nathymaki Nathy Maki

Tudo começou naquele dia em que Shouto correu até não aguentar mais. Em seu caminho, um apagão inesperado, uma praia tranquila e um garoto com os olhos nas estrelas mudaram sua vida para sempre.


Fanfiction Anime/Manga Not for children under 13.

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Capítulo Único

“Olhem para as estrelas e aprendam com elas.”
ALBERT EINSTEIN

Naquele dia, Shouto correu. Correu o máximo que suas pernas aguentavam. Correu para o mais longe que podia de casa, até que seus pulmões falhassem em sua busca por ar e a cabeça girasse sem apoio. Ele nem mesmo sabia onde estava, muito menos que em algum ponto daquele bairro havia uma praia. Areia pálida e mar azul tão perto que ele precisou se deter para olhar um pouco mais. Com seus 10 anos, Shouto ainda havia visto muito pouco do mundo para dizer com propriedade o que achava dele. Com 10 anos, ele sabia que as vidas que assistia passar pela janela deviam ser melhores que a sua.

Estar ali naquele momento havia sido uma coincidência enorme e aterradora. Ou talvez como dizia o ditado: Não existem coincidências. Talvez fosse o seu destino, sua sina. Talvez alguma parte dele sempre soubesse o segundo em que daria aquele primeiro passo para fora e o trouxesse ali, guiado por uma linha de energia invisível no chão, atraindo-o como uma mariposa à luz. Fosse o que fosse, não estava em seus planos ir parar naquela praia, muito menos presenciar o pulsar das luzes refletidas nas ondas para então, num átimo de segundo, se apagarem uma por uma.

Por um instante, o mundo inteiro se resumiu ao silêncio pleno e ao quebrar das ondas na beira da praia. Por um instante, ele sentiu o peso sobre seu pequeno corpo flutuar para longe, em direção ao espaço sem fim, aquém de qualquer toque ou preocupação. Por um instante, Shouto se sentiu em paz.

E então veio o ruído. Pequenos espasmos soluçados e uma voz muito aguda a murmurar incessantemente. Shouto franziu o rosto para o som, a sensação de plenitude lhe escapando por entre os dedos e fazendo-o relembrar que ainda estava na própria pele, com os mesmos problemas pesando sobre as costas e um pai que em breve o encontraria. Ele vasculhou a areia, procurando a origem do barulho e o localizou na forma de outro menino de cabelos estranhamente revoltos, abraçado às próprias pernas com cabeça erguida para o alto. Mesmo de longe ele podia dizer que o outro estava chorando, pior, chorando como um bebê.

Shouto não sabia mais como chorar. Havia descoberto há algum tempo que as lágrimas apenas lhe rendiam mais horas de castigo e no fim, com os gritos a ressoar em seus ouvidos, ele era o único culpado por sua situação. Aproximou-se do menino, os pés afundando na areia fria e disse:

— Quer parar com isso? — A pergunta soou brusca, o pouco contato com estranhos se evidenciando em sua fala. Ele não sabia ao certo como lidar com aquilo. — Está estragando o silêncio.

O outro se assustou, os ombros cobertos pelo casaco verde grande demais para ele se retraindo com o tom usado. A cabeça deixou seu ponto de observação e virou-se para encarar Shouto com enormes olhos verdes e chorosos. Havia um arranhão feio em sua bochecha e Shouto se perguntou se essa era a causa do seu choro. O outro fungou, os olhos ainda fixos em si até Shouto começar a se sentir envergonhado por ter gritado com ele de forma tão ríspida.

Os dois se estudaram em um silêncio mútuo enquanto a sua volta o ruído da cidade voltava a vida, o momento de tranquilidade perdido naquela janela de tempo passado. Naquela época, Shouto ainda não sabia sobre os apagões, mas havia algo de mágico em um poder capaz de escurecer toda uma cidade. O garotinho parecia ter finalmente acabado sua inspeção pois logo disse:

— Você veio me empurrar na areia também?

— Por que eu empurraria você?

