Olá, pessoas! Tudo certo?
Bom, eu achei que não ia conseguir escrever nada pro #cheirodelivro e até estava triste por isso, mas, nos últimos instantes, aqui estou eu hahahah
Apesar de ser uma história escrita de última hora, eu me diverti bastante escrevendo e espero que vocês curtam. beijinhos 🥰.
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A minha história parece a coisa mais absurda do mundo. Claro que sim. Afinal de contas, nela eu afirmo a existência de deuses. E é claro que eu nunca contei nada sobre isso pra ninguém — todos me chamariam de louca, sem dúvidas, e minha mãe é particularmente paranóica com o que diz respeito a esse tipo de coisas, então não quis tentar a sorte. Acontece que eu precisava muito desabafar, então me veio uma ideia: por que não fanficar? Eu sempre quis tentar mesmo!
Olá! Meu nome é Mariana e eu acabei de fazer 15 anos. Sei que talvez você tenha coisas mais importantes para fazer, mas ficaria feliz se ficasse aqui comigo e descobrisse um pouco mais sobre o que tive de enfrentar naquele dia.
Bom, era fim de Abril de 2021, em meio à pandemia do COVID-19. Eu moro em São Paulo e praticamente nada lá estava funcionando, mas mesmo assim precisei sair naquele dia — morrendo de medo, devo dizer, em principal quando vi que o ônibus estava lotado — para buscar o remédio de pressão da minha avó, que mora na casa ao lado da minha.
Quando desembarquei do ônibus, na volta do postinho de saúde, com a sacola de remédios da vó na mão, prendi a respiração com o que vi: um senhor magro parado no ponto de ônibus. Mas, claro, não prendi a respiração por ver o velhinho, fiz isso ao perceber o que ele segurava, que era um carrinho de mão — desses de construção mesmo, parecia até bem surrado e com marcas de tinta e tudo — LOTADO com livros.
Eu sempre amei ler. Sempre mesmo — e isso não fez de mim a aluna mais popular da escola, infelizmente, porque eu sou uma pessoa legal e divertida. E como uma boa leitora, me aproximei do senhor, os olhos cravados nos livros.
— O senhor está vendendo? — perguntei, e minha voz saiu abafada por causa da máscara.
Ele fez que não, parecendo bastante solene.
— Este é o meu sebo ambulante — respondeu o senhor. Apesar de ele também usar máscara, era nítido que sorria, parecendo empolgado por ver alguém interessado nos livros. — Eu costumo sair uma vez ou outra pra doar alguns dos meus livros. Hoje em dia, infelizmente, não encontro muitas pessoas interessadas, mas mesmo assim... Eu adoro compartilhar o melhor que o mundo tem a oferecer. E nada melhor do que viajar nas páginas de um livro.
Eu assenti com avidez, já de olho em um livro de capa verde cheio de glitter, que estava logo abaixo de um livro de Dante. Eu queria pegar, lógico, mas estava com um pouco de vergonha e com medo de ser acusada de estar atrapalhando o tráfego (eu estava parada na calçada que dava pro ponto de ônibus).
— Será que posso pegar um? — perguntei timidamente. — Eu adoro ler.
— Ah, mas é claro. Fique à vontade pra procurar.
Você já deve saber onde foi que enfiei minhas mãozinhas, não é? Pois é. Não resisti e fui direto ao livro verde com glitter. Na capa havia o desenho de um Minotauro e eu podia jurar que já tinha visto artes parecidas com aquela, e o título só confirmou minha impressão: Percy Jackson — O Presente de Hermes.
— Ué! — falei. — Mas que livro é esse?
O velhinho, com as sobrancelhas franzidas, se curvou em cima do livro pra vê-lo melhor.
— Ah, sim. Esse livro. Bom, ele é um livro recente, na verdade. É muito bom. Devorei em menos de uma hora.
Bom, aquilo não me surpreendeu, até porque era um livro bastante fino. Um conto, provavelmente.
— É de uma nova saga ou o quê? — quis saber.
