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Homem em criogênio

Era uma técnica muito parecida à fictícia criogenização. As pessoas que visitavam o rapaz assustavam-se com a assunção daquela forma. Estava numa posição fetal orgulhosamente assumida enquanto a visão dava contornos tristes aos sorridentes invasores daquela liberdade. Saíram cheio de perguntas, ao passo que anteriormente eram de certezas que faziam pesar o ambiente. Ninguém soube ao certo como aquela intervenção artística contemporânea aconteceu. Levados pela curiosidade, reavaliaram meticulosamente a biografia do homem em criogênio. Quando já não teve voz, sua vida virou objeto de estudo aos eruditos, os quais atribuíram sentido a uma centelha de detalhes esparsos, para justificar a decisão daquele ente congelado, para entender como aquele exemplo da espécime humana havia decidido dar uma pausa em sua própria vida. 

O que os incomodava era o fato de não ser uma solução final, como a de um suicídio ou as diversas experiências mudadoras de vida que uma pessoa passa durante seu rotineiro caminhar e os mochileiros das certezas caminhavam pela sala de jantar do homem criogenado para encontrá-lo no canto da mesa, inexistente, com a respiração cerrada e os sinais vitais mínimos. Assim eram os pormenores da sua vida discutidos, estudados, debatidos e horrorizados. A perplexidade que essa não existência causara nos seus iguais. Imensas mesas redondas eram televisionadas enquanto o rapaz existia numa inexistência pendularia, vivendo em estado de exceção, sem dar alguma evidência de estar em algum lugar. Algum corajoso existente até chegou a postular o famoso questionamento: o homem criogenado ainda seria ele mesmo? Estaria ele num estado pendente tão bizarramente produzido que o rapaz sobre o qual nos debruçamos tanto, sobre o qual possuímos tantas incertezas físicas químicas sociológicas historiográficas e biográficas e ele seria o mesmo que fora outrora?

Essa pergunta logo fora esquecida, apesar da pertinência. Destinado aos filósofos, foi aos poucos se apagando como se apagou a filosofia naquela sociedade.

Nunca deixaram de ser debates fervorosos. A decisão que o rapaz que suspendeu a vida foi tão espalhafatosa que o espanto que se seguiu foi de igual intensidade. Nos diversos âmbitos da vida contemporânea, aquela sociedade partilhou das mais severas discussões e o cardeal foi enfático quando afirmou que não, Jesus não se criogenou por três dias naquele buraco em que fora posto para apodrecer. O milagre continuava o mesmo, porém estava muito curioso para saber no que os cientistas estavam decididos sobre a obra quase miraculosa do homem em criogênio.

A estranha decisão continuou por muito tempo sendo alvo de curiosidades. Artigos, programas de tevê e vídeos no youtube eram continuadamente produzidos devido às novas teorias que iam surgindo sobre como, por quê e quando. Até houve dúvida da data em que fizera tão façanha. Quando foi encontrado, deram por certo que o dia anterior era o mais plausível. No entanto, teorias sobre a natureza misantropa daquela entidade puseram em cheque tal teste: quem pode confirmar que não estivera assim por um ou dois meses antes? A ciência foi incapaz de resolver tal pendência, não era possível afirmar qualquer coisa uma vez que os próprios cientistas desconheciam a tecnologia utilizada para tal estado de matéria que virou o corpo dele. Como já se apresentou, criogênio foi uma convenção midiática para se referir ao ser, mas nunca houve confirmação de temperaturas próximas ao zero absoluta. Foi a coisa mais palpável que aquela sociedade tinha em mãos para definir a estranha situação, mesmo que isso fosse algo quase que importado de ficções científicas. 

O que mais incomodava era a vida não interrompida, mas colocada em espera. A romantização do momento era de que homem em criogênio era espécie não rara de ser humano, que se sentia desconfortável com a década na qual havia nascido e decidiu fugir de si próprio e de tudo que o levou a ser quem o era. O romance que sintetizava esse pensamento terminava com a seguinte fim: "A crueldade era sentida em seus nervos, como se não houvesse pele como barreira entre a ação e a reação fisiológica. O homem em criogênio era uma vítima, de seu tempo, de sua família, de seus amigos e toda a sociedade que tecia essa rede de relações. Um sofrimento tão vívido contrastava com infindável esperança, a qual elevou a seus últimos termos". 

O jovem em criogênio ficou tão longe de si próprio que as razões de sua decisão nunca foram dele. Aquela sociedade da qual fugiu continuou elaborando suas teorias, seus sistemas filosóficos, seus axiomas e suas inteiras sentenças a ação quase extrema do ser humano, que decidiu por por um tempo em sua vida. E aquela sociedade morreu nessa ignorância, sem nunca ter encontrado qualquer vestígio real ou palavra que fosse do homem em criogênio. E seus homens e mulheres ficariam mais ou menos satisfeitos em escolherem dentre uma das diversas elucubrações teóricas que surgiram em torno da curiosa decisão. Até que a sociedade que surgiu da putrefação dialética da outra descobriu seus motivos, o homem em criogênio decidiu despertar numa sensação gelatinosa, vivendo a esperança de se encaixar no agora que se sucedeu. 

12 de Mayo de 2018 a las 02:29 0 Reporte Insertar Seguir historia
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