— Os outros garotos dizem que eu falo demais. Você acha isso?

Shouto, dado sua pouca interação com outras crianças, não sabia o que significava alguém falar demais, então balançou a cabeça negando. Os olhos do outro se acenderam com aquilo e ele se afastou mais para o lado de modo que Shouto pudesse sentar. Ele sentou e os dois ergueram a cabeça para encarar a cidade engolida pelas sombras e então de volta para o céu que se estendia pelo horizonte sem fim. Não havia Lua aquela noite, apenas um oceano de pontinhos brilhantes que refletiam em seu gêmeo igualmente infinito na Terra.

Shouto não sabia que algo podia ser tão bonito. Ele sempre havia visto o céu pela janela, era um recorte cinza e sem graça. Mas ali, ah, ali ele pulsava com vida, cintilando com estrelas e piscando para ele como se o convidasse a desvendar os seus segredos. Ele abraçou os joelhos como o outro fazia e observou.

— Você gosta do silêncio? – O garotinho perguntou com a seriedade rara de se ver em uma criança.

Shouto pensou sobre a resposta. Ele gostava do silêncio?

— Sim – sussurrou de volta, porque o momento assim o exigia.

Era no silêncio da noite que as coisas finalmente se acalmavam em sua casa, era no silêncio que a mãe vinha vê-lo e confortá-lo, ainda que ela mesma estivesse quebrada. Naquela época, Shouto ainda não sabia disso.

— “E eu que esperava fogos de artifício, esqueci que as estrelas não fazem barulho” – o outro recitou, os olhos ainda presos no alto.

— O quê? — perguntou confuso.

— Clarice Lispector disse isso. Acho que ela sabia que lá em cima era um lugar silencioso. Você sabia que não existe som no espaço?

— Verdade? Então eu gostaria de ir para lá um dia.

— Eu também. – Ele sorriu com animação, o choro esquecido. — Já pensou? Subir pelo infinito, deixar tudo para trás e apenas seguir por um mar de estrelas sem fim – falou com tanta propriedade que Shouto desviou os olhos apenas para encará-lo. Ele não sabia o que era aquilo em sua expressão, nem mesmo por que estava tão intrigado, mas era fato: aquele garotinho tinha algo muito especial.

Ali, com areia entre os dedos, a brisa fria do mar nas bochechas e as estrelas refletidas nas lágrimas daquele estranho menino, foi a primeira vez que sentiu ele a imensidão do Universo.

— Shouto! – Ele ouviu a voz gritar ao longe. A luz havia voltado e o momento de mágica perdido. — Shouto, onde você está? Por favor, estamos preocupados! O papai disse que não está mais com raiva, você já pode voltar! — ela implorou. — Shouto!

— Eu preciso ir. — Ele levantou-se e limpou a areia das mãos nos shorts. Deu um passo para longe do garoto que havia voltado a fitar as estrelas, mas algo o deteve lá. Talvez fosse a solidão que parecia rodear o outro tanto quanto a si, muito embora vivesse em uma casa cercado de irmãos, ele a sentia às vezes enrolar seus tentáculos ao redor do seu pescoço e puxá-lo em direção ao abismo. Ele hesitou e então se decidiu. — Podemos nos encontrar de novo aqui? Qual o seu nome?

Olhos verdes o analisaram com surpresa. Os lábios se ergueram em um sorriso quente e brilhante e naquele momento Shouto percebeu que ele tinha estrelas no rosto, salpicadas pelas bochechas que se destacavam pelo vermelho que as tingia no momento. Ele estendeu a mãozinha, os dedos calejados apertando os seus.

— Sou Midoriya Izuku.

— Todoroki Shouto.

Para eles, era assim que tudo havia começado. Um garoto em fuga e outro com os olhos nas estrelas. Nenhum deles treinados para permanecer no chão onde deveriam.

— Bem-vindo a aventura, Todoroki Shouto. Espero que nos vejamos de novo.

Shouto também esperava. Com um último aceno, ele correu para longe dos chamados que se aproximavam. Mesmo que o pegassem uma hora, ele não facilitaria para eles.