— Ah, não, não. Esse aí se passa depois de O Último Olimpiano e antes de O Herói Perdido, da saga Os Heróis do Olimpo.
Meu coração deu um pulo. Eu amava os livros de Rick Riordan mais do que tudo, mas não sabia sobre o lançamento daquele livro. Deixei um assovio animado escapar de meus lábios e já abracei o livro.
— Posso ficar?
— Mas é claro! — disse ele.
Eu agradeci, sem jeito, e depois disso disparei pra casa. Queria ler o livro o mais rápido possível. Passei na casa da minha avó para deixar os remédios dela e depois fui pra casa. Minha mãe me chamou, mas disse que falava com ela depois e fui direto para meu quarto, empolgada.
Quer saber de uma coisa engraçada? Eu sequer me dei o trabalho de pegar o celular e pesquisar sobre o livro. Isso nem me veio à cabeça. A única coisa que se passava por minha mente era o quão sortuda eu tinha sido de ter encontrado aquele senhor.
Me deitei em minha cama e abri o livro. E foi aí que a coisa mais estranha do mundo todo aconteceu na minha vida.
Eu senti dores pelo meu corpo todo e as coisas pareciam um pouco confusas. Eu não estava lendo? Então, onde estava o meu livro? E por que eu estava sentindo um cheiro estranho de mato?
Abri os olhos e imediatamente soltei um grito.
Em toda minha vida eu nunca tinha visto uma coisa tão bizarra. E ela estava lá, me encarando com aquele monte de olhos arregalados, surpresa pelo meu grito.
— Ei! Calma aí. Calma. Calma.
Uma menina com voz doce, mas bastante incisiva. Eu me agarrei a ela como se minha vida dependesse disso. Ainda estava na cama, mas agora no cantinho, segurando desesperadamente naquela garota que eu não fazia ideia de quem era enquanto olhava pra um cara loiro, com cabelo de surfista, e vários — e quando digo vários, quero dizer VÁRIOS MESMO — olhos azuis espalhados por toda parte do corpo e rosto.
— O que é ele? — perguntei a ela, a voz trêmula.
— Argos — chamou ela —, tudo bem. Pode deixar que cuido dessa mocinha aqui.
Argos? Eu conhecia aquele nome de algum lugar — e era um nome importante pra se lembrar naquele momento —, mas não estava conseguindo puxar a coisa toda da memória. Me sentia apavorada demais pra isso.
Ele fez alguns gestos, mas eu realmente não queria mais olhar, então enfiei o rosto no vão do pescoço da menina. Meu coração batia acelerado. O que estava acontecendo comigo? Será que eu enfim tinha enlouquecido?
— Tudo bem, tudo bem — disse a menina.
Eu me separei dela com cautela, e só então a encarei. Ela tinha cabelos loiros que iam até o meio das costas, olhos cinzentos curiosos e inteligentes, um narizinho arrebitado e usava uma blusa laranja feia pra caramba.
— Quem é você? — perguntei. Não queria ser indelicada nem nada. Mas, poxa, já estava com medo de estar enganada quanto a quem eu era!
— Meu nome é Annabeth. Nós encontramos você caída na entrada do acampamento.
— Acampamento? — sussurrei, e então olhei ao redor.
Eu estava em um quarto amplo e bem iluminado. Da janela à minha esquerda eu podia ver várias casas — algumas muito esquisitas — e as que mais me chamaram a atenção eram duas que pareciam templos, e uma terceira que mais se parecia um mausoléu infernal.
— Homem com olhos pra tudo que é lado — eu refleti em voz alta, e Annabeth riu —, uma menina chamada Annabeth de olhos cinzentos e um acampamento? — Eu franzi a testa e, quando ela estava prestes a responder meus devaneios, eu gritei: — Acampamento meio-sangue!
— Ah, pelo jeito ela sabe bem onde está. — Um homem havia entrado no quarto com sua cadeira de rodas e estava parado de frente à cama, nos observando como se tentasse resolver um problema terrível.
Quíron, pensei no mesmo momento, o coração disparado.
