Estava lendo alguns pergaminhos quando Hinata me chamou para o terraço da casa, alegando ter algo para conversar com os nossos filhos. Após alguns minutos, onde organizei os papéis, me dirigi até o local.
Não sabia do que se tratava aquela reunião, mas ao chegar na cobertura, e ver todos os meus filhos na sacada conversando, procurei me atentar ao clima que os rodeava. Haiato estava um pouco mais para o lado, alheio às falas enquanto conversava com a filha do teme. Aime discutia com Hikari, e como as crianças que ainda eram, deveria ser por algo provavelmente bobo. E no meio de todos estava ela, minha primogênita, segurando a mão de Kawaki e com um sorriso no rosto, daqueles que eu a invejava por não ser capaz de reproduzi-lo.
— Papa! Você chegou! — Ela veio correndo e me abraçou, tirando-me daquele transe que me fazia ficar amargurado. — Quero te apresentar alguém.
— Eu já o conheço — falei de forma fria, assustando-a um pouco.
Automaticamente minha esposa me lançou um olhar repreensivo, e me senti culpado por ter diminuído o sorriso genuíno da minha filha. Endireitei a postura e tentei fazer a minha melhor expressão quando apertei a mão do Uzumaki de forma firme, quase fazendo o moleque reclamar de dor.
— Senhor Uchiha, estou apaixonado pela sua filha. — Foi direto, sem rodeios, e naquele momento, fiquei paralisado. — Gostaria da sua permissão para namorar Sarada.
Então, de repente, tudo voltou. Minha filha, que estava com a mesma idade de quando passei pelo pior dia da minha vida — onde Orochimaru cumpriu sua promessa de tomar o meu corpo —, estava a ponto de começar sua própria história. Não era cedo demais para isso? Como ela poderia confiar em alguém que quase destruiu a nossa vila? E se algum dia Kawaki saísse do controle e a machucasse? Se ele…
— Não, não aceito.
— Anata! — Hinata me repreendeu baixinho, mas naquele momento eu não tinha como encará-la, nem refutá-la.
A minha esposa era a única que sabia, detalhadamente, daquele fatídico dia, e isso foi um dos principais motivos por eu ter me apaixonado por ela. Hinata era luz, alguém que não te vê com olhos de julgamento, que não te impõe opiniões, que aceita as suas e que sugere as dela em meio a uma conversa calma, pacífica. Ela sempre foi o meu porto seguro, alguém em que eu podia sair contando sobre todas as decepções e tristezas que já passei na minha vida, e que sempre me fazia sentir melhor, depois de já ter algo na ponta da língua, pronta para derrubar todas as minhas estruturas. Aquela mulher foi feita para mim, para me tranquilizar, para me fazer feliz, para me amar — assim como fui feito para ser inteiramente dela.
— Você ainda é muito nova, Sarada. — Olhei nos olhos dela, esses que estavam marejados, e, mais uma vez, eu fazia a minha filha ficar triste.
Como poderia dizer para ela do porquê que eu tinha tanto medo de aceitar aquele namoro? Queria poder confiar em Kawaki, não, eu quero poder confiar nele. Só que é difícil fazê-lo quando a minha única preocupação é no bem estar da minha filha, porque se ele fosse capaz de encostar um mísero dedo nela…
— Não se preocupe, Sara, seu pai só foi pego de surpresa. — Hinata me tirou dos meus pensamentos, se colocando a minha frente e apertando minha mão em um gesto carinhoso. — Tenho certeza que depois ele pensará melhor sobre seu namoro.
Com um sorriso que poderia iluminar toda aquela área de lazer, ela abriu os braços para Sarada, que foi prontamente retribuída num abraço apertado.
— Obrigada, mamãe! — Escutei-a sussurrar.
Assim que saiu daquele momento de apoio, ela limpou algumas lágrimas que escaparam, para logo depois sorrir para mim. Eu não entendi muito bem o motivo daquilo, não quando estava a impedindo de ser feliz, pelo menos naquele momento. Então, por que diabos eu era o alvo daquele sorriso tão compreensível?
— Ne, papa, eu espero que você veja como nós dois nos amamos… — Abriu ainda mais o sorriso, e dessa vez, direcionando para o envergonhado do Uzumaki. — Assim como você e a mamãe.
Então era esse o sentimento de liberdade que eu estava sentindo vindo dela? Minha primeira filha, aquela que, infelizmente, deixei de ver e viver várias de suas primeiras vezes, estava diante de mim, crescida. Entendi que, por mais que tenha sido um bom pai após todos esses anos, nada me prepararia para o dia em que daria à minha filha a escolha de fazer o seu próprio caminho, sua própria família.
