre ele não ser normal e pensei que apesar de totalmente diferente, ele tinha semelhanças comigo.
Mesmo com Naruto falando até demais, sua voz não me deixava incomodada como acontecia com a maior parte das pessoas. Mas além de falar muito, ele era um bom ouvinte. O loiro agitado fazia questão de passar os intervalos ao meu lado, mesmo que eu jamais tenha chamado ou verbalizado algo do tipo pra ele. Talvez fazia isso porque as outras crianças também o excluíam, assim como faziam comigo. Ele me perguntava várias coisas e eu só respondia as vezes, sempre com poucas palavras, raramente de forma mais longa. Ele demonstrava paciência comigo e nessa época eu tinha medo de incomodar com a minha fala baixa, mas Naruto fazia tudo parecer mais fácil.
— Sakura, do que você gosta? Eu gosto de filmes de corrida e de luta. — Eu gosto de flores. — Flores? Tipo mato? — Não, flores mesmo. Como narcisos, ageratos, alamandas... — Isso parece legal já que você lembra todos esses nomes difíceis — ele riu — Qual sua cor preferida? A minha sem dúvidas é laranja. — Rosa, mas azul faz eu me sentir bem. — E seus olhos são verdes. — E os seus são azuis.
Até hoje temos conversas assim e por algum motivo, eu fiquei bem emocionada nesse dia. Lembro até de ter contado pra minha mãe do novo amigo (apesar dele ser meu amigo há mais tempo que isso). Ainda no mesmo ano, durante a primavera, Naruto faltou por uma semana. Aquilo me incomodou bastante, afinal ele já fazia parte da minha rotina. Entendia que eu gostava de fazer a mesma coisa todos os dias e sempre dizia que não faltava aula por minha causa. Aquela foi uma longa semana. Na segunda feira seguinte ele foi à aula, mas não era mais o Naruto que eu conhecia. Ele parecia cabisbaixo, não estava sorrindo, correndo, gritando e por mais que eu tenha dificuldade em saber o que as outras pessoas sentem eu podia ver que ele não estava bem. Na nossa conversa daquele dia, mesmo sem eu perguntar, ele me contou o que havia acontecido.
— Sabe Sakura... Você deve estar chateada por eu ter faltado... — Um pouco... Eu senti falta de você durante a semana. — Quer saber o que aconteceu? — Quero. — Hm, sabe... Meus pais me levaram a um psicólogo há uns meses atrás. Conversei com aquele cara e respondi o que ele perguntava, mas depois ele falou pro meu pai que eu devia ir a um psiquiatra também e a outro medico que não lembro o nome agora. Essa semana eles disseram que eu tenho TDAH e fiquei indo a médicos, além de ter começado a tomar remédio... — O que é isso? — O que...? Ah o TDAH? É um transtorno... Essa palavra me soa estranha sabe? Como se eu fosse realmente problemático... Mas bem, falaram tanto sobre isso que eu não sei nem explicar pra você, mas vou tentar ser claro — ele ainda olhava para frente, mas nessa hora virou e olhou para meu rosto, colocando a mão sobre o próprio peito — Uma pessoa com TDAH é o que eu sou, é o meu jeito de ser. — Agitada, falante, sorridente? — Acho que sim — ele riu — Isso é ruim? — Pra mim não, são só características suas, não entendo porque seria um transtorno... — Meus pais e os médicos falam como se fosse ruim então não sei... — Você é bom, Naruto.
Depois disso ele me abraçou, e mesmo eu não gostando muito de contato físico, naquele dia achei bom e importante. Pelas semanas que se seguiram Naruto continuou para baixo, mas aos poucos recuperou seu jeito. Nas aulas ele parecia mais concentrado e começou a jogar vôlei todas as tardes depois da escola. Mesmo com as mudanças ele ainda continuava sendo o mesmo amigo que eu conheci. Só hoje eu paro pra pensar sobre esse tempo, que ali foi meu primeiro contato com alguém que falou sobre um transtorno e onde eu comecei a entender que somos todos diferentes de várias maneiras. Estava tão acostumada a ver todos em minha volta agindo da mesma forma como se fossem iguais, então era difícil notar essas diferenças que pareciam invisíveis, mas sempre estiveram ali.
Com 17 anos eu já estava no final do ensino médio. Naruto e eu ainda estudávamos juntos e eu sempre ia a seus jogos de vôlei. Agora ele tinha uma namorada que conheceu no clube, ela fazia balé e era muito tímida, mas se dava bem comigo. Nessa fase eu já falava mais e gostava muito de conversar com meus amigos, que no caso eram apenas os dois. Hinata estudava em outra escola, mas me ligava dia sim, dia não. Ela também tinha entrado na minha rotina e assim como o namorado, entendia como eu gostava de fazer sempre o mesmo. A vida estava sendo boa, fácil e eu continuava sendo a mesma pessoa. Em certo dia, depois de um jogo do Naruto, fomos a uma lanchonete. Nunca gostei muito de comer em público por conta das minhas “manias", mas adorava a batata frita que vendia ali e me sentia confortável na frente dos dois.