Mas então um estalo me fez pensar com um pouco mais de clareza: a Anabeth parecia ser um pouco mais velha do que eu. E no final de O Último Olimpiano ela tinha ido morar com o pai, o que significava que eu deveria estar um ano depois daqueles acontecimentos. Lembrei o que o senhor que me deu aquele livro havia dito, sobre o livro se passar antes de Os Heróis do Olimpo, e engoli em seco.
De alguma forma, eu estava dentro daquela história?
Ah, cara, eu tava muito doida, isso, sim. Ainda assim, eu não podia arriscar. Afinal, se eu estivesse no lugar deles, como eu me sentiria se uma estranha me dissesse que eu era um personagem de um livro? Ah, que horror, não podia fazer isso de jeito nenhum. Então achei por bem me fazer de desentendida.
— Ah... — balbuciei. — Acho que estou numa confusão.
— Uma confusão? — perguntou Annabeth, e trocou um olhar com Quíron. Foi impressionante perceber como eles pareciam sintonizados.
— Pois é. Bom, eu não sei como explicar isso direito, mas... Esse não é bem o meu mundo. Eu só... apareci aqui? E não sei como isso aconteceu.
— Esse não é o seu mundo? — perguntou Quíron, desconfiado.
— Bom. O negócio é que encontrei um senhor e ele estava com uns livros dentro de um carrinho de mão. Disse que era um sebo ou coisa assim. Aí eu peguei um livro. Eu comecei a ler, e quando percebi estava aqui.
— Ah, tudo bem se eu conversar com você a sós por um instante? — pediu Annabeth a Quíron, e os dois me deixaram sozinha no quarto.
Eu me levantei e fui espiar pela janela. Quase tive um ataque cardíaco ao ver um sátiro. Quando eu lia os livros, pensava que um sátiro devia ser a coisa mais fofinha do mundo, mas, caramba, ver aquela bunda e pernas peludas e aqueles cascos no lugar onde deviam haver pés era uma experiência quase traumatizante. Acredite em mim: os chifres, diante dessas coisas, não eram nada.
— Ah, querida — disse Annabeth, com calma, depois de voltar com Quíron —, como você se chama? Consegue se lembrar do seu nome?
Eu fiz que sim.
— Mariana.
— Mariana — pronunciou Quíron. — Tenho uma leve suspeita sobre o que pode ter acontecido com você, mas, para conseguir te ajudar, receio que você tenha que enfrentar alguns percalços.
Eu olhei pros dois, desconfiada. Já sabia que a cara deles queriam dizer encrenca, então engoli em seco. Apesar do medo que tinha de qualquer coisa que envolvesse esforço físico, eu me sentia preparada para uma aventura. Afinal de contas: não é todo dia que se pode conhecer seus personagens preferidos de livros!
— Eu entendo — disse por fim. — Estou preparada, desde que consiga voltar pra minha casa.
Talvez você esteja aí pensando: por que voltar pra casa? Por que não ficar mais nesse mundo? Bom, a resposta é bem simples: a minha vida não era nada perfeita, mas eu amava ser eu e amava minha família. Como eu poderia simplesmente esquecer meus pais e minha avozinha? Eu precisava voltar.
— Muito bem — disse Quíron. — Essa vai ser uma jornada difícil, Mariana, mas Annabeth e Percy irão te ajudar.
Meu coração perdeu uma batida quando ele falou o nome Percy. Ele continuou a falar, mas eu só conseguia gritar internamente: EU TÔ NO ACAMPAMENTO MEIO-SANGUE! EU VOU SAIR NUMA MISSÃO COM PERCY E ANNABETH!
— Entendeu? — perguntou ele. Eu pisquei, sem saber de nada.
— Hã... o que ele quis dizer — começou Annabeth —, é que temos que encontrar Hermes. Se tivermos sorte, conseguiremos achar ele no centro de Long Island. Não é muito longe daqui, então existe a possibilidade de tudo ser bem tranquilo, mas Percy e eu iremos com você pra garantir que você ficará bem.