.............................................. 7 anos depois ..............................................

— Sabia que há mais estrelas no Universo do que grãos de areia em todas as praias da Terra?

Era sempre assim quando se viam. Izuku lhe recebendo com qualquer que fosse o fato astronômico que rondasse em sua cabeça no momento e ele apenas murmurando um ‘Hm’ em resposta. Sua falta de palavras não o impedia de prosseguir. Ele gostava dos silêncios de Shouto, em como eles significavam que ele permanecia ali, apenas ouvindo, e Izuku não precisaria se refrear ou se desculpar por seu jeito sem reservas. Estava tudo bem em ser silencioso, afinal, ele podia falar o suficiente pelos dois.

Era uma noite fria. A respiração dos dois condensava no ar a sua frente e o mar parecia agitado como se soubesse que algo estava por vir. Izuku estudou o amigo ao seu lado, a expressão imperscrutável, a tensão nos punhos fechados, as feridas nos nós dos dedos. Ele suspirou.

— Não foi ele – disse, antes que o outro pudesse perguntar.

— Eu não disse nada.

— Mas estava pensando. Consigo ouvir as engrenagens do seu cérebro girando a essa distância. Sabe o quanto o barulho é alto?

Izuku preferiu ignorar isso.

— Brigou de novo na escola?

Shouto desviou o olhar, sem conseguir encará-lo agora. Não era como se quisesse brigar, mas sempre que dava por si, lá estava ele respondendo ao chamado pela provocação, o corpo ardendo em fúria e os punhos agindo para expressá-la. Ele temia que isso significasse que estava se tornando igual a ele.

— Shouto — ele chamou. Contra sua vontade, atendeu o pedido e virou-se para observá-lo. Os olhos verdes de Izuku exibiam tanta compaixão e entendimento que ele sentiu algo lá no fundo quebrar. Como sempre, ele havia se tornado um mestre em fazê-lo falar.

— Eles estavam perseguindo ela — explicou. Era importante que ele compreendesse, que não achasse que Shouto era apenas mais um valentão atormentando qualquer um quando lhe desse na telha. Izuku tinha um histórico ruim com pessoas assim e ele havia prometido que não seria mais um número em sua lista. — Eu tinha que ajudar. – Ele não contou que a expressão de medo nos olhos da garota o fez lembrar de sua mãe, internada há algum tempo após aquele homem ter ido longe demais. Aquele havia sido um dia ruim, e Shouto não queria chafurdar naquelas memórias novamente.

— Eu sei.

Shouto sabia que ele entendia. Ninguém o entendia como Izuku. Soltou o ar que nem mesmo percebera estar prendendo e deixou que a cabeça caísse contra os joelhos, inclinando-se mais em direção ao calor do amigo. Izuku não reclamou (embora Shouto não gostasse de ser tocado sem aviso, ele fazia muito isso de debruçar-se em seu ombro enquanto os dois conversavam por horas na praia) apenas desenrolou seu cachecol e o passou entre os dois, deixando-o pender frouxamente entre seus corpos. Então estendeu a mão em direção à cidade mergulhada novamente na escuridão e recitou:

— “A noite acendeu as estrelas porque tinha medo da própria escuridão”.

— Olavo Bilac?

— Mário Quintana. – Sorriu, vitorioso. Aquilo já havia virado um costume dos dois. Izuku e suas citações, Shouto e seus chutes errados. Eles observaram a cidade ás escuras como um pequeno animal dorminhoco em busca de recuperar sua força. — Acha que toda vez que nos sentamos aqui nessa praia a energia de algum modo sabe o quanto precisamos do silêncio e por isso faz um apagão acontecer?

— Acho que é só uma coincidência.