— Sakura o que você quer fazer na faculdade? — Hinata falava um pouco baixo e sempre ficava vermelha de vergonha quando falava. Sempre foi fácil conversar com ela sobre tudo. — O que se faz na faculdade? — eu realmente não tinha noção e apesar de passar metade do ano escutando os professores falando sobre provas de vestibular e de como nossas vidas dependiam daquilo, mas eu pouco sabia para que servia uma faculdade. E ali, com eles, não tinha vergonha de perguntar essas coisas que poderiam soar meio óbvias. — Bem, você escolhe algo que gosta pra estudar e se especializar. Pode ser sobre Moda, História, Geografia... Eu também não sei como explicar. — A Sakura gosta de flores — Naruto completou a fala da namorada. — Oh, sério!? Você podia estudar Botânica, Sakura. — Falem mais devagar — eu ri — Parece ótimo... Vocês acham que eu consigo passar nessas provas?
Naquele dia, vejo agora, algo mudou em mim e eu sabia que estava pronta pra isso. Quando contei a minha mãe ela não pareceu muito feliz inicialmente, talvez por eu ter que passar mais tempo longe de casa, mas o apoio veio logo em seguida. Eu compreendo que ela sempre me viu de maneira diferente das outras pessoas, afinal enquanto pra muitos eu era a estranha, pra ela eu era a frágil. Dona Mebuki tinha medo que o mundo me machucasse mesmo que ela mesma dissesse todos os dias o quão forte eu era e como eu poderia conquistar tudo que quisesse.
Com 18 anos fui aprovada no curso de Botânica. A faculdade ficava um pouco longe de casa, mas Hinata havia passado também e eu me sentia mais aliviada por isso. Naruto não tinha passado, mas estava muito animado por ter sido chamado para jogar vôlei em um time profissional. Se antes a escola me deixava deslocada, na faculdade as coisas me deixaram ainda mais confusa. O barulho era muito maior, todos os corredores eram cheios de pessoas esbarrando em mim e isso me incomodava demais. Se antes a ideia de ter Hinata por perto me deixava melhor, depois de descobrir que ficaríamos em prédios diferentes e ela estaria longe quase o tempo todo me deixou apavorada e ansiosa.
No terceiro dia todos os calouros deveriam fazer uma avaliação psicológica simples, organizada por alunos do último ano de Psicologia. Não tínhamos muitas explicações do porque disso, mas eu estava na fila de espera junto de toda minha turma. Já tinha certa noção do que um psicólogo fazia, porém jamais havia falado com um e isso me deixava estranha. O que eu teria de falar? Como seria essa conversa? Não demorou muito até eu ser chamada e minhas dúvidas serem sanadas. A sala era pequena com alguns cartazes nas paredes falando de doenças psicológicas e havia uma moça sentada atrás de uma mesa usando um jaleco com seu nome, Ino, bordado em rosa, o que me fez ficar mais calma. Ela era muito bonita, tinha olhos azuis e um cabelo loiro muito longo. Eu estava parada na porta quando ela me viu e sorriu pedindo para eu sentar.
— Você é a Sakura Haruno? — ela verificou meu nome na ficha. — Sou eu... — Muito bem Sakura, eu vou só perguntar algumas coisas, pode me responder o que quiser e como quiser tá bem?
Ela era muito gentil. Perguntou sobre a minha família, minhas motivações de ter escolhido aquele curso e faculdade e sobre como havia sido meu ensino médio. Acredito que essas eram as perguntas que seguiam o protocolo e enquanto eu falava, ela me olhava atenta como se tentasse me ler, e bem, isso me incomodou já que nunca consegui manter contato visual com alguém por mais que alguns segundos. Sempre foco em algum ponto da parede ou do teto quando falo com alguém e ela parecia ter notado isso. Quando acabaram as perguntas, Ino continuou me olhando enquanto parecia pensar em algo.
— Sakura, você se incomodaria se eu lhe perguntasse mais algumas coisas? — Não... Não tem problema.
Ela perguntou sobre a minha infância, sobre meus amigos e das coisas que eu gostava de fazer. Nesse ponto a conversa já estava mais leve e eu me sentia como se estivesse conversando com Hinata. Quando terminei de contar a ela sobre o meu casaco rosa e como eu gostava de ter algo daquela cor comigo, Ino sorriu.