— Hermes? — perguntei.
— Hermes é um deus grego. Sei que é difícil acreditar, mas...
— Eu sei quem ele é — disse eu, e dei uma risadinha. — Eu acredito em tudo isso. — É claro que nessa parte eu meio que menti: eu acreditava que os deuses existiam naquele mundo, mas sabia que eles não existiam de VERDADE. — E esse é um lugar onde semideuses ficam principalmente nas férias, não é mesmo?
Eles pareceram assustados, e nesse momento eu quis me bater por ter aberto o bocão daquele jeito.
— Gente, eu sei que vocês devem estar se perguntando como eu sei disso. Mas eu simplesmente não posso dizer. Não é que eu não queira nem nada, porque eu quero contar tudo, acreditem, é só que eu não posso. Acho que é a coisa inteligente a fazer.
Annabeth colocou a mão na cintura e pareceu bastante assustadora com aquele olhar perscrutador, mas Quíron, por incrível que pareça, parecia concordar e entender o que eu tinha dito — eu particularmente acredito que ele não fazia ideia do que estava acontecendo, mas preferia não se envolver mais.
— Arrumem-se — disse ele. — Vou tentar contatar Hermes e avisar que vocês estão a caminho.
Eu fiquei na expectativa, louca pra conhecer a nova receptáculo do Oráculo — apesar de que eu achava bem mais legal quando o oráculo ainda era um esqueleto —, mas em vez disso Annabeth me levou para um celeiro grande e decadente, tipo aqueles que vemos em filmes dos EUA. No meio do caminho, vi alguns campistas, mas Anabeth me disse que nem todos tinham chegado ainda.
— Eu não acho que seria bom dar uma arma a você — disse ela —, mas também não acho que seria inteligente deixar você sair com a gente desprotegida.
— Posso ter uma faca? — perguntei, entusiasmada, sabendo que era a arma que ela utilizava.
Annabeth hesitou, e eu me lembrei da trama do primeiro livro de Os Heróis do Olimpo e de que logo ela levaria outra menina ali, que também escolheria uma faca — com má reputação.
Ela me deu uma lâmina que parecia bastante velha e sem fio. Eu fiz careta e estava prestes a encostar o dedo pra testar o fio quando ela gritou:
— Não! Ela só parece não ser afiada. Toma aqui. — E me entregou uma bainha de couro preto, que eu usei pra esconder a lâmina.
Saímos do celeiro e Annabeth me pediu para esperar um pouco por ela. Eu vi várias coisas inusitadas e confesso que só não saí do meu lugar pra explorar tudo porque tinha medo de me deparar com alguma armadilha feita pelos filhos de Hermes, pois sabia bem que eles eram uns pestinhas.
Minutos depois, Annabeth apareceu no meu campo de visão com um rapaz ao lado. Os dois não estavam de mãos dadas nem nada, mas era bastante nítido o quanto estavam se amando, o que me fez querer correr até eles e pular no pescoço dos dois. Torci pra que os dois ficassem juntos em todos os livros, e lá estavam eles. Mas então uma lembrança me ocorreu e fiquei triste, sabendo que dali a uns dias Percy desapareceria. Suspirei.
— Mariana — disse Annabeth —, esse aqui é Percy. — Havia um brilho nos olhos dela. Tão fofa!
Percy me cumprimentou apertando minha mão. Ele disse alguma coisa, mas, cara, eu estava tão feliz em ver aqueles dois juntos que não consegui prestar atenção no que ele disse e fiquei que nem uma boba balançando a cabeça positivamente e com um sorriso besta no rosto. Conhecendo Percy como conhecia por causa dos livros, sabia que ele devia estar me achando uma doida.
— É melhor irmos logo — disse Annabeth.
Eu concordei. Foco no meu mundo, foco nos meus pais. Aquele mundo era, sem dúvidas, incrível, mas eu precisava voltar pra minha vida. Precisava voltar pra minha família.
