Não fazia ideia há quanto tempo estava ali. Parecia estar meio que adormecido há algumas horas, mas podia ao longe perceber sons disformes, que às vezes simulavam vozes. O que não conseguia entender, porém era o motivo de não conseguir acordar plenamente: suas pálpebras se revelavam pesadas, teimando em não se abrir e seus membros não respondiam aos seus comandos mentais, permanecendo inertes.
Enquanto lutava para se libertar daquele estranho sono, passagens de sua vida lhe vinham à mente: de como fora preparado para reinar, desde os seus primeiros anos de vida; o fardo de ter se casado aos 10 e assumido o trono aos 12, enterrando para sempre sua infância... agora aos 19, as dores ósseas o perseguiam e lhe dificultavam o caminhar; e esta estranha febre recorrente que o havia consumido nos últimos dias? Um turbilhão de pensamentos que não condiziam com sua angustiante imobilidade.
Como discípulo de Amon-Rá, amava o sol e toda espécie de vida, não conseguindo entender o que fazia ali, naquele local desprovido de luz e calor. Imaginava então o quão difícil teria sido a vida dos inúmeros dissidentes que havia mandado ao calabouço, simplesmente por não comungarem dos mesmos ideais político-religiosos de seus mentores e verdadeiros governantes, Ay e Horemheb. Quando acordasse, com certeza iria rever tais condenações e permitiria a muitos desfrutar o ano vindouro de 1324 em liberdade, mesmo sob oposição de seus correligionários. Tebas iria orgulhar-se de suas ações!
As horas iam se passando intermináveis, e um desespero latente começava a ascender em sua alma; onde estariam seus súditos? Tinha que acordar e reassumir seu nobre posto, orgulho da XVIII dinastia. Em certos instantes acalmava-se, pois sabia que tudo não passava de um pesadelo, que brevemente se encerraria. Mas ordenaria aos sábios reais que não o deixassem adormecer tão profundamente, ou sua ira seria sentida por aqueles que negligenciassem suas ordens.
Aquele mês de novembro de 1922 tinha sido o mais difícil para ele, Howard Carter e sua equipe: o calor intenso, as inexplicáveis mortes em inúmeros membros do grupo e a dificuldade dos recursos financeiros que minguavam, iam paulatinamente minando o moral de todos. Mas em seu íntimo sabia que aquela região a leste do antigo Vale dos Reis lhe reservava alguma grande descoberta; não era possível que estivesse enganado, depois de tantos anos de dedicação à causa.
Qual não foi então a surpresa de todos e a singular alegria de Carter e Lord Carnarvon, mecenas entusiasta da causa, ao se depararem com a profanada antecâmara, após o que se seguiu a descoberta da real câmara funerária... o sarcófago retangular ali jazia repleto de divindades; no seu interior, no último dos três caixões, o jovem corpo embalsamado e sua maravilhosa máscara mortuária, decorada pela cobra e pelo abutre.
Nos meses seguintes, mortes misteriosas começariam a ocorrer entre todos os participantes da monumental descoberta, unidos pelo fato de terem profanado o antiquíssimo santuário egípcio.
Março. 1939. Londres. Carter, acometido por uma moléstia que lhe fazia inchar os gânglios e despertar com fortes suores noturnos, acordou mais uma vez pela madrugada, incomodado com as vestes molhadas. Talvez pela febre, pensou estar alucinando... ainda divisou a criatura grotesca, envolta em bandagens podres, movimentos lentos e pesados, surgir diante de seu leito. Tentou gritar, mas teve seu pescoço estilhaçado por uma força descomunal.
Olhos profundos, cadavéricos, destilavam ódio incontido...
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