Fazia algum tempo desde minha última investigação ao lado do meu amigo Sherlock Holmes. Devo dizer que quando se trata de dias ou semanas, a preocupação é moderada, costumo distraí-lo com casos aleatórios nos jornais ou ele próprio se delicia com seus hobbies, tipo estudar os acordes do violão, pesquisar sobre borboletas, ler um livro de mil páginas ou, o mais radical dos métodos, experimentar diferentes combinações de drogas. No entanto, quando se trata de três meses, a urgência para tirá-lo da monotonia é tão alta quanto os edifícios que decoram Londres.
Era final de uma tarde de abril quando li a edição vespertina do The Guardian sobre o tal Assassino da Meia-Noite. Quando soube que este se tratava de um terceiro assassinato em duas semanas, achei prudente alertar Holmes sobre um novo assassino à solta. Entrei cautelosamente em seu quarto, a porta estava entreaberta e meu amigo estava sentado em sua poltrona preferida, girava uma arma de cano longo entre os dedos, não havia entrada de luz externa para clarear o quarto graças às cortinas escuras que bloqueavam a janela.
-Sherlock - chamei.
Holmes vestia um robe cinza aberto por cima de um pijama listrado vermelho e dourado, seu cachimbo vazio jazia sobre o chão, calçava pantufas e meias. O quarto estava repleto de borboletas dentro de vidros, algumas das espécies eram importadas de outros países. A parede - e isso nos custaria um despejo - possuía furos de bala suficientes para formar as letras ‘SH’. Esse era Sherlock Holmes quando entediado demais.
-Boa noite, Watson. - A voz era baixa, desinteressada. Parecia um viciado em abstinência.
-Tenho algo a lhe mostrar. - Joguei o jornal sobre seu colo. Ele o ergueu para ler.
-Já estamos em abril? - Questionou-me com surpresa.
-Olha a manchete.
-”Assassino da Meia-Noite ataca novamente”. - A voz continuava desinteressada, mas ao menos já se ajeitava na poltrona.
-Aí diz que a vítima tem 37 anos, é homem e foi encontrada uma da manhã em Harrow, no norte de Londres. A perícia diz que ele faleceu à meia-noite, como apontava o relógio no bolso do paletó. É a terceira vítima em duas semanas, mas todas por métodos diferentes.
-O que liga ao mesmo assassino é o horário. - Complementa Holmes, sussurrando.
Após ficar de pé e se alongar, sentou-se novamente, cruzou as pernas e pôs o cachimbo na boca enquanto parecia raciocinar. Esperei alguma manifestação a mais, mas o silêncio imperou.
-Vamos pegar esse caso - sugeri.
-Sim, meu amigo. Vamos. Leia o nome da vítima, por favor.
-Louis Oliver, 37 anos.
-Dono de uma empresa de cigarros e charutos que se expandiu de Londres para alguns outros países da Europa. Uma marca horrível, por sinal, já esbarrei em uma ou outra pessoa que a fumava, a nicotina não me cheirava bem.
-Portanto…
-Portanto, pertencia à alta sociedade londrina, rico, com certo nome internacional. Por isso chamou a atenção agora. - Supôs. - Arrume-se, Watson. Vamos à Yard.
…
Nossa chegada à Scotland Yard foi bem rápido, o trânsito colaborou naquele dia. Conversamos no táxi sobre as outras vítimas. De fato, nenhuma delas era da alta sociedade londrina como o Oliver. A primeira, uma jovem dama de 23 anos chamada Samantha Harrington, estudante universitária de enfermagem e garçonete. A segunda vítima foi Earnest Rockwell, 29 anos, jogador amador de futebol.
-Notou o que há em comum neles, Watson? - questionou no veículo em dado momento.
-Todos com idade ímpar - respondi. - e crescendo em progressão.
-Hum. Bem notado. - Algo em sua resposta indicava que minha dedução havia sido diferente.
Éramos esperados assim que entramos na Scotland Yard. A secretária da capitã responsável pelo caso nos mandou esperar. E foi o que fizemos por cerca de 10 minutos, até a porta de sua sala ser aberta e um idoso sair, dando-nos boa tarde e pondo o chapéu sobre a cabeça. Sherlock entrou primeiro, guardando o cachimbo no bolso de seu tradicional sobretudo quadriculado.
A capitã Lucy Parker era mais baixa que nós dois, ficando abaixo do ombro de Holmes, porém ficando na altura do meu. Ostentava seu distintivo no jaleco de capitã. A pele é morena assim como seu cabelo, preso para trás, e seus olhos de rara mutação heterocromática - castanho claro à direita, azul à esquerda.
