u16697447221669744722 Sérgio Pires

O amor pode acontecer entre um imortal e uma mortal? E se acontecer, ambos estariam dispostos a pagar o preço por desejar viver este amor? Caminhe conosco pelas trilhas cobertas de flores de cerejeira dos bosques do Monte Emei.


Fantasía Todo público.
Cuento corto
0
1.4mil VISITAS
Completado
tiempo de lectura
AA Compartir

O Imortal do Monte Emei

O vento gelado da noite balançava seus longos cabelos, agora em tons de branco e cinza, assim como trazia ao seu olfato apurado notas frescas das velhas árvores do seu monte. Ele já era seu guardião muito antes do florescer das muitas cidades que hoje existem.


Sempre observou os humanos ao longe, intervindo somente quando atentavam contra Emei, o monte sagrado que foi designado aos seus cuidados pela própria Imperatriz de Jade, e desde então segue cumprindo sua tarefa, cultivando dia a dia sua imortalidade. Reconhecendo seu valor de grande general na mortalidade, o Imperador de Jade lhe concedeu a graça da deidade, como o Deus da Guerra.


Os humanos, em sua ignorância das coisas que não conseguem ver com seus olhos mortais ou entender com suas mentes limitadas, referem-se a ele como um demônio que vive no monte, lhes trazendo medo e maldição, e isso de certa forma era bom, pois assim os aldeões se mantinham afastados de Emei, e Guan Gong poderia ficar mais tranquilo para desfrutar do canto dos pássaros e o borbulhar dos pequenos rios.


Porém, sua distância em relação aos humanos perdurou até certo dia de primavera, enquanto observava todo o esplendor das copas das árvores floridas, regadas ao som do suave burburinho que faziam as águas de um pequeno rio, o mesmo em que se encontra, ainda que seus sentimentos sejam totalmente diferentes de outrora.


Lembrou-se de como se conheceram e uma lágrima escorreu de seus olhos. Nessa época do ano, as flores das cerejeiras proporcionam uma aura mágica na floresta, tecendo pelos caminhos tapetes em um rosa esmaecido com suas flores que voam ao chão, carregando o ar com um suave perfume.


De súbito percebeu que, a poucos metros, ela estava sentada em uma pedra na beira de um rio, com seus pés pequenos remexendo dentro da água, fazendo barulho à medida que subiam e desciam, fazendo pequenas marolas.


Nunca encontrara uma mulher depois de sua ascensão, apenas aldeões medrosos que se aventuravam a caçar na montanha ou a coletar ervas. Seu longo e liso cabelo, de tão negro que era tinha tons azulados, contrastando com a brancura de seu rosto. Seus olhos amendoados eram castanhos com grandes cílios, e como se fosse desenhada pelos deuses, sua boca perfeita e arredondada, em um tom de vermelho que ao longe se destacava.


Achou melhor se esconder atrás de uma árvore para observá-la, não queria assustar a moça com sua presença, mas sentia que estava cada vez mais encantado, não só com a beleza, mas especialmente com a candura e pureza que emanavam daquela linda mulher que estava em seu monte.


E assim ficou, enternecido, até a hora que a moça se levantou graciosamente, olhou para o entorno com um sorriso em seus lábios antes de tomar a trilha para a aldeia. Por instantes até pensou estar visível aos humanos, mas ela apenas estava comtemplando a beleza do lugar. Parecia feliz.


O caminho do cultivo é um caminho solitário, e ainda que a mortalidade já não seja mais um desafio, o passar dos séculos lhe trouxe certo peso ao coração. A vida humana tem suas dificuldades, e a divindade e a imortalidade eram recompensas por seus feitos em vida, mas por vezes sentia falta do calor das relações humanas.


Obviamente não poderia se apaixonar pela linda jovem, afinal seria uma relação de uma mortal com um imortal, e os anos a levariam assim como todos os outros, e para sempre seu coração ficaria com o vazio de sua presença. Mas ainda assim não conseguia não pensar na moça.


Com ela inerte em seus braços, lança um olhar para o céu estrelado, e mais lembranças lhe vieram à mente.


Resolvera que manteria a observação, mas não tinha planos de se mostrar, se manteria invisível, porém naquele dia, um abelharuco curioso foi até sua direção, pousou gentilmente em seu ombro e começou a cantar. A moça desviou seu olhar da água do pequeno rio, e achou curioso que o pássaro estava flutuando, assustando-se com esse estranho fenômeno e dando um grito reprimido por sua mão, já se levantando para correr.


Guan tornou-se visível, segurou a moça pelo braço e disse:

— Por favor, não se assuste!

— Quem é você? De onde você saiu?

— Fique calma! Eu não a queria assustar!


A moça olhou diretamente em seus olhos, depois o analisou de cima a baixo. Era um belo homem, ricamente trajado, certamente era algum nobre da região, pensou ela, e fazendo uma mesura disse:


— Me perdoe jovem mestre! Não quis ofendê-lo!

— Não se preocupe! Eu que assustei você! Estava de passagem, caminhando e espairecendo, quando devo ter assustado aquele pássaro. Você está bem?