Mas os dois sabiam que coincidências não existiam. Izuku soltou uma das mãos de Shouto e se empenhou e abrir seus dedos um a um, examinando os cortes no torso com tanta delicadeza que chegava a doer. Shouto lembrava de um tempo em que sua mãe fizera o mesmo, do murmúrio suave como a brisa que eram suas palavras e do calor reconfortante de seu abraço. O toque de Izuku enquanto ele limpava as feridas era como um bálsamo preenchendo-o, levando a dor embora para longe e deixando apenas o cansaço. Havia sido um longo dia.

— Me conte algo que eu não sei – Shouto murmurou, olhos fechados, o som da risada de Izuku em seus ouvidos. Porque aquilo também era algo deles, cultivado com o tempo sempre que o outro precisava de algo bom ao fim de um dia ruim.

— Sabia que o Sol que vemos é do passado? A luz do Sol leva pouco mais de oito minutos para chegar até nós. Então, quando finalmente a vemos, é na verdade o reflexo de um momento que já passou. Exatamente igual a fazer uma viagem no tempo!

Shouto sorriu. Aquilo era bom, aquela praia e a companhia dele eram sua casa mais do que qualquer outra, o único lugar que se sentia à vontade para ser ele mesmo, sem precisar calar ou esconder.

— Sua vez.

Shouto hesitou, o que tinha para dizer vinha tirando o seu sono há várias noites, cutucando as paredes de seu cérebro como uma ferida aberta. Izuku aguardou, ele sabia ser paciente e esperar até que o amigo estivesse pronto para falar. Puxou a outra mão dele para perto e cuidou dos cortes presentes naquela também. Ele por fim falou:

— Eu estou pensando em me mudar. Minha mãe teve alta e disse que nunca mais pisaria os pés em casa novamente. Ela quer nos levar junto.

— Isso é uma excelente notícia, Shouto!

— Eu sei.

Era de fato uma excelente notícia. Era o que ele sempre havia sonhado, se ver livre daquela casa, do pai, daquela voz horrível dele reverberando em cada fresta no meio da noite, do som que seu punho fazia ao atingi-lo quando irritado, da dor que restava após cada golpe. Por isso não entendia aquele amargor que persistia em sua língua.

— Você não quer ir?

Olhos preocupados, tão preocupados com ele. Ele sentiu novamente aquela queimação engraçada no estômago, contorcendo-se, empurrando calor para seu corpo frio.

— Claro que eu quero, desejo isso mais do que tudo.

Ele assentiu.

— Então por que está com medo?

— Eu não estou com medo.

Izuku apenas o olhou, um meio sorriso erguendo-se no canto dos lábios.

— Não está? Eu sei que mudanças te assustam, mas não pode deixar o medo te impedir de aproveitar as coisas boas que aparecem pelo caminho. Principalmente agora, depois de tanto tempo tentando... — A voz dele se partiu, mas Shouto entendeu o que ele queria dizer.

Aquela era a sua chance, uma porta aberta para a liberdade. Mas, ainda assim, havia algo.

— Ela vai morar com a minha avó em outra cidade, quase 500km daqui. Não iríamos mais nos ver. Não quero abandonar você, abandonar isso que nós temos.

— Ah, Shouto — ele murmurou quietamente. Virou o rosto em sua direção, areia manchando as sardas em suas bochechas, os mesmos olhos marejados de quando haviam se visto pela primeira vez. — Eu recebi o resultado.

Shouto sabia sem nem precisar perguntar. A faculdade dos sonhos. MIT.

— Você passou. Está indo embora.

— “Vivo nas estrelas porque é lá que brilha a minha alma”.

— Olavo Bilac.

— Manuel Bandeira. Porque insiste tanto nele? — Shouto deu de ombros. A queimação em seu estômago se tornando um peso desagradável. — Então... — ele recomeçou diante o silêncio de Shouto. — O que você acha?

— Acho que é uma excelente notícia. Você vai para lá e vai fazer todos eles tirarem as caras da tecnologia e olharem novamente para as estrelas.

