"Devia ter amado mais
Ter chorado mais
Ter visto o sol nascer
Devia ter arriscado mais
E até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer
Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr"
Ame seus amigos com todo o seu coração.
Acordei no meio da madrugada estranhando o silêncio. Era um final de semana, e as festas na quebrada começavam na quinta e terminavam no domingo, regadas a muita bebida e som alto. As vezes em cada canto era um tipo de som, fazendo os moradores mais sérios quase enlouquecer.
Mas não naquela madrugada. Todos os sons estavam desligados. A quebrada estava em luto. As pessoas se recolheram cedo. Até os adolescentes estavam respeitando as famílias enlutadas e também o perigo que uma chacina representa. Ia demorar um pouco para todos voltarem as suas rotinas, mesmo porque tudo estava fervendo de polícia. Também ia demorar pros "homens" saírem da quebrada e dar espaço para os bailes voltar a acontecer.
Me forcei a voltar a dormir. Estava exausta, osbuscolhos doendo de tanto chorar, há dois dias não dormia, só chorava e bebia. Dom veio me naquela noite, passou umas duas horas comigo e minhas irmãs, rindo alto como sempre e fazendo piadas de tudo. Foi por isso que meu coração se acalmou um pouco. Dom era meu melhor amigo, nos conheciamos a quase 10 anos e ele era o amor da minha vida. Então eu sabia que teria essa visita. Minhas duas irmãs mais novas riram demais com ele no tempo que ficou com a gente, mas eu sabia que era uma fachada de defesa que ele sempre estampa no rosto quando a dor lhe é insuportável.
Ele ficou pouco tempo, Tereza veio buscá-lo. Mal falou comigo e deu um esporro nele ali mesmo, dizendo que os pais estavam preocupados. Dei razão a ela e não fiquei chateada. A dor de todos era insuportável.
Entrei depois de me despedir dele e dormi quase que imediatamente. Estava exausta. Desde que recebi a notícia pelo meu pai na manhã anterior, recebi muitas vistas. Todo mundo conhecia o trio parada dura formado por Adrielle, Dom e Beatrice, que ninguém conseguia entender se eram um casal. Normal. Nem nós sabíamos! Também tinha chorado demais depois da crise de riso nervosa que me deu. E aí comecei a beber. Quando Dom chegou mais cedo, tinha acabado de abrir uma lata de cerveja e ele brigou comigo, nem me deixou terminar.
Agora, eu nem conseguia voltar a dormir. Por mais que tenha bebido nesses dois dias, parece que não fazia efeito, eu estava sempre alerta e não conseguia ficar bêbada e entrar naquele torpor que anestesia a dor, mesmo que por pouco tempo. Talvez o álcool saísse do corpo junto com as lágrimas. Vai saber, não sou química e nunca gostei dessa matéria!
Olhei pra onde coloquei a lata de cerveja, ainda estava no mesmo lugar. Peguei e virei de uma vez. Estava horrível, quente e choca. Fui até a cozinha , peguei outra lata, peguei meu maço de cigarros e fui pro quintal. Se eu não conseguia dormir e nem anestesiar a dor, me permitiria chorar, chorar de verdade, e sentir tudo o que tinha perdido.
Eu tive chance de sair desse lugar, fiquei algum tempo morando num bairro nobre e tranquilo, tinha voltado a pouco mais de um ano. Se antes odiava esse bairro e a vida que levamos aqui, agora eu só quero ir embora. Sentada na escada , fumando e bebendo, me lembrei de quando percebi porque minha mãe sempre cuidou das nossas companhias e não nos permitia brincar na rua...
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