Guan inventou rapidamente uma desculpa, pois evidentemente não poderia falar quem era e que estava a observando há muitos dias.

— Estou bem, meu senhor!

Responde a jovem com mais uma mesura.

— Ora, podemos deixar as formalidades! Meu nome é Zhao Wen! E o seu?

Não conseguia desviar o olhar da moça, buscando seus olhos, que se mantinham baixos, em reverência.

— Me chamo Tian Si, meu senhor!

— Podemos ser informais e...

— Meu senhor, preciso ir, e sua liteira e seus servos deve estar longe e a tarde já vai alta, logo escurecerá.


E depois de uma longa mesura, se retirou tomando a trilha para a aldeia.

Guan ficou frustrado de certa forma, mas compreendia as atitudes de Tian Si, afinal ele era um estranho e de fato parecia ser da nobreza. Entendia bem como funcionam essas relações sociais entre os humanos.


No dia seguinte eles se encontraram novamente, Tian Si estava bela e radiante como sempre, e desta vez não se assustou com a presença de Guan.

— Boa tarde Tian Si! Espero não lhe assustar hoje!

— Boa tarde, jovem mestre! Não me assustou não, é uma alegria reencontrá-lo!

Quando ela foi fazer a mesura para cumprimentá-lo, Guan a segurou pelos braços, olhando no fundo de seus olhos, com um sorriso feliz, mas discreto.

— Por favor, seja informal comigo!


A moça assentiu com um menear de cabeça. A partir de então, seguiram muitos dias de encontros e longas conversas, sentados nas pedras na beira do rio. Falavam sobre diversos assuntos, não só para Guan saber como andava o mundo mortal, mas principalmente para conhecer mais sobre aquela mulher linda, que exalava um perfume tão bom quanto o da flor de cerejeira.


Já não se sentia mais sozinho com aquela agradável companhia e o peso das centenas de anos já não mais lhe incomodavam. Essas eram as lembranças mais dolorosas para ele, que agora acariciava o rosto alvo e gélido, que outrora era tão vívido nos sorrisos, conversas e risadas que ambos disfrutavam.


Em uma destas tardes, após mais uma conversa apaixonante, se despediram, cada um tomando caminhos opostos, Guan subindo o monte e Tian Si seguindo a trilha.


Um aldeão que de passagem viu ao longe eles se despedindo, e julgando pelas roupas e pelo porte de Guan, pensou que este era um nobre e o seguiu para oferecer seus serviços, mas para seu espanto, quando já estava quase o alcançando, ele simplesmente sumiu, como se entrasse pelas rochas do monte. Assustado correu para a aldeia e relatou o ocorrido ao chefe local, que não teve dúvidas sobre o que faria a seguir. Acusou Tian Si de se envolver com o demônio do monte, incendiando sua casa e expulsando toda a família Tian, já Tian Si foi presa e torturada.


Os dias se passaram e a angústia no coração de Guan apenas aumentava por não mais desfrutar da companhia de Tian Si, nem ao menos sabia o que se passava com ela, até aquele fatídico final de tarde, quando a encontrou novamente na beira do rio.


Os aldeões em sua ignorância cega acabaram por matar sua amada, e ofereceram seu corpo, em uma tentativa de criar uma armadilha para capturar o dito demônio que eles tanto temiam.


Correu até ela que estava com metade de seu corpo na água, com seus cabelos bailando junto com as marolas. Correu e a tomou em seus braços, mas já não havia o que fazer. A dor que sentiu e que o acompanharia pela eternidade era indescritível, mesmo para um imortal. Um grito desesperado se desprendeu de sua garganta, e todo o monte Emei balançou com sua tristeza.


Seu momento de luto foi interrompido quando percebeu na escuridão da mata, luzes trepidantes das tochas, eram os aldeões se aproximando para capturá-lo, mas não sabiam o que lhes aguardava.


Levantou-se, soltando delicadamente o corpo da jovem amada ao chão forrado de flores de cerejeira, olhou firme para o grupo que se aproximava e bradou:


— Humanos malditos! Por sua ignorância e crueldade pagarão com suas vidas! Eu, Guan Gong não terei piedade!


Os homens que saíram naquela noite jamais voltaram para a aldeia, e Guan Gong, castigado pelo Imperador de Jade foi condenado a viver cem vidas humanas, reencontrando Tian Si em todas elas e vê-la morrer novamente, antes de poder voltar ao cultivo e ao convívio dos deuses.

30 de Noviembre de 2022 a las 03:26 1 Reporte Insertar Seguir historia
1
Fin

Conoce al autor

Sérgio Pires Professor, radialista, escritor, editor, diagramador, produtor do Creepy Metal Show. Editor-chefe do selo Creepy Metal Show Editorial.

Comenta algo

Publica!
Marcelo Farnési Marcelo Farnési
É tão difícil alinhavar o lúdico às nuances de uma narrativa que tem a pretenção de nos tirar os pés do chão da realidade... Parabéns, Sérgio. Você conseguiu isso de forma precisa.
May 03, 2023, 21:02
~