Izuku o puxou para a areia e os dois deitaram-se lado a lado. Com um suspiro, como se houvesse um grande peso em seu peito, ele ergueu os dedos em direção ao alto. Shouto acompanhou o movimento suave de sua mão e pensou sobre o porquê de se sentir tão mal. Izuku murmurou suavemente contra a brisa, como se aquelas palavras fossem o que lhe transmitissem força:

— As pessoas pararam de olhar para o céu pois se davam conta de como eram pequenas.

Shouto desviou os olhos do alto para encarar o garoto ao seu lado.

— E você?

— Eu continuo olhando. — Ele sorriu e estendeu ainda mais o braço como se fosse tocá-lo. — Assim sempre me lembro que mesmo as menores coisas quando acumuladas se tornam imensas.

Para ele parecia ser fácil, ele tinha estrelas na face. Podia vê-las sempre que tivesse vontade.

Shouto nada disse, então Izuku prosseguiu, preenchendo o silêncio com sua voz sussurrante como sempre fazia. Ele precisava que Shouto entendesse.

— Sabia que os buracos negros são formados nos estágios finais de vida de estrelas? Então se até mesmo elas pegam o que era para ser o fim e transformam em um novo começo, por que não podemos fazer o mesmo?

— Mas como? Como pode ter tanta certeza de que isso vai funcionar.

— “Não tenho certeza de nada, mas a visão das estrelas me faz sonhar” – ele recitou.

— Quem disse isso? – perguntou, contrariado.

Vincent Van Gogh.

— Ainda não prova nada.

— “Assim como as estradas na Terra, as estrelas são os caminhos do céu. Se algum dia se perder, basta segui-las”.

— E quem disse isso?

Uma risada alegre, exultante.

— Eu.

Havia apenas eles e o silêncio. Ao longe as luzes da cidade se acendiam novamente e de algum modo eles sabiam que o que quer que fosse aquele momento estava chegando ao fim. A mão de Izuku se moveu para segurar a sua, garantindo que estaria ali para ele mesmo que a distância os separassem. Eram parte um do outro, feitos da mesma poeira cósmica que havia dado origem ao Universo.

Era apenas uma noite e eles apenas dois garotos deitados em um banco de areia.

Eram apenas dois garotos e um bilhão de estrelas brilhando sob suas cabeças.

Eram apenas dois garotos deitados imóveis em uma praia e mesmo assim movendo-se a mais de 100.000 km/h pelo Universo.

Naquele segundo ele se deu conta de duas coisas. A primeira: Shouto faria qualquer coisa para vê-lo feliz; e a segunda: ele estava irremediavelmente apaixonado por Izuku.

E por amá-lo, Shouto precisava deixá-lo partir.

— Quando estiver construindo foguetes para a NASA não esqueça de me convidar. Ainda espero para ver com meus próprios olhos e ouvidos se o espaço é mesmo um lugar silencioso.

Izuku sorriu largo, um peso sendo retirado de suas costas ao ouvir aquelas palavras, e segurou sua mão com mais força. Ele estava partindo em direção aos seus sonhos, às estrelas que tanto ansiava, e naquele momento Shouto soube que ficaria tudo bem. Afinal, ele também estava partindo rumo a uma vida melhor, uma na qual a dor não era uma constante, onde ele pudesse enfim se livrar daquela raiva que o corroía por dentro.

Mas como um corpo celeste orbitando ao redor de uma estrela, Shouto sabia que eles nunca deixariam a distância separá-los.

.............................................. 5 anos depois ..............................................

— Posso me sentar aqui? Pelo que ouvi dizer, esse é o melhor ponto de observação que se pode desejar.

Shouto fechou os olhos ao ouvir a cadência suave daquelas palavras. Se houvesse algum ar em seus pulmões, ele o teria deixado escapar. Era uma noite quente de verão, a areia ainda estava morna pelo término do dia, o céu aos poucos tomando o tom azul-acinzentado que lhe era característico. Ele soprou a fumaça para fora dos pulmões e respondeu:

— Sabe que esse lugar é seu, eu apenas peguei emprestado.

