Os murmúrios advindos do quarto àquela hora me fizera perceber que ela não estava sozinha, ou pelo menos aparentava não estar. Algo tão deprimente para a maioria das pessoas era convertido em alegria minutos depois do café da manhã e nas subsequentes madrugadas, depois que ela ia se deitar; a solidão lhe parecia peculiar. A voz em meio-agudo, de palavras incompletas e arrastadas, combinava perfeitamente com a aparência parda, de cabelos liso-ondulados de Elis. Quando ela necessitava de algo, não hesitava em lançar seus gritos de “pa-pa-pa-papai, aqui!”, advertindo-me que uma pequena e malcheirosa bomba orgânica acabara de chegar e o responsável pelo desastre agora deveria limpá-la. Se me alimentou, agora me livre desse problema.
A minha boca e garganta secas, avisaram-me que o meu corpo carecia de água naquele instante. Às três horas da manhã, ofuscado pela luz interna da geladeira, eu me vi com os ouvidos atentos a duas vozes retinindo por entre os vãos escuros da casa. Caminhando de um cômodo a outro, percebi que os ruídos vinham de um lugar específico: o quarto rosado de Elis. Parei em frente à porta e aguardei alguns segundos. “Sem barulho, o papai está de pé!”, escutei em palavras quase inaudíveis. Mas como seria possível? Elis mal conseguia falar papai, não era capaz de termos tão eloquentes. “Tem alguém na porta”, ouvi segundos antes de empurrá-la e adentrar o quarto à meia luz. Fiquei atônito ao notar que ela permanecia dormindo profundamente. “Ainda estou sonolento e imaginando coisas”, pensei, fechando a porta e retornando à cama.
Às seis horas da manhã o sol cruzara a janela do meu quarto em direção aos meus olhos ainda cerrados. Após me espreguiçar, pus-me de pé outra vez, ajeitando meus chinelos enquanto seguia ao banheiro. Embora lento pelo sono, segui até a cozinha, deslizando as mãos sobre o rosto fatigado. As portas dos armários e geladeira estavam escancaradas e os alimentos removidos de dentro; pequenos rastros de comidas indicavam um trajeto, que instantaneamente acompanhei com os olhos arregalados. “Mas... o que aconteceu aqui?”, refleti seguindo ao quarto rosado. Ao chegar, vi Elis plainando sobre o seu berço, entre os braços do que parecia a sua própria sombra projetada em tamanho maior. “Pa-pa-pa-papai, aqui...! Mã-mã-mã-mãe!”, disse ela. De repente, minha visão antes turva, fez-me perceber que a sua mãe olhou inexpressivamente para mim e caminhou para fora sem me cumprimentar. “Agora o seu papai mora no Céu, meu amor”.
P.S.: Esta estória é contada do ponto de vista do espírito (pai), visto as histórias ditas que os mesmos também não sabem que estão mortos.
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