Começo esse relato com misto de terror e alívio. 23:00 final do expediente, me dirijo à mais próxima estação do metrô são menos de trezentos metros, no entanto parece ser uma longa caminhada, estou acostumado com este trajeto e nunca me pareceu tão extenso. A noite está clara e fresca, uma típica noite de primavera sem nuvens para ofuscar o brilho da majestosa lua cheia, descendo as escadas que dão acesso à plataforma sinto o clima mudar, um frio de gelar os ossos se faz sentir, nesse horário o movimento é sempre pequeno, no entanto um senhor que vive ali e sempre me pede algum trocado, estranhamente hoje ele não estava, do mesmo modo que não havia ninguém na plataforma, absolutamente ninguém.
Como se o lugar já não estivesse por demais estranho, uma névoa úmida e fria vem pelos trilhos e inunda a plataforma, como se anunciando a chegada do trem e em poucos minutos o som da velha máquina se faz ouvir.
Não é o mesmo trem que costumo usar, a locomotiva não se parecia nada com os usuais VLT's que circulam já a algum tempo aqui, os vagões pareciam saídos de um ferro-velho tamanha a quantidade de pichações que cobriam até mesmo os poucos vidros que se mantinham inteiros, ele parou na plataforma dissipando um pouco a névoa e inusitadamente estava cheio, não era normal a essa hora da noite haver tantas pessoas ali, era o movimento do dia, nem tão abarrotado de pessoas, nem vazio como era de se esperar.
Mesmo estranhando aquela movimentação subi no primeiro vagão, as luzes nem de longe eram as de LED usadas normalmente, eram de um tom amarelado quase leitoso e iluminavam parcamente o recinto, isso aliado à névoa que ainda se mantinha viva dificultava grandemente a visão, procurei por rumo um assento vazio, visto que nada contribuía para a clareza da cena, quase no fim do vagão haviam dois bancos vagos que rápido tratei de ocupar.
Tão logo me sentei o maldito trem partiu da estação e agora sim, com a velocidade crescente a névoa se dissipou totalmente e pude ver meus companheiros de trajeto e por Deus, preferia que ela houvesse continuado ali.
Aqueles seres que me acompanhavam não eram humanos ou pelo menos não mais, havia um cheiro pairando no ar, era um odor parecido como roupa suja mofada, uma mulher estava em pé próximo a mim, não poderia dizer sua idade, vestia-se com uma minúscula saia estilo colegial, uma blusa de linha que um dia fora branca, seus cabelos davam a impressão de terem sido arrancados aos tufos e nas falhas sangue seco, os que restaram tinham a cor de fezes, seu olhar se perdia, aparentava estar sob o efeito de alguma droga muito potente.
Ao meu lado sentados em um par de bancos uma garotinha e um senhor de aparência cansada, a sensação que tenho ao lembrar aquela fisionomia é de pavor, como um predador cuidando de sua caça ele envolvia a garota, ele usava um puído chapéu de palha jogado para trás de sua pequena cabeça, sua pele de uma coloração amarelada dava a impressão de que a cirrose não tardaria a levá-lo, contudo seus olhos eram a pior parte, de um azul acinzentado minavam maldade, ódio, crueldade e perversidade, fitá-lo era encarar o mais profundo e negro abismo, já a garota era tão magra que seus ossos despontavam como se querendo rasgar sua pele branca quase translúcida, me lembrava o couro de uma lagartixa e dava a impressão de que poderia ver seus órgãos, não fosse o roto vestido azul que ela usava.
Ela fez menção de levantar-se e nesse momento o velho se interpôs como se para protegê-la, ela calmamente ergue a mão num gesto de que está tudo bem e levanta-se vindo em minha direção.
- Você não pertence a este lugar, aqui não é seguro para você. - Ela fala em um sussurro, como se minha presença ali não tivesse sido notada por mais ninguém, apenas por ela.
- Eu só quero ir para casa, vou descer na próxima estação. - Respondo também em sussurros, tenho medo dela, do velho e de todos ali naquele vagão.
- Não existe próxima estação. - Dizendo isso ela volta para seu lugar ao lado do velho, me ignorando o restante da viagem.
Meu relógio não funciona e assim perdido no tempo a viagem parece interminável, as "pessoas" em suas vestes medonhas e sujas me causam arrepios, todos, sem exceções tem a face transfigurada, não parecem humanos.
O trem mantém-se em linha reta pelo que me pareceram horas, então com uma curva acentuada para a esquerda começa a parar, espero todos saírem, não tenho estômago para andar ao lado daquelas coisas. Fico ali alguns minutos entre apreensivo e ansioso, até que a porta que dá acesso à locomotiva se abre e o ser mais horrendo que vi até aquele maldito momento, sai em direção ao vagão de passageiros, era tão alto que precisou se curvar para passar pelo batente, era magro e negro, não como uma pessoa normal, era como se fosse feito inteiramente de betume, uma massa moldada em piche, seus olhos eram duas esferas brancas, vazias e com aparência de cera velha, seu cabelo era liso, sujo e quase tocava o chão e cor de couro velho e o cheiro que emanava remetia à óleo de motor usado, me vindo a lembrança uma velha oficina que frequentava quando criança com meu avô. Esse ser não era humano, isso eu tinha certeza.
Fiquei quieto esperando que como os outros, esse também não notasse minha presença, no entanto foi inútil, se me viu com aqueles olhos sem íris, eu não sei, contudo veio rugindo em minha direção, não esperei ele chegar perto e tão pouco entendi o que ele gritava. Fugi como um cão assustado e em desespero cai ao sair do vagão, o chão era de terra e eu não estava em nenhuma estação de metrô.
Gracias por leer!
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