-Boa tarde, detetive Holmes. É um prazer revê-lo, John. - Cumprimentou-nos com apertos de mão.
-Hum. - Murmura Sherlock, interessado.
-Trabalhamos num caso semanas atrás enquanto você estava recluso, nada demais. - expliquei.
-E tomamos chá. - completou.
-Isso.
-Entendo. - Logo Sherlock iniciou um bate-papo com Lucy. A animação, aos poucos, retornava ao detetive. - Aquele era seu pai, capitã.
Vi a sobrancelha de Lucy se elevar, surpresa com a afirmação tão convicta e inesperada.
-Sim. Como…?
-Acredito que só um familiar tomaria dez preciosos minutos do tempo da capitã encarregada de um caso de vários assassinatos. Além disso, você usa o mesmo perfume que ele que, apesar de forte e feminino, suponho que seja da sua falecida mãe.
-É.
-Capitã Parker, viemos para ajudá-la no caso do Assassino da Meia-Noite. - Interferi antes que a conversa se aprofundasse mais na vida pessoal da capitã.
-Bom, agradeço a ajuda de vocês, doutor Watson.
-O que tem sobre o caso até agora?
-No momento, só o suposto horário do assassinato é o que liga o denominado Assassino da Meia-Noite às vítimas. E mesmo assim, é uma conexão relativa entre elas. - Lucy abriu uma gaveta à procura da pasta do caso. - Pessoas morrem à meia-noite desde sempre e os métodos para cada vítima são diferentes. Como pode ser o mesmo assassino?
Analisamos as fotos tiradas nas cenas dos crimes. A primeira vítima, Samantha, sofreu um corte preciso na garganta, provavelmente sangrou até a morte. Já Earnest tomou três tiros à queima-roupa no peito. Enquanto Samantha foi encontrada em posição fetal e amarrada, Earnest estava estirado no chão. De fato, eram mortes completamente diferentes.
-O inspetor Lestrade desconfia que são casos diferentes, mas meu instinto de policial discorda.
-Seu instinto estaria certo de discordar de Lestrade em qualquer oportunidade. - Provocou Holmes, ácido. - E há uma pista intrigante que pode passar despercebida ao seu instinto.
Quando ele disse isso, concordei com a cabeça. Não precisava ser um Sherlock Holmes para entender o aumento progressivo nas idades das vítimas, portanto tinha certeza que se tratava disso. Entretanto, não tenho medo de admitir que foi uma dedução errônea.
-É? Qual?
Tirando o cachimbo do bolso, Holmes respondeu com extrema tranquilidade.
-Está à sua frente.
-Você?! - Questionou, evidenciando legítima surpresa no tom de voz e na sua expressão facial de espanto. Admito que também fiquei surpreso na hora.
-Sim, capitã. O tal assassino quer me encontrar.
-Por que acha que se trata de você, detetive Holmes? - perguntou ela.
-Capitã, lhe respondo com outra pergunta: Por que não eu?
Qualquer um, e acho que a capitã se incluiria, pensaria que foi uma resposta egocêntrica do meu amigo, afinal ele não finge modéstia ao se autodeclarar o maior detetive vivo de Londres, quiçá do mundo. Porém, como explicou em seguida, tal suspeita não se trata de alimentar o próprio ego.
-Não sei se entendi. É um jogo de quem tem o maior intelecto?
-Não, mas não descarto essa possibilidade. Repassando com Watson os nomes das vítimas a caminho da polícia, notei algo intrigante sobre eles. Posso? - Esticou a mão para pegar papel e lápis. - Acredito que esclarecerei escrevendo o que notei.
A capitã assentiu e Holmes listou os nomes e sobrenomes das vítimas, separando-os como se fossem pessoas diferentes.
Samantha
Harrington
Earnest
Rockwell
Louis
Oliver
Antes de entregar o papel, pude vê-lo destacando a primeira letra de cada nome.
Samantha
Harrington
Earnest
Rockwell
Louis
Oliver
A capitã não escondeu o quanto ficou impressionada com o que Sherlock deduzira sobre as vítimas. Já eu notei a peculiaridade e a extrema coincidência das iniciais formarem parte do nome de Sherlock.
-Como veem, a escolha não foi aleatória e seus assassinatos foram cometidos pela mesma pessoa.
Gracias por leer!
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