— Estou feliz de ter te conhecido Sakura, você parece uma pessoa muito especial. — Pareço? — Sim... Sabe, você parece bastante com meu melhor amigo e ele é muito especial — não havia entendido nada até então, mas deixei passar. — Então... É só isso? — apesar da conversa ter sido boa eu já queria ir embora. — Bom Sakura, pra faculdade sim, mas sabe aquelas últimas perguntas que te fiz... Acredito que você deveria passar pelo psiquiatra da faculdade, ele é formado, tem anos de experiência e vai poder conversar melhor com você. — Psiquiatra? Por que você diz isso? — aquilo havia me assustado. — Ah, não! Não é nada demais ok? É só uma conversa. — ela sorriu ainda mais — Ele é uma pessoa bem gentil e agradável e ainda por cima é meu pai! Você vai adorá-lo, tenho certeza.
Toda minha conversa com Ino ficou rondando minha cabeça por semanas. Como apenas a consulta com ela era necessária pra faculdade, eu não procurei o psiquiatra. Em vez disso, guardei aquilo para mim por muito tempo sempre pensando que talvez ela tenha mesmo notado que eu sou estranha. Talvez eu tenha alguma daquelas “doenças” dos cartazes? Depois de muito tempo resolvi contar pra minha mãe e ela também pareceu espantada, mas diferente do que achei, ela me incentivou a procurá-lo e só me deixou quieta quando eu disse que iria. A sala do professor Inoichi ficava no centro de Psicologia e não tinha sido difícil de encontrar, além de eu sequer precisar marcar uma consulta. Quando disse meu nome à secretária, ela falou que ele já estava me aguardando há um tempo e que era podia entrar direto na sala. Descrever todo aquele diálogo me desgastaria demais, foram muitos termos técnicos utilizados, além de testes que fiz. Aos poucos, o doutor Inoichi me falava sobre o que a sua filha acreditava que eu tivesse e foi assim que eu escutei o termo pela primeira vez: Síndrome de Asperger, uma condição psiquiátrica enquadrada dentro do TEA ou Transtorno de Espectro Autista. Quando o escutei explicar pela primeira vez foi como se algumas coisas começassem a finalmente fazer sentido. Eu estava entendendo a mim mesma agora e enquanto ele explicava eu associava cada uma dessas explicações à situações que havia vivido desde minha infância, seja a aversão a barulho, a dificuldade em me relacionar socialmente, minhas "manias”, minhas rotinas e etc. Eu já não era mais a garota estranha, a anti-social esquisita. Eu havia descoberto sobre mim, era Sakura Haruno, uma Asperger.
DEPOIS
— Saky, você acha que fico melhor no vestido azul ou no rosa? — Ino me perguntava pela chamada de vídeo, logo virando a câmera e eu pude ver dois vestidos bem arrumados sob sua cama. — O rosa, eu acho que quero usar o azul hoje — ainda estava no trabalho, mas tinha conseguido um intervalo para ligar para ela. — Então eu uso o rosa e você o azul? Ah vamos ficar tão lindas, vai criar um contraste perfeito com seu cabelo e meus olhos... Tá vendo como a gente combina Sakura?! — ela perguntou rindo e eu não consegui esconder a risada. Concordei e logo em seguida me despedi, precisava voltar ao trabalho ou atrasaria tudo para o casamento que iríamos mais tarde.
Falar sobre meu diagnóstico de Asperger sem falar da Ino é impossível. Além de ela ter sido a primeira a desconfiar da minha condição, naquela mesma consulta ela também se aproximou de mim logo após o diagnóstico e fez questão de me apresentar ao seu melhor amigo, Shikamaru, que também tem Asperger. No caso dele, por ter sido diagnosticado ainda quando criança, tudo para ele parecia mais fácil ou menos complicado, afinal ele sempre soube o que ou quem era.
Isso me lembra do dia do primeiro encontro dele com a namorada. Aparentemente ele já gostava dela há muito tempo e ela sabia disso, mas não dava nenhuma resposta. Por isso Ino estava preocupada que ela fosse apenas uma megera que só queria se aproveitar do seu amigo "indefeso", então nos fez seguir eles até os dois pararem numa sorveteria próxima ao campus da nossa faculdade. Andamos silenciosamente pelas mesas e cadeiras até conseguir sentar próximo o suficiente pra ouvir o que eles falavam. Ino nos fez usar "disfarces" pra não sermos facilmente reconhecidas e assim o plano acabar falhando. Ela escondia o enorme cabelo loiro dentro de uma touca azulada da cor dos seus olhos enquanto eu havia colocado um chapéu simples de palha com uma fita vermelha em volta.