Saímos do acampamento e subimos uma colina, onde estava a árvore que um dia foi Thalia. Eu soltei um grito estrangulado quando vi o que estava enrolado na base do tronco da árvore, pois tinha me esquecido completamente do dragão que agora protegia o Velocino de ouro. E por falar nisso, o Velocino não era um cobertor felpudinho dourado como eu havia pensado. Não. Ele possuía pelos bem rústicos e emaranhados e a cor ouro dele era tão brilhante que parecia que poderia me cegar a qualquer momento.
— Vamos pedir um táxi? — perguntei.
— Bom, na verdade a gente vai precisar andar.
— Por quê? — Por um lado, eu estava feliz, pois tive medo da possibilidade de ela chamar aquele táxi com as irmãs de um olho só, mas por outro fiquei horrorizada com a possibilidade de ter que andar muito.
— Bom, a verdade é que Quíron disse que você devia ter o mínimo possível de contato com o nosso mundo — disse Percy, mas parecia entender tanto quanto eu o que aquilo significava.
— Eu imagino que ele pediu isso por causa do que você nos contou — explicou Annabeth. — Se você é mesmo de outro mundo, então as coisas podem ficar um pouco complicadas caso você fale algo que não devia a alguém do nosso mundo. Entende?
Eu fiz que sim, me perguntando se as regras da viagem no tempo se aplicavam para o meu caso, mas não tive tempo pra pensar sobre aquilo. Eu queria conversar com meus personagens favoritos!
Sei que pode parecer meio sem graça o fato de eu amar o Percy e a Annabeth, que são os personagens de maior destaque da série Percy Jackson e os Olimpianos, mas eu não podia fazer nada quanto a isso. Eu gostava da personalidade deles, de como eles eram pessoas boas e de tudo o que os envolvia.
Eu comecei com perguntas simples.
— Vocês chegaram quando no acampamento?
— Hoje, na verdade — disse Percy. — Pouco antes de você aparecer.
— Na verdade viemos um pouco mais cedo que os demais — disse Annabeth, e percebi que as bochechas dela coraram.
Ah, caramba, eles eram fofos demais e eu queria poder gritar isso naquele momento, mas continuei a fazer perguntas. A maioria das coisas que perguntei poderiam ser consideradas banais, como a cor preferida deles e a comida preferida também, mas eram coisas que eu sabia que me fariam sentir realmente conectada a eles. E era isso o que eu mais queria. Me conectar.
Eu não sei bem como foi que a conversa acabou mudando de rumo. Talvez o fato de eu já estar suada e quase morrendo de cansaço tenha contribuído para eu ter me deixado levar daquele jeito, e com certeza eu sentir como se já conhecesse Percy e Annabeth desde sempre ajudou bastante também, mas o fato é que eu estava falando sobre coisas que achava que nunca teria coragem de falar com ninguém mais.
— Eu amo os livros — disse eu. — Mas não é só isso. Eu queria mais, queria escrever histórias incríveis pra que adolescentes como eu pudessem ler. As pessoas costumam dizer que leem pra fugir da vida real, mas eu acho que ler na verdade nos prepara pra encarar as coisas que vivemos e que nos ajuda a ser mais empáticos.
Eu suspirei. Annabeth e Percy, diferente de mim, não pareciam nada cansados da nossa extensa caminhada. Eles ficaram pensativos depois de ouvir o que eu disse, e eu, envergonhada, observando os carros que passavam na pista do lado esquerdo.
— E por que você não escreve? — perguntou Percy. — Se esse é o seu sonho, por que não faz virar realidade?
Eu soltei um risinho nervoso.
— Eu até conheço algumas plataformas de publicação na internet, onde poderia fazer isso de graça, mas... — me estremeci. — Eu realmente não acho que tenho coragem.
— Por quê?
Eu dei de ombros.
— E se alguém me criticar? Se os comentários forem rudes e grosseiros? Eu acho que não saberia lidar com isso.
