— Você tá bem?
— Sim.
— Tá mesmo?
— Já falei que sim.
Kevin faz silêncio por um tempo. E isso é difícil para ele. É difícil não falar sobre tudo o que aconteceu nas últimas horas, sobre as marcas estridentes e escandalosas que profanam o corpo de Charles.
Ele sente que isso é injusto. Quer falar sobre isso.
Mas os ombros contraídos e os olhos tensos de Charles o impedem.
Kevin não entende isso.
Se bem que, entre os dois, Charles sempre foi mais fechado. Não era de muitas palavras, não era de muitos sorrisos, não falava muito sobre a família – apenas depois de muita insistência Kevin descobriu que sua mãe era doméstica e o pai trabalhava em alguma fazenda de cana na cidade vizinha –, não falava muito nem sobre si mesmo. Mesmo quando acordam, um ao lado do outro, Charles ainda parece distraído.
E Kevin não entende isso.
Kevin, que foi presidente da classe durante três anos seguidos e que participou de todas as peças possíveis. Kevin, que alugou, sozinho, um apartamento em San Francisco, aos dezessete. Que já participou de tantas passeatas a favor do tal “Poder Gay” que já até perdeu a conta. Kevin, que um dia ser algo como Sean Connery ou Montgomery Clift e estrelar em Hollywood.
Ele não entende como uma pessoa pode ser tão... silenciosa.
Talvez seja por isso que ele não entende a retração de Charles. Ele já viu gente depois como ele mesmo. Com a pele branca e o sorriso ainda mais claro. Mas há poucos como Charles por aí. Charles, cuja casa vazia ainda hoje repercute sobre cada um de seus gestos e ações. Charles que, como uma flor rara, hesita em se abrir.
— Você pode conversar comigo – Kevin, enfim, diz.
Charles encara a noite escura por muito tempo antes de dizer alguma coisa. Durante esse tempo, Kevin não pode deixar de notar, não pela primeira vez, que ele e a noite tem a mesma cor. Assim como Ceceile – a mulher que preparava os assados que sua mãe oferecia às visitas.
— Não me olha assim.
— Não se sinta assim.
Charles suspira.
— As pessoas já te olham esquisito porque você é gay. Você quer mesmo colocar mais um alvo em suas costas? Porque você tá com um preto?
Kevin olha para Charles mais uma vez. Há lágrimas no rosto dele.
A respiração de Kevin fica mais pesada por um instante.
Eles nunca falaram sobre isso.
Mas, no fim, esse é o elefante na sala.
Não, não o elefante. Foram pessoas que marcaram, com todas aquelas cicatrizes e manchas roxas, o corpo – o corpo negro – de Charles.
Talvez seja por isso que Kevin não entenda Charles como entendia outros.
Kevin é branco. Charles não.
Mas ele não quer que isso impeça algo.
É por isso que, mesmo no escuro, deixa que suas mãos busquem as de Charles.
Como resposta, o rapaz deixa seus dedos envolverem os dele.
Kevin o ama por isso.
E, nesse momento, não tem dúvidas de que Charles o ama de volta.
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