Não que a minha desaprovação fosse fazê-la se sentir confiante o suficiente para começar aquele relacionamento, não, pois eu sabia que eles continuariam se encontrando mesmo depois daquela negativa. Era só olhar as expressões dos dois, que, em nenhum momento, vacilaram com a minha fala.
— Eu vou ser digno de ser o namorado da sua filha, Uchiha-san. — Só essa pequena frase foi o suficiente para fazer Sarada enrubescer, e logo depois se jogar nos braços dele.
— Abra sua mente, anata. Tente sentir o que eles estão sentindo — minha esposa sussurrou, encostando a cabeça em meu ombro enquanto sorria.
Eu fiz o que Hinata pediu, voltei a olhar os dois, que ainda estavam abraçados, mas agora em meio a sorrisos e sussurros, que eu não conseguia decifrar o assunto. A forma como Kawaki a segurava, mantendo uma distância entre seu rosto e os olhos brilhando enquanto via suas expressões... Ele a mantinha em seus braços de forma protetora, como se a qualquer momento Sarada pudesse sair, ou escorregar por entre seus dedos. Eu sabia o que era aquele sentimento, pois senti a mesma coisa quando comecei a namorar Hinata, com medo de perdê-la por qualquer bobagem que eu pudesse falar.
As expressões da minha primogênita nunca foram difíceis de se ler, e eu nem precisaria do meu sharingan para sentir a felicidade que estava transbordando dela. Até parecia que tinha esquecido do que veio me pedir, ou já não ligava mais para a minha resposta, não quando a atenção dela estava totalmente presa nos olhos escuros do Uzumaki.
Ambas as orbes negras se olhavam com aquele brilho divertido, amigável, ah, e, principalmente, apaixonado. Sim, a forma como eles se olhavam não me restavam dúvidas, eles estavam apaixonados. Não, eles se amavam.
— Tsc, me peça isso novamente daqui dois meses, garoto. Vou ficar de olho em vocês — proferi de maneira firme, chamando atenção dos dois.
Sarada olhou para mim de maneira curiosa, tentando entender o que a minha fala escondia. Eu percebi a mudança rapidamente, mas nem todos os sentidos de um ninja me preparariam para aquele abraço surpresa que recebi. Enquanto se mantinha presa a mim, ela sussurrava agradecimentos e elogios à minha pessoa. Tsc, como se me elogiar fosse diminuir aquele tempo de vigília.
— Arigato, papa. É por isso que amo você!
Sim, aquela minha cópia sabia abalar as minhas estruturas. Nunca entendi como fui tão fraco em decisões quando o assunto era ela.
— Eu sei… — Tentei não ficar ainda mais envergonhado quando escutei a sua risada divertida, e, principalmente, a da minha esposa.
— Tudo bem, papa, eu guardo o seu segredo. — Piscou para mim, não sem antes tocar a minha testa, naquele gesto que tanto me trazia boas memórias.
Não tive tempo de reagir àquele nosso gesto de amor tão único, pois Sarada logo voltou a dar atenção a Kawaki, se afastando de mim para se reunir com os irmãos.
— Olha, não foi tão difícil, não é? — Hinata se aninhou no meu braço; ela tinha os olhos brilhantes. Minha esposa sempre foi uma chorona, embora mantivesse as rédeas da família melhor do que eu.
Às vezes até colocava medo em todos, inclusive em mim, que também não escapava das broncas. Oras, eu não tinha culpa quando Haiato destruía uma parte do jardim por utilizar um jutsu que ensinei, certo? Pensando bem, acho que ela tinha razão…
— Foi um pouco sim — falei com a minha típica expressão fechada, que somente Hinata poderia decifrar o que estava por trás.
— Não se preocupe, querido, nós estamos aqui para não deixar nada de ruim acontecer com ela.
Somente Hinata seria capaz de me ler tão perfeitamente, capaz de sentir o receio que eu estava tentando inútilmente esconder naquele momento.
— Não permitiremos, certo? — indagou de forma calma.
Não, eu nunca permitiria. Se dependesse de mim e da minha esposa, nossos filhos cresceriam sem saber o amargor da traição, da decepção, da tristeza. Por nós, eles somente conheceriam a felicidade, a cumplicidade, o amor que os rodeavam como família, porém, as partes ruins nós nem sempre podemos evitar. Não quando cada um tinha sua própria autonomia quanto a traçar seus caminhos da forma que queriam. Não, isso a vida os ensinaria. Nós, os pais, somente estaríamos aqui para trazer amor, para ser a calmaria em meio ao caos, para ser brigada enquanto precisassem.
— Não, Hime. Jamais permitiremos — respondi enquanto a puxava para plantar um beijo em sua testa, para logo depois voltarmos a nossa atenção à família Uchiha.