— Eu já pensei assim — sussurrou Annabeth, e nesse momento até Percy pareceu intrigado. — Eu sempre sonhei em ser uma grande arquiteta, em construir monumentos em nome dos deuses que durariam éons, mas morria de medo de ser apenas mais uma no meio da multidão. Afinal de contas, muitas pessoas têm o mesmo sonho que o meu. Muitos irmãos meus têm esse sonho, inclusive, então nunca pensei que conseguiria me destacar. Mas, sabe, Mariana, depois de um tempo eu percebi que não ia adiantar muito eu ficar com esse pensamento. Enquanto eu não me esforçasse, estudasse e tentasse alcançar o meu sonho com unhas e dentes, eu não saberia o resultado da minha conquista. E quer saber? Se alguém me criticar, eu vou ficar triste, provavelmente, mas vou seguir em frente e dar o meu melhor, porque é isso que eu amo fazer, então desistir não é uma opção.
Aquilo ficou martelando na minha cabeça. Eu não consegui dizer nada, apenas anuir para ela enquanto imaginava como seria me inscrever em uma daquelas plataformas de autopublicação e escrever algo. Suspirei. Ah, como era bom conhecer os meus personagens preferidos.
Foi então que minha barriga roncou, e Percy soltou um riso discreto. Nós aproveitamos que estávamos chegando perto do centro, onde supostamente deveríamos encontrar Hermes, e paramos para fazer um lanche em uma lanchonetezinha de beira de estrada. O lugar cheirava a bacon e ovos fritos, o que só aumentou ainda mais a minha apetite.
O lugar estava vazio e o único barulho vinha da cozinha, alguém mexendo nas panelas. Nos sentamos na mesa dos fundos e tocamos uma campainha que estava em cima da mesa (achei isso curioso e minha vontade foi de ficar apertando aquele botãozinho, mas me contive).
Da porta da cozinha surgiu um homem tão alto que teve que abaixar a cabeça pra passar pela porta. Ele era um cara assustadoramente musculoso, com o pescoço até inchado, o que fazia com que o avental parecesse minúsculo e cômico no corpo dele. Na hora que Annabeth, que estava do meu lado, o encarou, levantou com um salto, as mãos na minha blusa.
— Vamos dar o fora daqui! — disse ela.
— Ah, não — murmurou Percy.
— VOCÊ! — vociferou o homenzarrão.
Eu não estava entendendo nada, claro. Quem era aquele homem, afinal? Nos livros não tinha nada sobre... Ah, seria possível que eu estivesse de cara com Ares? Balancei a cabeça. Não faria sentido o deus da Guerra estar vestindo um avental ridículo em uma lanchonete. Então...
— Minotauro, então você já reviveu — disse Percy, parecendo bastante confiante.
Eu me encolhi ainda mais no banco em vez de levantar. Minotauro? Ah, que horror! Eu fechei os olhos e contei até três. Quando os abri de novo, lá estava a verdade: não sei como, mas eu consegui nesse momento o ver como ele de fato era, talvez o fato de eu já conhecer a história toda tivesse contribuído ou talvez a névoa tenha se dispersado por eu ter ouvido o nome dele. A cara de touro era assustadora, e aqueles chifres... engoli em seco.
— Pessoal — gaguejei eu. — E agora?
— Vamos correr! — Annabeth me puxou com força do assento e nós três saímos correndo.
O Minotauro soltou um rugido forte e alto, e em seguida pulou o balcão. Ao cair na nossa frente, ele abriu os braços, enfurecido, e jogou longe duas mesas, limpando caminho.
Se eu estava com medo? Bom, eu não sei como consegui me segurar, porque quase, quase fiz xixi nas calças.
Do bolso, Percy tirou uma caneta comum, e eu já fiquei um pouco mais confiante com isso. Ele tirou a tampa da caneta e, como num passe de mágica, ela se transformou na espada Contracorrente.
— Vamos lá, coisa feia! É hoje que acabo com você de novo — provocou Percy.