— Tomara que eles não nos vejam! — Ino tentava espiar através do espelho da maquiagem. — Isso só vai acontecer se você continuar falando alto assim - respondi. — Qualquer tom acima do normal é alto pra você, Saky. — ela fazia uma expressão que misturava curiosidade e frustração — Shhh eles começaram a conversar! — Você tá fazendo "shhh" pra si mesma? — Sinceramente, não achei que você fosse vir — disse a loira com um olhar intimidante. — Quase eu não venho... Essas coisas são... Problemáticas — respondeu Shikamaru enquanto coçava a nuca e olhava para os lados. — Que bom que veio então, venceu a preguiça dessa vez — ela falava como se quisesse provocar ele. — Ei! Da última vez eu furei porque precisava fazer uma coisa importante. — E o que seria essa coisa mais importante que eu? —Tch! Quem ela pensa que é falando assim com ele? — Ino parecia indignada. — Ela é bem... Direta — falei enquanto tomava meu milkshake. — Você tá do lado dela?! — ela se virou rápido batendo na nossa mesa e quase estragando a "missão". — Tive que ajudar um amigo. — pela primeira vez, Shikamaru olhou em direção a ela. — Em quê? — ela parecia acostumada a mandar. — Ele queria se declarar pra garota de quem gosta. — E você o ajudou nisso? — ela sorria sarcasticamente. — Sim... — Tá aí algo que eu adoraria ver, você se declarando pra alguém. — os sorvete chegaram bem na hora. — Sobre isso... Eu queria... — Ele parecia nervoso — Hmmmm! Eu já disse que amo sorvete de flocos? — ela lambia os lábios e sorria lindamente. — Já disse sim... Mas eu... O que eu queria dizer é que... — Tô ouvindo — ela parou de comer, limpou os lábios com o guardanapo e retocou o batom enquanto ele se enrolava com as palavras. — Eu não acredito que ele vai fazer isso! Ele tá doido?! — Ino se desesperou e eu só assistia a cena com atenção — Ér... Você sabe que eu sempre te achei muito gentil... Linda... Inteligente... E até um pouco mandona — ele fez aquilo na garganta pra voz sair melhor e engoliu em seco antes de continuar — Mas isso é uma coisa boa, já que se não fosse por isso nós não estaríamos aqui. — É verdade — ela comentou rápido. — Pois então. Agora isso eu não sei se você sabe, mas eu gosto de você — seu rosto mudou e dessa vez ela parecia estar tentando esconder felicidade — Sempre gostei, desde aquela vez em que tivemos a gincana na faculdade e eu venci você apesar de ter desistido só pra você ganhar, até aquela vez onde você me salvou daquele assalto com a única menina integrante da gangue que rondava o campus — conforme ele falava o sorriso dela ia crescendo e o de Ino também, ao ver a reação dela — Enfim, eu não tenho muito mais o que dizer, na verdade eu nem sei mais o que dizer. Que saco, isso não devia ser tão problemático. — Acho que já tá bom de falar, agora é hora de fazer algo melhor — ela se inclinou sobre a mesa e puxou ele pra um beijo um tanto quanto demorado. — AI MEU DEUS SEUS LINDOS!!! ME DEIXEM SER A MADRINHA, EU SEMPRE SHIPPEI!! —Ino não se conteve com a cena e saiu gritando sua aprovação ao casal, enquanto eu apesar de demonstrar a mesma calmaria de sempre por fora, por dentro sentia como se existisse uma "Sakura interior" bem energética dizendo "é isso aí Shikamaru, muito bem!". Ver alguém com a mesma peculiaridade que eu dar um passo tão grande assim numa área onde temos tanta dificuldade como as relações sociais é uma inspiração enorme pra mim. Quem sabe eu não seria a próxima a me declarar para a pessoa que amo... Uma certa loira que estava sempre ao meu lado.
Ino ficou linda no vestido rosa. Ela me apressava da sala enquanto eu continuava no banheiro arrumando meu cabelo rosa, cor que eu escolhi e que Ino se ofereceu pra pintar. O vestido azul tinha ficado muito bonito em mim e eu me sentia com uma autoestima inigualável, não só pela aparência agradável que o espelho me mostrava, mas por me sentir amada, incrivelmente amada pelos meus amigos e pelas pessoas em minha volta. Por saber que mesmo que a minha diferença seja quase que invisível, eu sei o que sou e amo esse meu eu.
— Sakura você vai demorar mais que a noiva? — Ino batia na porta do banheiro.
— Você acha mesmo que a Temari vai chegar atrasada? — perguntei abrindo a porta e ela sorriu me olhando de cima a baixo e respondeu rindo.
— Com certeza não, o Shika que vai se atrasar. Vamos!
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