Sim, a minha família. Aquela que eu construí, não porque me cobravam a continuação do clã, mas sim por amor. Um casamento repleto desse sentimento não traria outros frutos, senão meus filhos. Mais uma prova daquilo era o nosso quinto herdeiro, que ainda era pequeno demais para ser compartilhado com os irmãos, já que Hinata queria manter segredo até os três meses.
Sinceramente, eu jamais vou entender o que fiz para merecer tudo isso. De todas as coisas ruins que já fiz para minha família, meus amigos, por mim. De tudo, a única coisa que sempre recebia em troca era amor, compreensão, irmandade. Nada de mim nunca estaria inteiramente agradecido ao meu time, a minha primeira família. O time sete, naquele tempo tão abalável, foi o meu porto seguro. Não que eu tivesse dito isso a eles, mas Kakashi sabia, Sakura sabia, o Naruto… Bom, o Naruto sempre soube, por isso tanta determinação para me salvar de mim mesmo, da escuridão em que eu me escondia. Ele é, e sempre foi, o irmão que perdi tão cedo, seja pelo amor, pelo ódio ou pela vingança, foi ele quem me fez refazer aquele laço. Um laço que jamais irei destruir novamente.
— Papai! A Sarada-nee não vai mais brincar com a gente! — Senti-me ser agarrado por aqueles bracinhos pequenos. Aime tentava falar de forma rápida, ajudando as palavras a saírem entrecortadas pelo choro contido.
— É verdade, mamãe, agora ela só vai brincar com o Ka-wa-ki — Hikari falou, resmungando nos braços da mãe.
— É claro que não, Sarada jamais faria isso. Aposto que ela vai brincar com vocês mais tarde — Hinata falava de forma gentil, afagando os cabelos da nossa filha, enquanto eu tentava consolar Aime.
Olhei para a minha primogênita, que estava alheia à pequena comoção das gêmeas pela sua atenção. Ela conversava com Kawaki, Haiato e Himawari, numa conversa animada. Quando vi o Uzumaki puxá-la para um abraço e beijar sua bochecha, coloquei meu primeiro plano em ação. Tsc, não enquanto eu estivesse por perto.
— Crianças, por que não vão chamar a Sarada para brincar? Ela não vai negar.
— Sério, papai? — Aime automaticamente sorriu, esperançosa.
— Nós podemos, mamãe? — Hikari ficou na dúvida, mas ao invés de Hinata, fui eu quem a respondi:
— Com certeza, podem ir. — Depois que perceberam como minha fala saiu séria, elas se animaram e pediram para descer dos nossos colos.
Em menos de dois segundos, as gêmeas já estavam com o casal, que obrigatoriamente se separaram para receber os furacões que eram as minhas filhas. E o meu plano… esse não funcionou tão bem, já que Kawaki se juntou a brincadeira que Sarada estava fazendo com as meninas. Tsc, que moleque atrevido.
— Que maldade, anata — Hinata riu baixinho, evidentemente sabendo do que eu pretendia.
Às vezes ficava chocado em como aquela mulher me lia facilmente!
— Mas não deu muito certo — resmunguei, voltando a abraçá-la.
— Quem sabe numa próxima vez. — Olhei para ela, soltando uma risada nasalada.
Não era só eu que estava com ciúmes da nossa filha! Era sobre isso, um casal de pais que tinha que passar por aquela provação, juntos.
Um casal… Observei minha esposa. Em todos aqueles anos casados, em nenhum deles aquela pequena garota deixou de ser linda aos meus olhos. Não teve um dia em que não me vi amando-a.
— Hinata… — Aquelas três palavrinhas, as que tanto me faziam travar para proferi-las, mais uma vez estagnaram na minha voz.
Foram poucas as vezes que eu disse que a amava; dava para contar nos dedos. O primeiro veio quando eu me vi perdido no olhar dela, na nossa sexta missão juntos. O segundo veio quando eu a fiz minha, meses depois, no nosso casamento. O terceiro saiu de forma rápida, entrecortada e em meio às lágrimas, no dia que a nossa primogênita nasceu. Desde então, dezessete anos depois, eu me empenhava em demonstrar mais e falar menos. As minhas atitudes dizem mais que minhas palavras, e era assim que eu mostrava o quanto a amava.
— Eu sei, querido, eu sei — ela sorriu, agora tomando a atitude de me abraçar. — Nós também, anata. — Hinata colocou minha mão em seu ventre enquanto falava.
— Papai, mamãe, venham brincar com a gente! — Hikari chamou, nos tirando daquele clima ameno.
Sim, eu era amado. Sim, eu era feliz. E sim, faria de tudo para deixar o meu passado para trás e viver somente aquele presente, literalmente um presente, que Hinata me deu, que eu construí. Não importa se sou merecedor, essas contas só serão acertadas quando eu estiver morto.
E naquele momento, a única coisa que me importava era atender o pedido da minha filha em me fazer de cavalinho.
Gracias por leer!
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