O Minotauro era bem mais burro do que eu tinha imaginado, porque comprou a provocação na mesma hora, ciscando no chão feito uma galinha e partindo pra cima do semideus. Annabeth me puxou pelo braço outra vez, e desviamos de uma mesa caída enquanto Percy se desviava do homem-touro, ela estava corajosamente com a faquinha na mão, o que me fez perceber que ela devia ser louca. Como assim ela realmente encarava aquelas coisas com aquela lâmina minúscula? Então ri de mim mesma, lembrando que também carregava uma.
— Vamos ajudar Percy — disse Annabeth.
Eu achei que ela tava brincando; afinal de contas, já estávamos perto da porta. Mas então olhei para trás. Percy estava encurralado pelo Minotauro e já mal conseguia brandir a espada naquele espaço apertado.
— Ah, que coisa — murmurei. — Vamos então.
E, pasmem, saí correndo. Claro que Annabeth correu bem mais rápido do que eu e pegou uma mesa e jogou nas costas do monstro. O problema é que aquilo nem pareceu fazer cócegas nele, que ainda tentava agarrar Percy. Sem ter muitas ideias, eu acabei fazendo uma coisa muito estúpida: dei um pulo e me agarrei às costas do Minotauro.
Ele começou a se debater feito louco, e eu via as coisas passando por mim ao borrões. A sensação era a de estar me segurando a um touro mecânico de um parque de diversões, ligado no máximo. E certamente vomitaria se tivesse com alguma coisa no estômago.
Em determinado momento, já não pude mais me segurar, e fui lançada longe. Tonta, olhei para frente e vi Percy caído no chão, e Annabeth mergulhou de encontro ao monstro, o que me fez perder o fôlego de medo. Eu me ergui e a primeira coisa que vi na minha frente se tornou uma arma: uma cadeira, que lancei nas pernas do homem-touro.
Eu já estava a ponto de ter um ataque de pânico quando Percy se ergueu com Contracorrente nas mãos e atacou o monstro, que imediatamente se desintegrou e se tornou pó diante dos meus olhos.
Por um momento, estávamos todos exaustos demais para falar ou se mover, mas depois de alguns segundos nos recuperando, saímos em disparada porta afora, até porque, se o Minotauro estava fazendo um bico de atendente naquela lanchonete, com certeza não íamos querer saber quem era o cozinheiro.
— Só mais um pouco — gritou Annabeth pra mim.
Ela disse isso porque, caramba, eu estava morrendo de cansaço, com dor nas costelas já, mas continuei como pude, desejando a todo momento ter a compleição de semideus como eles, pra poder correr tanto depois de uma luta como aquela.
Nós diminuímos o ritmo quando conseguimos enxergar uma loja simples e discreta com o nome CORREIOS DOS CÉUS.
— Posso ser leiga sobre algumas coisas, mas aposto que é ali onde vamos encontrar Hermes — disse eu, apontando para o lugar.
— Bastante óbvio — disse Percy, e Annabeth concordou.
Entramos no lugar. Havia uma mulher mascando chiclete no balcão enquanto lixava as unhas. No computador da loja, algo que parecia ser uma novela mexicana passava, e ela estava compenetrada nela ao ponto de parecer não notar a aproximação de nós três.
— Moça? — chamou Annabeth.
A mulher olhou pra gente e, a julgar pela cara que Annabeth fez, ela deve ter travado tanto quanto eu. Nós sabíamos que encontraríamos Hermes lá, mas não fazíamos ideia do que devíamos falar.
— Em que posso ajudar? — perguntou a mulher, a voz anasalada.
— A gente, hã, é... estamos procurando pelo Hermes — disse Percy, e nesse momento eu não aguentei e tive que tapar a boca pra não soltar uma gargalhada. Afinal, estávamos procurando por um deus, achei que pelo menos daríamos um nome falso ou coisa assim.
Percy acabou rindo comigo, Annabeth me cutucou e a mulher me passou um olhar mortal.
— Quem gostaria de falar com ele?
E então, atrás dela, passando por uma porta de miçangas, ele surgiu. E ele era tão lindo que eu fiquei paralisada. Não era à toa que um monte de mulher caía na lábia daquele canalha!