Uma risada. O som reverberou pelo seu corpo como se nunca houvesse partido. Ele se sentou ao seu lado e imediatamente a lateral do seu corpo foi atingida pelo calor que emanava dele. O rosto dele ainda era como Shouto se lembrava, um pouco mais velho talvez, com cachos mais compridos e ainda mais bagunçados, mas todas as constelações que conhecia tão bem ainda estavam mapeadas ali. Ele ainda tinha aquele trejeito no lábio que sempre aparecia quando sorria e os olhos, os mesmos olhos verdes e brilhantes que eram capazes de enxergar sua alma. Era como se eles nunca houvessem se separado e fossem de novo aqueles dois garotos olhando para o alto.

Houve um tempo em que Shouto não entendia onde estava o fascínio naquilo. Para ele não passavam apenas de um punhado de estrelas iguais como todos os dias. O que havia de especial em apenas observar um monte de pontinhos imóveis no céu? Ele havia se enganado. Não precisava olhar para o céu para ver as estrelas, não quando Izuku as tinha em sua face.

— Shoutooo — Izuku chamou de um modo arrastado.

— Você bebeu?

Uma risada grogue. Os olhos verdes piscaram confusos. A resposta que se seguiu demorou mais tempo do que o normal, o que só confirmou o que Shouto havia perguntado. Ele riu, as bochechas se avermelhando ainda mais.

— Não. Eu fui a Sagittarius B2.

— E o que havia lá?

— Uma nuvem de poeira composta de bilhões de litros de álcool flutuante. Tem cheiro de rum e gosto de framboesa.

— E ainda diz que não bebeu. — Ergueu a sobrancelha, divertindo-se com a aquela nova faceta dele que podia ver.

— Talvez eu esteja levemente embriagado – cedeu. — Era o jeito mais rápido de conseguir coragem.

— Ok — disse.

— Ok — ele respondeu.

— Ok.

Eles riram.

Olhos verdes extremamente cativantes. Estrelas no rosto e no coração. Shouto sentiu novamente aquela energia elétrica percorrer seu sistema. Era tão fácil seguir amando Izuku. Seria ainda mais fácil beijá-lo. Inclinar o corpo e cobrir a pequena distância que os separava. Encostar os lábios nos dele e partir a boca macia com a sua. Abrir seu próprio peito e deixar derramar tudo aquilo que havia guardado para si por tanto tempo.

Eles não eram mais duas crianças com partes quebradas falando de um céu distante em uma praia, mas sim dois adultos conscientes trilhando o caminho em busca de seus sonhos. Talvez agora fosse o momento certo, talvez aquele instante fosse o ápice para tudo que os havia unido.

— Ainda tem a sua? — Mudou de assunto, contendo-se antes que fizesse alguma besteira do tipo agarrar o melhor amigo em público.

Não que houvesse alguém além dos dois naquela praia. Mas como Izuku um dia dissera, Shouto tinha medo de mudanças. Ele temia os acontecimentos que não podia controlar, e ceder aos seus desejos seria como escancarar uma porta e deixá-la aberta de modo que qualquer tipo de coisa poderia acontecer. Shouto temia que uma dessas coisas significasse perdê-lo para sempre.

Izuku sorriu e seus olhos cintilaram daquele mesmo modo quando ele sabia de algo que Shouto não compreendia ainda. Erguendo a manga esquerda da camisa, ele expôs o pulso e a tatuagem fina em forma de uma estrela: o Sol, a mais brilhante de todas. Shouto ergueu a própria manga do braço direito, exibindo a Lua ali marcada nas mesmas linhas delicadas. Um astro central e outro sempre em órbita.

— Nunca vou esquecer a expressão da minha mãe quando ela viu o que tínhamos feito.

— Eu acho que nunca a vi tão zangada, nem mesmo quando você invadiu a usina elétrica para ligar o equipamento de monitoração.

Respirar parecia fácil agora, o silêncio morno da praia os rodeando como se também houvesse sentido a falta deles. Tanto tempo havia se passado e mesmo assim eles tinham a sensação de que nada havia mudado.