Annabeth me deu um empurrãozinho, me trazendo de volta à realidade.
— Ah... — O que eu diria? — Quírion pediu pra que te procurássemos.
E só depois de ter dito aquilo reparei no sorriso zombeteiro que ele tinha.
— Será que vocês poderiam nos dar um minutinho a sós?
Eu engoli seco. Annabeth e Percy saíram da loja, e a atendente, toda despreocupada, passou pela porta de miçangas, ainda mascando o chiclete e lixando a unha. Estranha pra caramba.
— Ah, senhor Hermes. Quero dizer, deus Hermes, eu estou aqui...
— Eu sei por que você está aqui. E espero que tenha gostado do meu presente.
Eu ergui minhas sobrancelhas, sem entender nada.
— Presente? Que presente?
Ele se apoiou no balcão.
— Você acreditou em mim — murmurou ele, o sorriso ainda nos lábios. — Enquanto lia os livros, você acreditou no meu motivo para não interferir na vida do meu filho e, mais do que isso, você realmente acreditou na minha existência e na existência de todos nós. — Ele abriu os braços, como se para mostrar todo aquele mundo fictício.
Eu me senti envergonhada naquele momento. Ele tinha razão, tinha mesmo. Suspirei. A verdade é que eu sempre acreditei que todos os livros e todos os personagens que eles continham eram verdadeiros. Podiam ser ficcionais no sentido de não existirem no mesmo mundo que o meu, mas ainda assim existiam. Eu não saberia de fato explicar, mas sempre tive o sentimento de que os livros eram mundos reais e talvez fosse por isso que eu amasse tanto a ideia de ser uma criadora, uma escritora.
— Um presentão — disse eu, e enxuguei uma lágrima. — Mas eu queria poder ir pra casa agora.
— Pra escrever? — perguntou ele, um olhar sapeca.
Eu me senti surpresa, mas depois acabei percebendo que, sim, eu queria mesmo escrever. Queria contar ao mundo minha aventura naquele mundo, mas sabia que falar me tornaria uma louca, mas fanficar... bom, eu podia tentar.
— Acho que sim — disse eu.
— Então talvez você queira se despedir dos seus amigos — disse ele, e chamou Annabeth e Percy de volta.
Eu agradeci aos dois por me salvarem do Minotauro, mas eles eram tão legais que disseram que não poderiam ter derrotado o monstro sem minha ajuda — o que eu obviamente sabia ser mentira.
Com lágrima nos olhos, vi os dois se afastarem quando o Caduceu surgiu nas mãos de Hermes.
— Adeus, Mariana — disse o deus. — E lembre-se de uma coisa: sua missão como escritora não é só a de levar seus leitores para dentro dos seus livros, como também a de encorajar outros escritores como você.
Eu ia dizer que ele estava louco, até porque eu demorei uma vida pra decidir escrever e acabei o fazendo só por causa daquela aventura doida, mas não tive tempo de falar nada. Olhei para os meus pés e percebi que estava me desfazendo em luz, então apenas sorri para que a última coisa que eles vissem fosse a minha gratidão por terem me recebido tão bem no mundo deles.
Naquele mesmo dia eu acordei na minha cama com uma baita fome e, para minha surpresa, com a faca que Annabeth me deu no cós da minha calça. O livro que aquele velhinho — que com certeza era Hermes disfarçado, o que me fez ter a compreensão de que os deuses realmente existiam, inclusive no meu mundo — me deu estava jogado do lado do meu corpo. Com medo de ser mandada de volta pra aquele mundo, peguei-o com cuidado e percebi, com espanto, que a capa do livro mostrava uma ilustração do Minotauro no momento em que eu consegui enxergá-lo como o monstro que ele era. Abri o livro, apesar do receio, e, para a minha surpresa, não tinha nada escrito ali.
No mesmo dia, resolvi escrever no livro a minha aventura. Depois de vários surtos, passei tudo para o computador e, voilà, aqui está na internet a minha primeira história: a história sobre o dia que enfrentei o Minotauro.
Gracias por leer!
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