— Me conte algo que eu não sei – sussurrou Izuku, porque o momento assim exigia.

— “Há quem me julgue perdido, porque ando a ouvir estrelas. Só quem ama tem ouvido para ouvi-las e entendê-las”.

Olavo Bilac. — Ele sorriu com a confirmação. — Tem algo que você queira me contar, Shouto?

Ele inspirou fundo e virou-se para ele, agarrando suas mãos. Torceu para que ele não percebesse os tremores e fitou fundo aqueles olhos verdes estudando aquele brilho que escondiam segredos os segredos do Universo.

— Izuku — disse. O nome dele, apenas o nome dele parecia uma força grande demais.

— Shouto.

Ele tocou a tatuagem, o Sol gravado na pele dele, pegando dali a coragem necessária.

— Há um tempo que eu venho pensando isso e queria que enfim soubesse. Você é meu sol, Izuku, meu caminho brilhante. Você me aquece, é minha estrela a me guiar através da escuridão. Você me ensinou a ver e ouvir as estrelas, então é uma coisa boa que eu consiga entendê-las já que eu amo você. Eu te amo, Midoriya Izuku.

Um sorriso, curto e radiante. Um momento perdido como apenas eles conseguiam sentir. Os dedos caleijados apertaram os seus e Shouto pensou que seu coração fosse saltar para fora do peito.

— Sua vez – sussurrou de volta ao ver que ele permanecia calado, nervosismo se espalhando por seu estômago.

— Aparentemente, partículas emaranhadas são capazes de compartilhar informações entre si de forma instantânea, independente da separação física entre elas. — Izuku riu ao ouvir o muxoxo na voz dele. — Então mesmo que a distância tenha nos separado, uma parte minha sempre esteve aqui, sussurrando em cada grão dessa praia o quanto eu te amo. E do mesmo modo que o Universo está em constante expansão, o meu amor por você apenas cresce a cada instante. Então não tenha medo, Shouto, eu estou aqui agora, nós estamos, e estaremos muito além depois de nossas vidas. Retornaremos ao cosmo um dia como duas partes de uma poeira estelar, juntos até que o Universo atinja o seu fim.

— Isso que eu chamo de declaração. – Shouto sorriu, o coração aos pulos. Era possível que aquilo estivesse mesmo acontecendo? O toque carinhoso em sua pele dizia que sim. A risada exultante dele em ressoando em seus ouvidos dizia que sim.

— Tive muito tempo para pensar, já que um certo alguém demorou um longo tempo para tomar uma iniciativa.

— Você quer que eu tome a iniciativa?

— Não poderia pedir por mais nada.

Quando os lábios enfim se tocaram e o gosto de framboesa invadiu sua língua, eles fecharam os olhos, ambos imersos naquele momento de mais pura harmonia, onde cada peça parecia enfim tomar seu lugar. Ao longe, uma a uma, as luzes da cidade se apagaram por completo e, em algum lugar do vasto espaço, com a junção de seus corações, um novo Universo nasceu.

..............................................

Há muito disseram que a vida é uma estrada que se constrói com memórias. Para aqueles dois, essa estrada se iniciava em uma praia, numa noite em meio a um apagão, com apenas as estrelas por companhia. Talvez suas estradas pudessem ter tomado rumos diferentes, mas, no momento certo, haviam se reunido e desde então nunca mais se separado.

E do mesmo jeito que eles, apenas dois garotinhos fugindo de suas próprias realidades para uma praia desolada, haviam se encontrado, sua partida se daria no apagar sereno das luzes e, algum dia, seus espíritos se encontrariam novamente entre as estrelas.

May 1, 2020, 2:25 p.m. 0 Report Embed Follow story
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The End

Meet the author

Nathy Maki Fanfiqueira sem controle cujos plots sempre acabam maiores do que o planejado. De romances recheados de fofura a histórias repletas dor e sofrimento ou mesmo aventuras fantásticas, aqui temos um pouco de tudo. Sintam-se à vontade para ler! Eterna participante da Igreja do Sagrado Tododeku <3

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